Yuri Lopes
Goiânia - Aprovada com rapidez rara no Congresso, o Projeto de Lei 7.596/17, conhecido como Lei do Abuso de Autoridade segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Após receber o clamor de vários setores organizados da sociedade, fontes próximas ao presidente acreditam que ele vai aprovar a lei, mas vai vetar a maioria dos artigos.
Uma das entidades organizadas que entregou pedido formal de vetos desta lei foi a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego). O presidente da associação, Wilton Müller Salomão, foi na última semana a Brasília para audiência com Bolsonaro.
Após o encontro, Wilton falou com exclusividade ao jornal A Redação sobre o que pensa sobre a proposta de lei, quais os pontos mais polêmicos, e o que ele acredita que será feito pelo presidente Bolsonaro em relação ao texto que foi aprovado na Câmara no dia 14 de agosto.

(Foto: Esther Teles - A Redação)
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
A Redação: Você considera que a proposta de lei aprovada na Câmara tem problemas?
Wilton Salomão: Quando tem na lei que determinada ação do magistrado que for feita sem justa causa, eu deixo um conceito em aberto. O que é justa causa? Seria justamente aquela disputa jurídica dentro dos processos onde a prova pode ser suficiente ou não para iniciar investigação, para oferecer denúncia ou para condenação. Mesmo o cidadão que não tenha formação jurídica sabe que a lei penal é a exceção. As coisas que são importantes no Direito Penal já estão regulamentadas no Código Penal, que é prevaricação e corrupção, por exemplo. O texto aprovado diz que se o juiz decretar uma prisão, manifestamente ilegal configura abuso de autoridade e, portanto, seria crime. Ora, o que é manifestamente ilegal? Se o juiz interpreta que em determinado caso existe necessidade de decretar prisão e, posteriormente, o Tribunal reforma a decisão e coloca a pessoa em liberdade ou concede um habeas corpus. Nesse caso o juiz poderia ser processado. Esta proposta de lei foi construída para tolher a atuação não só dos magistrados, mas dos policiais militares. O projeto de lei fala em punir o policial que algemar algum indivíduo desnecessariamente. Quem sabe, senão o policial que está ali naquele momento, quando é necessário algemar um suspeito?
Esta lei favorece qual grupo da sociedade?
Todos os criminosos, mas em especial as quadrilhas, as organizações criminosas, tanto de colarinho branco como traficantes, guerras entre gangues, tudo isso será beneficiado caso esta proposta seja aprovada. Esse grupo será o mais beneficiado por ter um batalhão de advogados, que vão instigar o tempo inteiro se um juiz cometeu crime. Isso se algum juiz ficar na área criminal. Ninguém passa aqui, pega meu celular e leva sem querer. Ele tem que querer. Com essa proposta está sendo criado o crime sem querer. O profissional não quer cometer crime, está ali para proteger a sociedade, exercendo sua função. Não faz o menor sentido.
Você acha que esta proposta foi apresentada e aprovada na Câmara tão rapidamente devido a quais fatores?
Até criança vê a motivação de tudo isso. Diante da Lava Jato, fazendo seus desdobramentos, outras operações em combate à corrupção, além de outras em combate a grandes crimes, como tráfico de drogas. Tudo isso vem no mesmo momento em que o governo está fragilizado, não tem maioria na Câmara nem no Senado. O governo fez essa opção de não ter maioria, e acaba por ficar refém do Congresso. Se o presidente Bolsonaro vetar na sua integralidade ele compra uma briga com o Congresso. Se não vetar, ele compra uma briga com a população, já que a proposta do presidente é de combate à corrupção e da criminalidade. Então percebo que foi um oportunismo claro.

(Foto: Esther Teles - A Redação)
Do que você conhece da proposta que foi aprovada na Câmara, existe algum trecho que você considera ser positivo?
Não dá. A redação é ruim do primeiro ao último artigo. Ela começa dizendo que será aplicada a todos os poderes e aos membros destes poderes, o que é uma cortina de fumaça que eles fazem para dar a entender que é uma proposta positiva. Esta lei é para regulamentar o controle de agentes do Estado. Esta lei está sendo chamada de Estatuto da Impunidade, não é lei de combate ao abuso de poder. Particularmente é interessante observar que os artigos vão em um crescente. O texto não tem poucos artigos contemplando todos os agentes públicos. Alguns atingem Polícia Militar, alguns a Polícia Civil, delegados, promotores e juízes em suas atividades cotidianas. Poucos artigos atingem todas as carreiras. E isso é uma estratégia para que o veto de um artigo acabe prejudicando outro.
Qual seriam os principais reflexos na magistratura caso o texto atual seja aprovado?
Vira uma situação muito delicada para os profissionais que trabalham nesta área. Esta lei acabaria fazendo com que estes profissionais lavassem as mãos. Quem vai exercer uma função para cometer crime? Acho que esta lei é redundante. A pessoa que abusa do poder deve ser punida, mas já existem os mecanismos de punição. Nós temos a corregedoria local, a corregedoria nacional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nós já temos como punir os excessos. Esta lei é absolutamente desnecessária, pois quer propor algo que já existe e funciona.
A OAB manifestou apoio a esta lei. Como você avalia este apoio?
Eu não entendo como a OAB faz uma defesa de um projeto desta magnitude, quando a Ordem é a primeira usuária do Poder Judiciário. Ou seja, ela mesma vai ficar em uma situação delicada. Na época da ditadura militar, quem salvaguardava os advogados era o Judiciário, que ainda “peitava” os militares. Agora a OAB se volta contra o Judiciário. Se essa lei for aprovada, quem vai apoiar a OAB? Ninguém.
Após participar de reunião com Bolsonaro na última semana, onde foi pedido o veto de alguns artigos do projeto de lei, o senhor acha que o presidente vai vetar ou manter a proposta?
Nós entregamos formalmente ao presidente um pedido de vetos de 13 artigos que atingem diretamente o trabalho da magistratura. O que ele disse foi que está em uma situação difícil, delicada. Como cristão, ele pediu a Deus para abençoá-lo. Ele lembrou que quer e precisa manter um bom relacionamento com o Congresso. Então acredito que ele vai vetar alguns artigos, não todos.