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Goiás

Itapaci homenageia Nemezio Naves com nome em avenida e unidade de saúde

Conheça história do homenageado | 20.05.20 - 15:09 Itapaci homenageia Nemezio Naves com nome em avenida e unidade de saúde (Foto: divulgação)
Jales Naves
Especial para o jornal A Redação

Goiânia - A construção da Usina Hidrelétrica de Itumbiara, no rio Paranaíba, na divisa dos estados de Goiás e Minas Gerais, no início da década de 1970, mudou a rotina de vida e os planos de muitas famílias que residiam naquela região. A partir do anúncio de que o seu reservatório iria ocupar 778 km², com área de influência abrangendo 15 municípios vizinhos, e que o município de Tupaciguara, MG, seria o mais atingido pelo empreendimento, com área inundada de 200 km², as pessoas começaram a buscar alternativas e analisar para onde se mudar, diante dessa nova situação. Afinal, aquela era a maior usina do sistema Furnas, as obras começaram a todo vapor em 1974, mantiveram um ritmo continuo e foram inauguradas sete anos depois, em 1981.
 
Dentre essas famílias, Nemezio dos Reis Naves e Maria de Lourdes Martins Naves tinham um sítio, com 15 alqueires, em Tupaciguara, onde se casaram em 1944 e estavam criando seus 16 filhos. Nessa área cultivavam uma agricultura de subsistência, plantando arroz, feijão e hortaliças, e trabalhavam, ele e os filhos, em fazendas próximas. Com as obras da usina adiantadas, ele negociou com a empresa uma indenização por aquela área, que rendeu em torno de 30% do valor com imóvel com suas benfeitorias, e buscou novas terras para comprar. A ideia era a mudança em conjunto para ficarem unidos no novo espaço que encontrassem, o que aconteceu a partir de 1979, quando se transferiram para Itapaci, GO, município que ajudaram no seu desenvolvimento. A sociedade local soube reconhecer essa colaboração, colocando o nome de Nemezio, que faleceu em 2004, em uma de suas principais avenidas e no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), unidade de saúde da Prefeitura Municipal.  


Maria de Lourdes Martins Naves (Foto: arquivo pessoal)
 
A história é relatada pelo advogado Márcio Martins Naves Júnior, 30 anos, neto do casal e que tem participado das iniciativas e decisões que dizem respeito à família. Dentre essas, as negociações de dívidas agrárias com o Banco do Brasil e a condução do processo de inventário do avô, para a partilha dos bens deixados. Ativo, recebeu incentivo para ingressar na política, candidatou-se a vereador pelo Solidariedade e ficou na primeira suplência, o que acabou por distanciá-lo da atuação partidária.
 
Vida exemplar, de união
Nemezio construiu uma bonita e exemplar história de vida, de união, fraternidade e boa convivência entre seus familiares, que somam mais de 70 pessoas (16 filhos – José, Maria de Fátima, João Américo, Antônio, Maria Glória, Paulo Roberto, Pedro, Carlos Roberto, Márcio, Márcia da Guia, Marta Regina, Celma Goret, Moacir Donizete, Sebastião, Reginaldo e Vilma Aparecida –, 33 netos e 22 bisnetos). Muito trabalhador, quando solteiro labutava no sítio de seu pai e em lavouras de vizinhos, dentre eles o fazendeiro José Cardoso, que todos tratavam por “Zé Cardoso”, dono de uma grande propriedade rural em Tupaciguara.
 
Filho de Américo de Paula Naves e Maria Cândida Ferreira, ele nasceu em Uberlândia, MG, no dia 16 de janeiro de 1923, viveu sua infância e juventude em Tupaciguara. Nessa cidade conheceu e se casou em 1944, aos 21 anos, com Maria de Lourdes, sua conterrânea, filha de Casmério Martins da Silva e Ambrosina Alves Diniz, então com 16 anos e órfã dos pais desde criança, sendo criada pelos irmãos mais velhos. Uma das irmãs dele, Enedina, casou-se com um irmão dela, Olavo Borges, o que motivou uma brincadeira, de que eles fizeram uma troca de irmãos.
 
Assim que se casaram foram morar no pequeno sítio do pai dele, em Tupaciguara, pois sua condição econômica não lhe permitia de pronto ter o próprio lar. Ficaram lá por cerca de dois anos, quando então Zé Cardoso ofereceu-lhe um alqueire de terras, situado na melhor área de seu imóvel rural, na Serra da Confusão, para que pudesse trabalhar e amparar a família. Ele prontamente aceitou, construiu um pequeno rancho de palha nessa área, na fazenda Córrego da Confusão, a 24 km da cidade, às margens do rio Paranaíba. Levou consigo sua mulher, seu cavalo e os poucos utensílios e roupas que possuíam. Ali, plantou milho, arroz e feijão, e ainda trabalhava a meia nas terras do fazendeiro.
 
A família foi crescendo. Metade dos 16 filhos nasceu no rancho de palha, e os outros – à exceção da caçula, que foi no hospital – nasceram já na casa de tijolo, que substituiu o rancho, que se tornara pequeno. Muitos dos filhos se lembram da cena da parteira chegando: ficavam ali próximo à casa, aguardando; passado um curto espaço de tempo escutava-se o choro, logo um novo rostinho era apresentado e todos comemoravam.
 
Primeira terra e educação dos filhos
Fazendeiro abastado, sensível e vendo que o empegado era trabalhador, Zé Cardoso combinou com Nemezio que lhe venderia um alqueire de suas terras, em volta do rancho construído, e que ele o pagaria em pequenas parcelas, conforme fosse conseguindo renda. A partir daí seu esforço redobrou e logo o pedaço de terra estava pago.
 
Com o falecimento do fazendeiro, suas terras foram entregues aos sucessores, Diorge e Oliveira, com os quais os laços de companheirismo, trabalho e amizade permaneceram com os Naves. Pai e filhos trabalhavam na área adquirida, a meia com os Cardoso e foram adquirindo outros pedaços: era um alqueire num ano, dois no outro, até que o imóvel cresceu, totalizando uma área de 15 alqueires.
 
Quando ia à cidade, duas vezes ao mês, para comprar açúcar, café, fumo de corda e querosene para a lamparina, Nemezio saía cedo de casa e percorria cerca de dois quilômetros até chegar à linha da jardineira, para pegar esse ônibus. Sempre algum dos filhos o levava à linha, a cavalo, por volta das 7h, e outro o buscava por volta da 16h.
 
Geralmente buscá-lo era motivo de grande disputa e euforia entre os filhos, pois sempre que descia da jardineira trazia consigo doces e balas que, de pronto, eram dados a quem fosse esperá-lo. A jardineira era uma das poucas conduções para a cidade. “Ia arroiada de gente, que levava para a cidade galinhas, porcos e até arroz em casca para limpar nas máquinas de beneficiamento”, como contava aos filhos e netos.
 
Nemezio, preocupado com a educação dos filhos, construiu um pequeno espaço em sua área para funcionar uma escola primária. A primeira professora foi dona Negrinha, que depois foi substituída na função pela professora Maria de Fátima Naves, filha do casal. Com o passar dos anos o número de alunos aumentou, sendo construído na terra dos Cardoso o Grupo Escolar ‘Dijalma Cardoso’, que passou a oferecer educação até a 4ª série do ensino fundamental aos filhos dos moradores da região, tendo como professora Maria Glória Naves, também filha do casal. Na época não existia mochila; o pequeno caderno com o lápis e borracha eram levados em um saco de açúcar ou numa capanguinha, feita por uma das irmãs. Dona Lourdes sempre colocava dentro a queijadinha ou um pedaço de biscoito para o lanche
 
Dura rotina diária
A rotina não era mole. Nemezio acordava às 4h da manhã para tirar leite, cerca de 60 litros, que era entregue ao leiteiro, chamado Wilson, que já trazia o pão, religiosamente, pela manhã. Assim que se levantava, ia para o curral, ligava o rádio, da marca Semp, enquanto as crianças soltavam os bezerros. Após a tirada do leite os homens seguiam para a lavoura, capinar. Geralmente, os mais novos estudavam no Grupo Escolar, das 7h às 11h30. Depois retornavam para a casa, almoçavam e já iam para a lavoura com a enxada nas costas, da qual retornavam por volta das 18h, tomavam banho, jantavam e iam fazer os deveres da escola.
 
A lida do dia era encerrada à noite com a reza do terço. O pai, com os filhos ao redor, puxando a Ave Maria, o Pai Nosso, até completar o terço. Ele sempre foi muito católico e conduzia os terços na região.
 
Motivo de alegria para todos eram as visitas da tia Geralcina, que morava na região, quando os primos se encontravam, 16 dos anfitriões e oito dos visitantes, e as brincadeiras não paravam. Outra grande satisfação eram os dias santos, ocasião em que não trabalhavam e iam para os córregos pescar bagre e lambari; e as rezas de São João, São Pedro e Santo Antônio, com fogueira, bolo, doce, encontros, brincadeiras e arrasta pé.
 
Dona Lourdes assava todas as semanas, no forno de barro que ficava numa casinha no quintal, dois balaios de biscoitos e bolachas de polvilho, além de fazer mané pelado no forno de torrar farinha, que alimentava toda a família. Além disso, fiava algodão para fazer roupas para todos. No dia a dia os filhos iam para a lavoura com o pai. As filhas ajudavam a cuidar dos irmãos menores e nos afazeres do lar.
 
Dentre os 16 filhos, Pedro nasceu prematuro, com os olhos puxados, parecendo “olho de tatu galinha” e logo se percebeu que tinha a Síndrome de Down. Um pouco doente, teve que tomar algumas injeções, aplicadas pelo farmacêutico da cidade, fato que o levou a ter medo, até hoje, de pessoas que usam casacos brancos. Ele ficava em casa e o terreiro era impecável: gostava de varrer, de ajuntar, de limpar, não deixava uma só folha no chão. Adorava debulhar milho no debulhador a manivela e empilhava os sabugos. “Ai de quem bagunçasse a pilha de sabugos, ele ficava uma arara”, recordam os irmãos. Além disso, sobre as palhas de milho ele ateava fogo para limpar o terreiro, e numa dessas ocasiões o vento lançou uma palha com fogo ao paiol, causando um pequeno incêndio que, felizmente, logo foi controlado.
 
No dia 14 de novembro de 1970, uma tarde chuvosa, dona Lourdes estava assando biscoitos quando um raio caiu próximo à janela do quarto da casa. Além do estalo da descarga, escutou-se um barulho no quarto. Ao correr para aquele local já encontrou o filho mais velho José desfalecido.
 
Mudança para Itapaci
Nesse ano surgiu a notícia de que cerca de metade do imóvel de Nemezio seria alagado pela implantação de uma represa destinada à geração de energia elétrica do sistema Furnas, que seria construída no rio Paranaíba. Atento, ele vendeu a metade dessa área, que não seria inundada, e a outra metade negociou com a empresa.
 
Com o dinheiro no bolso passou a buscar um outro imóvel em que pudesse se estabelecer com a família. Em 1979 conheceu um corretor, que informou sobre uma propriedade rural no município de Itapaci, a 220km de Goiânia. Entraram num Fiat 147 o corretor, Nemezio e dois filhos, João Américo e Carlos Roberto, e foram conhecer a área. Gostaram da terra, eram 72 alqueires, com o nome de Fazenda Paraíso, situada a dois quilômetros da cidade. Fizeram as contas e, com o dinheiro apurado com a venda do sitio de Tupaciguara, daria para comprá-la, mas praticamente não lhes sobraria nenhuma reserva financeira.
 
Ao retornarem a Tupaciguara descreveram aos demais que Itapaci era um município novo, que começou a se organizar em 1920 nas terras das fazendas Água Fria e Barra, de criação de gado. Tinha se emancipado em 1945 e com agricultura em expansão, com plantações de arroz, feijão, milho, amendoim, mandioca, melancia e tomate, além da cana-de-açúcar, já com uma grande usina, a De Vale, hoje pertencente ao grupo Farias. Em seu entorno os rios São Patricinho e São Patrício, afluentes do rio das Almas.
 
Nemezio perguntou a Maria de Lourdes o que achava e ela aceitou prontamente se mudar para o novo local. Ele chamou o corretor, retornou a Itapaci na companhia dos filhos Antônio e Márcio, acertaram o negócio e fecharam a compra da fazenda.
 
De volta a Tupaciguara, embarcaram o gado, cachorro, galinhas, porcos etc. Chegaram a Itapaci na madrugada chuvosa, por volta das 4h, de 29 de novembro 1979. Eram três caminhões levando 15 cabeças de gado cada e animais domésticos, além de dois a três meninos, na boleia de cada veículo, e oito pessoas dentro de um Fusca. A amizade era tamanha com os Cardoso que eles sequer quiseram ver a saída dos Naves. “Certamente, se fossem, a emoção seria grande na despedida”.
 
Ao chegarem entraram na pequena casa, com seis cômodos, todos mal estruturados, escuros, onde se ouvia, apenas, o barulho da enxurrada e o coaxo dos sapos. Logo perceberam a presença de um cachorro, arranchado, escondendo da chuva, com uma grande ferida, que exalava um mal cheiro terrível.
 
Quando a chuva finalmente cessou, desceram os poucos móveis e os animais. Nemezio foi à cidade e comprou um tanque para que as roupas fossem lavadas. Limparam a casa e devagar foram ajeitando as coisas. Vieram na viagem o casal e 13 filhos. Duas de suas filhas já haviam se casado, Maria de Fátima e Maria Glória, que foram posteriormente.
 
Experiências e negócios
A Fazenda Paraíso ainda não tinha sido trabalhada, era bruta, e exigiu muito esforço deles, que a prepararam para o cultivo na foice, machado, enxada e enxadão. Foram cerca de dois anos nessa labuta diária. Depois, já com os resultados, adquiriram um trator e passaram a produzir milho, arroz e feijão. A cada ano aumentavam cerca de seis alqueires de cultivo no imóvel, e ali permaneceram entre 1979 a 1986.
 
Em 1986 a usina de álcool e açúcar implantada em Itapaci demonstrou grande interesse em adquirir a Fazenda Paraíso, que estava muito próxima à sede da empresa e era estratégica para a plantação de cana-de-açúcar. Um seu representante os procurou para negociarem. Nemezio, homem sério, honesto, trabalhador, temente à Deus, de pouco estudo, apenas quatro meses, mas visionário, e com grande habilidade para negociar, trocou a Fazenda Paraíso, de 72 alqueires, por uma de 66 alqueires, a Fazenda Viveiro, uma de 23 alqueires em Água Fria e uma quantia em dinheiro equivalente à compra de 300 bezerras e uma caminhonete D-20 do ano. “Um negócio espetacular”, ressaltou Márcio Júnior. “Teve o patrimônio dobrado em apenas um acordo”.
 
Logo em seguida vendeu a chácara de 23 alqueires, pois era acidentada, e adquiriu um outra próxima, de 15 alqueires, com terra plana e agricultável, permanecendo nela até sua morte, e doou a de 66 alqueires a seus filhos, os quais iniciaram suas vidas, quase todos em sociedade de dois a dois entre os irmãos.
 
Essa união serviu de base para todos. Cada um cuidou de organizar o seu espaço, foi se estruturando de acordo com sua capacidade, hoje cada um está organizado e a família participa ativamente da vida da cidade. Moacir, um dos que melhor se organizaram, cumpriu um mandato como Vice-Prefeito da cidade. Depois, outros, poucos, mudaram para outras regiões.
 
Cada um viveu sua experiência com a terra, diante da diversidade que encontraram, e a mais ingrata foi com o tomate, que levou alguns a grandes prejuízos. Muito exigente, quanto a temperatura e clima, na época da colheita requer agilidade, pois amadurece rápido e de um dia para o outro o fruto pode estragar e levar a grandes perdas. Foi o que vivenciou Márcio Martins Naves, que conseguiu superar essa dificuldade e hoje se dedica ao plantio de milho e soja, com seu sócio Paulo Roberto Naves.
 
Legado da família
Nemezio faleceu em 18 de junho de 2004, aos 81 anos, e Maria de Lourdes no dia 7 deste mês, aos 92 anos, deixando “um legado de superação, amor pela família, honestidade, gratidão, e reconhecimento das pessoas pela humildade e educação que dispensavam a todos”, como frisaram seus descendentes.
 
O neto Rafael Naves Navarro, que reside em Brasília, DF, fez uma homenagem à avó, Maria de Lourdes, ao registrar seu falecimento, publicando uma crônica sobre a contribuição dela e do marido. “Depois de 92 anos, sua história termina, mas o legado deixado está longe de acabar. Quem mais se beneficia disso são as milhares de pessoas que já foram ou ainda serão formadas, alimentadas, tratadas, representadas, salvas ou ajudadas de qualquer outra forma pelos membros da família”, afirmou.
 
Ao discorrer sobre a colaboração da família na região, mostrou um levantamento indicando a formação e a atividade dos filhos/as e netos/as: três professoras; 11 agricultores; quatro donas de casa; duas costureiras; duas dentistas e um dentista; um agrônomo e uma agrônoma; duas médicas e um médico; um veterinário e uma veterinária; uma pedagoga; uma esteticista; uma advogada e dois advogados; dois engenheiros da computação; seis contadoras; três engenheiros; um farmacêutico; uma nutricionista; uma biomédica; uma administradora e um gestor financeiro.

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