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Série: Nosso rico lixo

Perda de alimentos no campo é problema social, econômico e ambiental

Produtos jogados fora também levam recursos | 01.07.18 - 08:26 Perda de alimentos no campo é problema social, econômico e ambiental (Foto: Fredox Carvalho)

Kamylla Rodrigues 

Goiânia -
O alimento que chega à mesa dos brasileiros todos os dias faz uma longa viagem do campo até o prato. Nesse trajeto, muitas frutas, verduras e legumes ficam para trás, por causa de uma infinidade de motivos, que vão desde técnicas de manejo até padrões estéticos de comercialização. Considerando essas perdas e os desperdícios (PDA) que alimentam os lixos domésticos, a Food and Agriculture Organization (FAO), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), estima que o Brasil descarte entre 10% e 40% de todo alimento produzido.
 
A dimensão fica mais nítida quando o problema é quantificado: 41 mil toneladas de alimentos por ano vão para o lixo, segundo o World Resources Institute (WRI) Brasil, uma instituição de pesquisa internacional. Isso coloca o Brasil entre os dez países que mais perdem e desperdiçam alimentos no mundo. A média global é ainda mais assustadora: 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano – equivalente a um terço da produção mundial para consumo humano, é perdido ou desperdiçado. E se engana quem pensa que é apenas um tomate, ou uma banana. Todos os recursos utilizados na produção dos alimentos - terra, água, insumos e energia - vão juntos para a lixeira. E isso custa caro. 
 
Não há uma estatística de instituição brasileira ou goiana que aponte a quantidade exata de alimentos perdidos ou desperdiçados ao longo da cadeia, já que as técnicas de produção de cada produto agrícola são muito específicas e variáveis. Mas, segundo boletim divulgado pela FAO em janeiro deste ano, na América Latina e no Caribe, 28% das perdas e desperdícios acontecem na produção, 6% no processamento, 22% no manejo e armazenamento, 17% na distribuição e no mercado e 28% no consumo. São 127 milhões de toneladas de alimento por ano direto na lixeira na região citada. Isso daria para alimentar 36 milhões de pessoas, quase a totalidade de latino-americanos e Caraíbas que passam fome. 
 

(Foto: Fredox Carvalho)
 
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as perdas no início da cadeia de alimento são resultado de baixo aporte tecnológico no manejo das lavouras, carência de estrutura para estocagem da produção, falta de capacitação e infraestrutura inadequada para escoamento das safras, o que se nota com mais expressividade em países subdesenvolvidos.
 
"Uma parte das propriedades brasileiras não possui uma boa infraestrutura. Na cadeia de frutas e hortaliças, por exemplo, algumas regiões do Brasil ainda têm práticas de manuseio que são muito atrasadas e que causam danos aos alimentos, como a colheita manual e o lançamento do alimento em caixas. Em outros locais, as hortaliças colhidas ficam expostas ao sol e sequer saem da fazenda, porque murcham antes disso. Em grandes propriedades também há problemas, como uma colheitadeira mal ajustada ou um controle de pragas ineficaz. Ainda temos mercados que seguem rigorosamente um determinado padrão estético e não aceitam um produto com formato diferente. São diversas causas de perdas", explica a pesquisadora Milza Lana, que ainda cita a necessidade de investimentos na estrutura de refrigeração para retardar a depreciação dos alimentos ao longo da cadeia. 
 

Pesquisadora Milza (Foto: Reprodução / YouTube)
 
O assessor técnico da Comissão Nacional de Fruticultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),  José Eduardo Brandão Costa, acrescenta que o transporte e a condição das estradas brasileiras combinados a embalagens inadequadas também propiciam os desperdícios. “Uma maçã, por exemplo, sai de Santa Catarina com a qualidade nível 1. Ela é colocada em caixas de papelão comuns, algumas vezes em caminhões sem refrigeração, que precisam passar por estradas ruins. Esse produto chega no mercado e, sem muitos cuidados, é jogado nas gôndolas. Ali, aquela maçã que saiu de nível 1, já caiu para o nível 2. A manipulação do consumidor ao escolher o alimento também provoca danos naquela fruta, que no final do dia é descartada”, reforça. 
 
Brandão cita o Projeto de Lei  3778/2012, que dispõe sobre padronização e melhoramento das embalagens destinadas ao acondicionamento de produtos hortícolas "in natura". Atualmente a proposta está na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural ( CAPADR ). "Claro que se adequar a essas normas terá um custo, mas que se pagará com a diminuição de perdas. As embalagens específicas preservam as características do alimento e isso quer dizer mantê-lo em bom estado por mais tempo”, acrescenta. 
 

José Eduardo (Foto: divulgação)
 
A adoção de tecnologia no campo tem contribuído para minimizar esses impactos, mas muitos produtores ainda são resistentes a investimentos nessa área. “O retorno desse dinheiro aplicado em tecnologia acontece a médio e longo prazo. E muitos agricultores e pecuaristas não conseguem trabalhar com a margem ainda mais apertada”, pontua o assessor técnico.
 
A CNA tem tratado esse tema como pauta principal do plano de ação de 2018. O órgão, em parceria com a Embrapa, tem desenvolvido um levantamento do que já existe de publicações sobre o assunto. "Vamos compilar todas as informações e depois preencher as lacunas dos dados que faltam. Assim, poderemos traçar estratégias de combate às perdas e ao desperdício", diz. A previsão é que esse material seja finalizado ainda este ano. 
 
Segurança alimentar  
As perdas e desperdícios de alimentos são um problema social. Segundo o IBGE, 22% da população brasileira se encontra em algum nível de insegurança alimentar - leve: percepção da família de que em algum momento pode haver a redução nutricional; moderada: famílias que em algum período não tem nutrição adequada; grave: pessoas que passam fome. "Hoje percebemos que a fome está mais ligada ao acesso ao alimento do que à falta de dinheiro", diz Milza. 
 
Garantir a segurança alimentar da população mundial é um dos principais desafios globais. A melhoria almejada passa pela redução das perdas de alimentos no mundo, permitindo elevar a oferta de alimentos, sem aumentar necessariamente a área de produção agrícola. 
 
"Quanto eu penso em aumentar a disponibilidade de alimentos, eu tenho dois caminhos: ou eu produzo mais ou eu perco menos. Quanto mais eu perder mais eu tenho que produzir para repor essa perda ", afirma Milza ao ressaltar que melhorar o aproveitamento do que é tirado do solo é um desafio que envolve produtores, distribuidores, comerciantes e consumidores. "A conta tem que ser dividida por todos os atores da cadeia produtiva. Infelizmente, ainda não temos no Brasil uma integração tão grande do setor produtivo", lamenta. 
 
Custo da perda 
Além de uma questão social, as perdas e desperdícios de alimentos são também uma questão ambiental e econômica. Para produzir é necessário terra agricultável, água limpa, adubo. Isso é caro e degrada o meio ambiente. Depois, o que não é vendido ou aproveitado vira resíduo que vai mais uma vez para o meio ambiente. Os resíduos que vão para os lixões também precisam de tratamento, o que também não fica barato. Ou seja, as perdas e os desperdícios de comida levam junto dinheiro investido na produção e no tratamento do lixo e ainda afetam os recursos naturais.

Além de US$ 1 trilhão de custos econômicos por ano no mundo, a FAO estima que os custos ambientais e os custos sociais do desperdício de alimentos alcançam US$ 700 bilhões e US$ 900 bilhões, respectivamente. Na somatória da tríade de custos - econômicos, ambientais e sociais -, a estimativa total do desperdício de alimento gira em torno de US$ 2,6 trilhões por ano, o que equivale ao PIB do Reino Unido - quinta maior economia do mundo.
 
 
Boas práticas
Em Vianópolis, o produtor Eldenário cultiva tomate em 20 hectares. Há quatro anos ele adotou uma espécie de carrinho de mão na lavoura, que diminuiu em mais de 10% as perdas no pós-colheita. "Antes, jogávamos os tomates de qualquer jeito na caixa, que muitas vezes ficava longe. Com o carrinho, conseguimos levar a caixa para perto e fazer a colheita de forma mais proveitosa e com muito menos impacto", afirma Eldenário. 
 
O produtor também tenta amenizar as perdas e desperdícios com ações simples. "O mercado impõe padrões de tamanho e formato e, muitas vezes, alguns frutos não saem dentro desses padrões. Esses tomates que não servem para o mercado, mas que possuem o mesmo valor nutricional, nós vendemos mais baratos ou utilizamos em casa. Em alguns casos, também fazemos doações. Acho um pecado jogar o fruto de muito trabalho e investimento no lixo. Então, só jogamos fora o que, de fato, não está bom para consumo", frisa o produtor. 
 
Seguindo essa linha de maior conscientização e valorização do que é produzido no campo, a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-Goiás), oferece diversos cursos e treinamentos para o produtor. Essa capacitação auxilia a melhorar manejo e a desenvolver formas de preservação dos recursos naturais. Também auxilia na implementação de tecnologias para promover uma produção sustentável e com alimentos seguros. 
 
A Embrapa Hortaliças também instrui e disponibiliza em seu site orientações para a montagem de uma estrutura de ferro e lona, que modifica o manuseio e armazenamento dos produtos, permitindo que a hortaliça colhida seja logo levada à sombra após a colheita. O órgão  dedica parte de suas ações na busca de soluções tecnológicas que diminuam os impactos ambientais causados pelo desperdício. Além disso, promove campanhas de acesso à informação, tanto à população em geral como aos produtores.
 
 
Para José Eduardo Brandão, não há uma única medida para amenizar os impactos do problema, mas cada elo da cadeia pode buscar melhorias. "Produtores poderiam investir em melhores colheitas e tecnologias de armazenamento; varejistas poderiam reduzir preços dos vegetais imperfeitos e doar excedentes das lojas; consumidores individuais poderiam ser mais cuidadosos, utilizando melhores métodos para armazenar e reciclar sobras; e governos poderiam lançar campanhas de sensibilização", conclui.
 
A Central de Abastecimento de Goiânia (Ceasa) e algumas redes varejistas colocam em prática algumas medidas para amenizar as perdas e os desperdícios. Saiba quais são e os impactos que elas geram na próxima reportagem da série. 
 
 

Comentários

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  • 01.07.2018 13:08 Fernanda Mota

    Reportagem impactante. Serve de alerta para repensarmos as atitudes de produção e consumo. Parabéns!

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