A Redação
Goiânia - A psiquiatra Ana Hounie, Doutora e pós doutora pela Faculdade de Medicina da USP, ministrará o curso Aplicações Clínicas da Cannabis Medicinal, no Oitis Hotel, dia 6 de dezembro, das 9 às 18 horas. O programa inclui informação sobre sistema endocanabinoides, as indicações clínicas e exposição de casos tratados como óleo fitoterápico. Ela vai abordar os benefícios do óleo artesanal, acessível e eficiente no tratamento de doenças que vão além das psiquiátricas e neurológicas, além dos óleos importados.
O tema polêmico, embora o plantio da Cannabis medicinal seja realidade no País, voltou à tona principalmente agora com decisão recente do dia 15 de outubro mais uma vez adiada na Anvisa. Alguns dirigentes do órgão pediram vistas dos projetos de liberação do plantio de Cannabis medicinal e da regularização de processos de fabricação de medicamentos.
O Brasil vai continuar apenas com o papel de importador dos produtos à base de canabinoides?Ou essa falta de posicionamento contribuirá para consumo medicinal de produção restrita de associações como a ABRACE, na Paraíba, de importados ou fabricados de forma caseira? Quem planta a erva para fins medicinais pode ser preso? O ônus de tratamento ficará para pacientes e poder público? O óleo será alvo de produção duvidosa e venda por charlatões na feira ou pela internet? A indústria farmacêutica vai conseguir barrar a produção artesanal para produzir e lucrar com os derivados isolados ou sintéticos?
A médica Ana Hounie, pós-doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, considera um retrocesso o adiamento dessa decisão, que estava prestes a ocorrer numa problemática que demora anos a avançar no país. Segundo ela, o momento exige união da sociedade, de pacientes, de médicos e representantes do povo. “O engavetamento desses projetos significou, além de derrota para o cidadão comum carente de medicamento de baixo custo, um grande retrocesso da saúde no Brasil”, avalia.
Exponente no Brasil e na América do Sul, por conta das pesquisas e da aplicação clínica do óleo derivado da Cannabis com diferentes concentrações de canabinoides no tratamento de seus pacientes, a médica Ana Hounie, pós-doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo programou um curso exclusivo para médicos. O programa visa a atrair médicos de várias especialidades, interessados em prescrever o produto fitoterápico reconhecido em todo o Planeta por suas propriedades terapêuticas.
O curso da Dra Ana Hounie em Goiânia começou a ser organizado em agosto, pelo médico psiquiatra goiano Airton Ferreira dos Santos Filho. Ele se formou em medicina na UFG, realizou residência médica em psiquiatria na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) e estágio na Universidade de Amsterdam, no ano de 2009. Ele que conferiu in loco na Holanda, há 10 anos, o que a Cannabis medicinal pode proporcionar no tratamento de enfermidades físicas e psíquicas, reforça, portanto o retrocesso do Brasil neste campo.
“O objetivo desse curso é formar profissionais interessados na prescrição do medicamento para seus pacientes, bem como alertar sobre a importância de uma mobilização da categoria para cobrar do governo federal a regularização da fabricação do composto medicinal por via fitoterápica”, explica. Segundo o psiquiatra Airton Filho, ao contrário da produção dos derivados sintéticos da Cannabis, sendo mais conhecido o canabidiol (CBD),almejado pela indústria farmacêutica e inacessível à maior parte da população pelo seu alto custo, os óleosde Cannabis, com diferentes concentrações de canabinoides (CBD, THC) e outras substâncias com potencial terapêutico, podem ser a “luz no fim do túnel” para doenças cuja gravidade costuma progredir por falta de condições financeiras da população em arcar com remédios caros prescritos em seus tratamentos de saúde.
Confira abaixo a entrevista com a Dra Ana Hounie (Psiquiatra, PhD pela USP):
Podemos dizer que a atitude do governo na primeira quinzena de outubro jogou um balde de água fria em um processo avançado, fruto de anos de um trabalho árduo?
Sim. Ao pedir vistas dos dois processos em tramitação avançada por dirigentes da ANVISA, da liberação do cultivo para fins medicinais e do registro de medicamentos à base de Cannabis, o governo mina a esperança de doentes e médicos de todo o Brasil. Nosso medo é que a questão se prolongue e que um dos Diretores da Anvisa que tem nos apoiado , o Dr Dib, seja substituído. O Dr Dib teve papel essencial nos avanços para que a Cannabis medicinal se tornasse uma realidade no Brasil.
Como é obtido o canabidiol hoje pelos doentes?
O canabidiol pode ser importado na forma de cânhamo ou comprado na rede de farmácias brasileiras com o nome comercial Mevatyl. O Mevatyl possui 27 mg de THC e 25 mg de CBD por frasco, de modo que podemos dizer que a Cannabis já é liberada no Brasil, o que falta liberar é o plantio para fins medicinais e de pesquisa. Os óleos artesanais possuem concentrações variadas de THC e CBD. Com a regulamentação os óleos poderiam ser produzidos no Brasil, com menor custo que os importados. Por exemplo, o Mevatyl é vendido em farmácias ao preço de 1500 reais (com desconto),enquanto o composto fitoterápico na versão óleo artesanal pode ser obtido por um valor em torno de 400 reais, como o produzido por uma associação na Paraíba, a ABRACE. Enquanto o medicamento da farmácia em forma de spray concentrado num frasco de 30 ml dura, conforme o uso e gravidade da enfermidade, menos de um mês, o óleo artesanal é sublingual e, por conta do efeito comitiva, que é a sinergia de todos os compostos, pode durar até de 3 a 4 meses.
Por que muita gente, inclusive médicos, ainda acham que a Cannabis medicinal está em fase de estudos no Brasil e desconhece sua eficácia, ao contrário da população de outros países?
O canabidiol puro não apresenta tanta eficácia comoos extratos integrais. O problema é que, dada a proibição do cultivo, não existem muitos estudos com óleos artesanais. Uma coisa curiosa que ocorre com a Cannabis é que ela é amplamente usada no Brasil e no mundo, então sua segurança e eficáciajá são demonstradasem estudos de de fase 4, que é a observação dos efeitos na população depois que a substância entra no mercado. Então, precisamos de mais estudos de fase 3, mas para isso dependemos da liberação do cultivo. Na medicina baseada em evidências, os estudos são classificados de A a E. No caso da Cannabis medicinal, não existem muitos estudos A e B, e para isso precisamos da liberação do cultivo.
Então os estudos não podem ser baseados apenas no extrato da planta?
Podemos estudar os fitoterápicos, mas isso exige conhecimento e métodos apropriados. Quando estudamos os óleos integrais, estamos lidando com mais de 500 substâncias que se encontram na planta. A pesquisa com os compostos isolados não tem demonstrado tanta eficácia como vemos na prática clínica com os óleos integrais, por isso precisamos de mais estudos com os óleos integrais.
Cannabis é aplicada ao longo da história do homem há mais de 5 mil anos, uma planta que sobrevive evolutivamente e é usada em várias culturas para diversas moléstias não pode ser ignorada. Quando o CFM fala que existe evidência de eficiência da Cannabis apenas na epilepsia refratária ou na espasticidade da esclerose múltipla, está deixando de lado um corpo de evidências enorme.
Quais doenças têm sido tratadas com o óleo da cannabis com resultados que comprovam tratamento eficiente?
Temos eficácia em várias doenças, como as dores crônicas e doenças imunológicas (artrites, neuropatias, fibromialgia), doenças neuropsiquiátricas ( demências, ansiedade, depressão, insônia, doenças neurodegenerativas, Parkinson, epilepsia entre outras) . Os resultados também podem ser vistos em regeneração óssea como nas artrites, osteopenia e osteoporose, bem como em metástases ósseas e ainda na redução tumoral de vários tipos de câncer.
Ao seu ver, porque essa demora em regulamentar algo que vai trazer benefício ao cidadão comum?
O processo avançava no decorrer de anos e finalmente chegou em vias de decisão sobre formas de regulamentação na ANVISA. Cinco diretores tinham de votar e dois deles pediram vista nos dois projetos, um de registro de medicamentos com Cannabis e e outro da liberação do cultivo. Isso na prática significa que adiaram a votação de algo importante. Não sabemos os motivos, mas podemos especular sobre medo, preconceito, ignorância dos efeitos medicinais da planta, além de interferência de lobby da indústria farmacêutica que deseja investir nos canabinoides sintéticos, ou isolados, bem mais caros que o óleo artesanal. Corremos o risco também da votação desses projetos ficar para o ano que vêm e, até lá, o presidente da Anvisa, Willian Dib, que tanto contribuiu para o avanço do estágio atual, seja substituído e voltamos à estaca zero. O momento é de união da sociedade civil, das associações de pacientes, seus representantes no governo, doentes e médicos, que precisam cobrar dos deputados e indicar políticos para fazer pressão no governo e cobrar para que seja autorizado o cultivo no país.