Mônica Parreira
Goiânia - Passada toda a discussão em torno das mudanças no sistema previdenciário, agora o que vai entrar em pauta nacional é a reforma tributária. Especialista no assunto, o economista e advogado Wander Brugnara* concedeu uma entrevista ao jornal A Redação, na quinta-feira (31/10), explicando o impacto que pode provocar na vida do contribuinte. “Não haverá diminuição tributária. O que muda, na prática, é que a reforma trará uma maior transparência”, resumiu.
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional dois textos em torno da reforma tributária, um na Câmara dos Deputados e outro no Senado. No entanto, Wander acredita que a terceira proposta, a ser apresentada pela equipe do ministro Paulo Guedes, é a que mais atende às necessidades do Brasil. A previsão do economista consultado pelo AR é que o pacote seja votado pelo legislativo a partir do segundo semestre de 2020.
Em rápida análise, disse que os principais tópicos defendidos por Guedes devem ser “o aumento das alíquotas de imposto de renda para quem tem maior capacidade contributiva; a possibilidade de arrecadação sobre movimentação financeira; e da tributação sobre o lucro das empresas”.
Apesar de julgar as mudanças necessárias, Wander acredita que a reforma representa uma solução paliativa. Na sua opinião, uma verdadeira interferência sobre as regras tributárias só seria possível com alterações na Constituição Federal o que, por ora, não seria adequado, já que demanda tempo. “Então essa reforma já é uma solução, já vai trazer um benefício, um resultado, um crescimento.”
Leia a íntegra da entrevista e tire suas dúvidas sobre a reforma tributária:
A Redação: Como o Brasil lida com tributos atualmente?
Wander Brugnara: Vivemos um sistema complexo. Após a Constituição Federal, mais de cinco milhões de normas tributárias foram editadas. Praticamente mais de 700 normas tributárias são editadas por dia útil. Chegou ao ponto em que o contribuinte não tem mais como gerenciar esse excesso de informações. Além disso, a gente tem uma desproporcionalidade na arrecadação tributária, principalmente em cima do contribuinte pessoa física, que paga o pato. Por exemplo: uma pessoa tem seu carro importado, passa num radar e recebe uma multa; enquanto outra pessoa tem um carro popular, passa no mesmo radar e paga mesmo valor da multa. Ou seja, não há um respeito sobre a capacidade contributiva de cada um. Outro grande problema é a contraprestação estatal. Na Suécia, que cobra um dos maiores impostos de renda do mundo, paga-se praticamente 60% de imposto, bem mais que no Brasil. Mas tem escolas públicas maravilhosas, bons planos de saúde e boas rodovias. No Brasil, além de pagar imposto, o contribuinte tem de pagar o seu plano de previdência, de saúde, escola privada, e por aí vai. Então não há, efetivamente, uma contraprestação estatal.
AR: O que é a reforma tributária e o que ela propõe?
WB: A reforma tributária nada mais é do que buscar um equilíbrio nas contas fiscais e uma simplificação e desoneração de determinados setores, em detrimento da oneração de outros setores. A gente sabe que o governo hoje depende efetivamente dessa arrecadação tributária. Então uma diminuição clara da carga tributária não vai acontecer.
AR: Você já teve acesso aos detalhes da proposta que está em elaboração pela equipe do ministro Paulo Guedes? Quais os principais pontos?
WB: Fiz parte do comitê da reforma tributária no Congresso, e acompanhei todos os melindres dos projetos. Hoje nós temos três propostas em andamento. E a que mais atende [às necessidade do Brasil], pelo menos de forma paliativa, é a proposta do ministro Paulo Guedes. Tive acesso, tive conhecimento, participei do debate. Ela simplifica os impostos federais, unifica isso, sem o estudo efetivo aonde onera e aonde desonera. A proposta aumenta efetivamente as alíquotas de imposto de renda para aqueles que têm uma maior capacidade contributiva, ela traz de novidade a possibilidade de uma arrecadação sobre movimentação financeira, a famosa CPMF, ou outro imposto que possa se instituir. E traz também a possibilidade que se discute há mais de 20 anos, que é a tributação sobre o lucro das empresas.
(Foto: Esther Teles)
AR: Por que você acha que a reforma é uma medida paliativa?
WB: Nós vivemos num sistema muito populista, numa evolução muito rápida de ideias. O Brasil hoje é um grande player de investimentos, mas é um país jovem, crescente, que vem tentando se adaptar, que vem reaprendendo com seus erros. Entretanto essa reforma tributária, como está sendo proposta, é bem paliativa. Ela não é uma proposta definitiva, não atende efetivamente todos os setores, não atende definitivamente o interesse do Estado, do município. Só vamos conseguir realizar uma reforma tributária plena quando mudarmos nossa constituinte, a nossa Constituição Federal. Porque ali você tem um pacto federativo, tem a divisão das receitas entre estados, municípios e união.
AR: E não dá para o Brasil avançar para algo que já fosse, de fato, efetivo?
WB: É necessário antes passar por esse momento de reforma. Precisamos de uma nova constituição federal, mobilizar o Congresso, mas não temos tempo pra isso agora. Não há tempo hábil, e o país não pode aguardar. O Brasil precisa voltar a ser o que era, e está no caminho certo [de reformas]. Então essa reforma tributária já é uma solução, já vai trazer um benefício, já vai trazer um resultado, um crescimento. Já foi da previdência, depois vem a reforma administrativa que, no meu ponto de vista, é uma das principais. Então as reformas são importantes. Entretanto, a questão tributária é muito mais complexa que as demais reformas. Mesmo paliativa, ela vai trazer uma solução.
AR: O que a reforma tributária pode mudar na vida da população?
WB: Simplificando, o que traz é uma maior transparência. Mas uma diminuição de uma carga tributária, não vai. A pessoa vai passar a entender um pouco mais o que ela paga, como é, por exemplo, nos Estados Unidos. O contribuinte paga aquilo sobre aquele consumo, paga aquilo sobre o que faturou. Então tem uma transparência maior, uma simplificação maior.
AR: A redução de impostos não deve acontecer, mas e um provável aumento?
WB: Um provável aumento sim, mas para aqueles que têm maior capacidade contributiva. Isso é importante salientar. Você vai continuar pagando o imposto que você paga sobre o feijão, seu consumo, sua gasolina, bebida, e por aí vai. Então vai haver uma simplificação. Em relação ao imposto de renda, há uma possibilidade de redução para aqueles mais desfavorecidos, e uma possibilidade de aumento para aqueles mais favorecidos, dentro da capacidade contributiva.
(Foto: Esther Teles)
AR: E qual é o impacto disso?
WB: O governo passa a investir mais em projetos vinculados à receita arrecadada. Isso traz um crescimento para o país, um aumento da empregabilidade, um grau de investimento. O governo está no caminho certo. A reforma da previdência foi uma grande assertiva, e traz agora a possibilidade a reforma administrativa que, no meu ponto de vista, é a principal. Em sequência, a tributária. Então são as três grandes reformas que colocam o país entre os maiores players de investimento lá fora. Tivemos uma redução dos juros, essa redução impacta efetivamente na arrecadação tributária, que traz um aumento de consumo e gera efetivamente uma maior receita para o governo federal.
AR: O que o brasileiro pode esperar de positivo após a aprovação da reforma tributária?
WB: Países que fizeram o dever de casa, fizeram sua reforma tributária como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e China, trouxeram uma capacidade de investimentos muito alta. Então o cenário, em geral, é extremamente positivo para quem passa por essas reformas. Acredito que a gente está no caminho certo. O Brasil é um grande país de consumo, e a gente sabe que o mundo está de olho. E a reforma tributária, sem dúvida nenhuma, acelera esse ciclo de investimentos no país. Em regra geral, sempre é positivo um cenário desse para uma retomada de crescimento.
*Wander Brugnara é CEO da Tributarie – Inteligência Tributária, Financeira e Gestão Fiscal, consultoria tributária e empresa especialista em recuperação de créditos tributários. O especialista esteve em Goiânia nesta semana para inaugurar nova sede da empresa e também ministrar a palestra “A Reforma Tributária e Seus Impactos no Setor Empresarial”.