Michelle Rabelo
No final do mês de fevereiro, uma denúncia chamou a atenção da população. Uma idosa teria sido agredida dentro de uma clínica especializada para tratamento psiquiátrico. Cremilda Rodrigues Reis, 54 anos, estava internada na Casa de Eurípedes, onde, segundo a direção da casa, no dia 10 de março, ela teria sofrido um acidente. A idosa foi internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) com vários hematonas e em estado grave. Um sobrinho denunciou o fato ao Conselho Regional de Medicina e o caso direcionou novamente os holofotes para um ponto crítico e ainda insólúvel na capital: os locais para onde são encaminhadas as pessoas que possuem algum tipo de transtorno mental no município são pouco divulgados e o modo como estas pessoas são tratadas ainda gera dúvidas.
A idosa continua internada no Hugo e segundo informações do próprio hospital, encontra-se em estado regular, mas não corre risco de morte. A Casa de Eurípedes informou que vai investigar o acontecido, mas que "acidentes são comuns devido a hiperatividade de alguns pacientes". A denúncia em nome do sobrinho da vítima, Wagner Pinheiro, ainda está no Conselho Regional de Medicina. O órgão enviou um pedido de esclarecimento à Casa e esta terá um prazo, não divulgado, para se pronunciar.
O termo "transtorno mental" vem carregado de preconceitos e quem ouve o adjetivo louco normalmente busca na memória a imagem de alguém descontrolado, agressivo e perigoso. Surpreende-se quem tem a chance de acompanhar uma oficina de arte onde mulheres com algum tipo de transtorno mental costuram. As alunas manuseiam a linha e a agulha de uma maneira delicada e consciente.
A cena descrita acontece diariamente no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Vida, integrante da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Depois da reforma psiquiátrica no Brasil, houve uma mudança, pelo menos na teoria, no que diz respeito à integração do doente mental com a sociedade. O grande objetivo era eliminar gradualmente a internação como forma de exclusão social. Essa opção seria utilizada somente para casos graves. No contrário, os pacientes seriam atendidos por um modelo de assistêncialismo. Dentro desse modelo, estão os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Em Goiânia, há casas e clínicas que recebem os pacientes e que servem como espécie de manicômios, depois que houve um movimento no Brasil que defendia a transformação dos Serviços Psiquiátricos. A luta que tem como data marco o dia 18 de maio e tem relação direta com a Reforma Sanitária Brasileira da qual resultou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), recebeu o nome de Antimanicomial.
Goiânia
Em Goiânia, os Caps são geridos pela Prefeitura e têm como base a livre circulação do paciente dentro dos serviços de saúde e ainda o contato com a família, a sociedade e o espaço urbano. Nos Centros, há o atendimento diário aos pacientes, porém ninguém dorme no local. Existem ainda Caps específicos para tratamento de pessoas cuja atenção especial é necessária devido ao uso de álcool e outras drogas. É uma forma substitutiva dos hospitais psiquiátricos e tratamento via internação.
A diretora geral do Caps Vida, Mônica Mendes, garante que as portas dos Caps ficam abertas à população. “Basta procurar um uma das unidades, levar o paciente ao Wassily Chuc que é mais conhecido ou receber encaminhamento através do Programa de Saúde da Família ou Unidades de Saúde”, explica.
Para os casos mais graves, existe o Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc, onde os pacientes são internados com ou sem vontade própria. Há também o Ambulatório Municipal de Psiquiatria, os Consultório de Rua, os Serviços Residenciais Terapêuticos e a Cooperativa de Geração e Renda (Gerarte).
A internação só acontece em casos graves. Quando o paciente está em crise ou surto, a porta de entrada para atendimento é o Pronto Socorro Wassily Chuc. A unidade funciona 24h e lá o paciente passa pela análise da equipe médica e, se necessário, fica em observação. Em seguida, assim que receber alta, ele é direcionado para acompanhamento no Caps mais próximo de sua residência.
Casos mais graves ficam internados no Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc - Foto: André Saddi
A atribuição de um Código Internacional de Doença (CDI) só acontece depois que o paciente passa por uma espécie de triagem, na qual são levadas em consideração diferentes pontos de vista de diversos profissionais. Para Mônica, O CDI rotula o usuário, o que é uma coisa quase irreversível.
Os atendimentos acontecem em oito pontos da capital. Seis deles são voltados para o tratamento de transtornos mentais e dois para problemas relacionados com o uso excessivo de álcool e drogas. Com relação à transtornos mentais têm-se o Caps Novo Mundo na Vila Concordia, o Caps Beija-Flor no Jardim Presidente, o Caps Esperança no Jardim Petropóles, o Caps Vida no Setor Marista e o Caps Noroeste na Vila Mutirão I. Para tratamentos relacionados ao uso de substâncias químicas, há o Caps Casa no Setor Sul e o Caps Girassol no Setor Oeste.
Água Viva
O Caps Água Viva é um centro de atendimento específico para transtornos mentais infanto-juvenis. A casa está na localizada na região sul e funciona de segunda à sexta, das 7 às 19h.
Até 2002, o Caps era uma casa de atenção (Casa de Atenção Água Viva) e só em depois se transformou em um Centro de Atenção Psicossocial. A idade máxima para ser atendido no água Viva é 18 anos e a demanada chega a 100 pessoas por dia.
Quem recebeu a equipe do Jornal A Redação foi o diretor geral da unidade, Cláudio Costa de Araújo. Ele afirma que a população confunde transtornos orgânicos, comportamentais e deficiência, “que é algo que nasce com a pessoa e que tem uma explicação cientifica, como a Síndrome de Dow. No caso do transtorno o paciente não é doente, ele está doente”, pontua.
Segundo Cláudio, há três tipos de pacientes na saúde mental do município: os casos graves (que vão para o Wassily Chuc), os moderados (que recebem tratamento nos Caps) e os leves (estes são absorvidos pela rede municipal de saúde como um todo). Para cuidar dos pacientes do Água Viva, o diretor conta com uma equipe de 55 funcionários efetivos e alguns voluntários.”A equipe multifuncinal dá toda a assistência que o usuário precisa. Aqui temos médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, psiquiátras, musiterapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogos, educadores físicos e etc”, afirma.
As crianças e adolescentes chegam nos horários em que acontecem as oficinas nas quais estão inscritos. Alguns gostam do local que é cheio de árvores e brinquedos. Lá eles recebem café da manhã, almoço e lanche, tudo sem custos.
Várias mesas estão colocadas na área externa do Caps e são utilizadas para o lanche dos pacientes - Foto: Fábio Lima
Uma vez por semana acontece uma reunião geral durante a qual são discutidos caso por caso. Existem projetos paralelos espoecíficos do Água Viva, como a realização de bazzares, mostras anuais de arte e publicaçao de livros escritos pelos pacientes.
Tratamento
Assim como nos demais Centros, a equipe do Água Viva faz o atendimento, oferece consultas periódocas para quem já recebeu alta e receita medicamentos – todos de tarja preta ou vermelha. “A administração medicamentosa é evitada. Queremos que o paciente não fique dependente de nada”, esclarece Cláudio.
Perguntado sobre a falta de medicamentos, o diretor admite que já passou por situações onde não haviam remédios necessários. A solução encontrada por ele é emitir uma receita que possibilita que o paciente adiquira o produto em outro Caps.
No Caps há uma farmacêutica e nada sai da casa sem receita médica - Foto: Fábio Lima
O atendimento pode ser feito em grupo, de maneira individual ou através de oficianas terapêuticas. Quando opta-se por fazer as sessões com mais de um integrante, os critérios são: idade ou tipo de transtorno. Os horários são flexíveis para que o período em que o usuário está na escola não seja prejudicado.
Uma outra parte do tratamento é a assistência à família do paciente. “É importante que quem convive com um usuário tenha contato com outras pessoas com as mesmas experiências, dúvidas, dificuldades. Há também o atendimento domiciliar, momento em que os profissionais investigam o dia a dia do usuário e sua integração com a família e amigos.
Projetos
A Cooperativa de Geração e Renda (Gerart) é um projeto da prefeitura oferecido aos pacientes que estão sendo tratados nos Caps. O objetivo é a reinserção social. Trata-se de uma oficina de produção onde os participantes, em fase de estabilidade e readaptação, têm a chance de desenvolver sua capacidade de produção para que, posteriormente possam trabalhar sozinhos para obtenção de renda.
Parte da verba arrecadada na venda destes produtos é destinada aos próprios pacientes para que eles contribuam na renda familiar. Existem oficinas de produção de marcenaria, artesanato, panificadora e costura, sendo cada modalidade direcionada a uma turma. Todo o material utilizado nas oficinas e a contratação dos oficineiros é subsidiado pela Saúde de Goiânia.
Pensando no retorno do paciente ao convívio social, existe outro programa chamado Serviço Residencial Terapêutico (SRT), também conhecido como Residências Terapêuticas (RT) que são casas de habitação localizadas no espaço urbano, que têm como objetivo proporcionar às pessoas que viveram longos anos em hospitais psiquiátricos o retorno ao convívio social ou até mesmo o início de uma nova vida.
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