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Pródigos na música pelo mundo afora, os anos 1960 representaram a invasão do iê-iê-iê – termo usado para denominar o rock’n’roll brasileiro e que surgiu a partir de uma expressão presente nas músicas do conjunto inglês ‘The Beatles’, um ícone naquele momento – e ficarão em nossa memória eternamente. São muitas as lembranças, as belas imagens, a agitação própria e natural naqueles instantes em que o mundo estava passando por mudanças, e a ousadia dos jovens, de se dedicar a uma atividade na qual acreditavam e investiam, e muitas vezes seus pais não concordavam. Alguns foram adiante, muitos não conseguiram, e ficaram alguns exemplos que marcaram essa geração.
Quem viveu em Goiânia nesse período pôde curtir a boa música e seus ídolos locais, alguns imitando ou se inspirando nos muitos modelos, especialmente nos músicos ingleses, que eram a sensação, quebrando tabus, apresentando suas canções contagiantes, muitas irreverentes, e conquistando seu espaço.
Na Capital goiana dois grupos de jovens de classe média e alta sobressaíram, tiveram momentos que marcaram sua rápida trajetória, e hoje estão em nossa memória.
Um deles, ‘Esquema Cinco’, acompanhei mais de perto, por ser mais próximo de seus integrantes e curtir suas exibições no estilo dos ingleses, que os inspirou.
A lembrança desse grupo me veio com a morte do músico e compositor César Canedo Abdnur, Cesinha, 72 anos, no dia 20 de novembro de 2020, que lutava contra um câncer no intestino. Ele cantava muito bem e se exibia, com frequência, pelos bares e outros espaços da cidade.
Conversando com o amigo e também integrante desse grupo, jornalista Lorimá Dionísio Gualberto, Mazinho, guitarrista e que fazia a segunda voz no conjunto, lembramo-nos desses tempos. Como tudo começou, como o trabalho evoluiu e os anos dourados, 1967 a 1973, em que o conjunto se apresentou em Goiânia e pelo Brasil, sempre com exibições marcantes, para a minha geração.
O início, de forma amadora, foi em 1965. Um colega de basquete, Cláudio do Rego Luna, convidou Mazinho para irem à chácara do pai dele, Orris do Rego Luna, nas proximidades do Country Clube de Goiás. Lá, pegou o violão que estava sobre a mesa do amplo salão da casa e começou a dedilhar uma canção. Logo surgiu a ideia de um conjunto musical, sonho de todo adolescente, e a sugestão avançou.
Mazinho era guitarrista. Rodolfo Minadakis, baterista, foi o primeiro a ser contatado, entusiasmou-se, e levou um amigo, Alcides de Araújo Romão Filho, Cidinho, que tocava contrabaixo, e o projeto foi se concretizando. Guitarrista, Derly Lopes – que morava na Rua 20, estudava Medicina e o pai não queria que fosse músico – participou dos ensaios iniciais e das primeiras apresentações. Outro guitarrista que se juntou ao conjunto foi Cesinha Canedo.
Uma das primeiras apresentações do grupo, ainda sem nome: Rodolfo, Cidinho, Cesinha Canedo, Mazinho e Derly, no dia 13 de novembro de 1965 (Foto: álbum de César Canedo Abdnur)
A primeira formação do grupo, ainda sem denominação, em 1965, tinha cinco integrantes, mas logo Derly desistiu, e fez surgir o ‘Esquema Quatro’.
Esquema Quatro: Rodolfo, Cidinho, Cesinha e Mazinho. (Foto: álbum de Lorimá Dionísio Gualberto)
Os quatro se encontravam praticamente todos os dias, para os ensaios, para a troca de informações e experiências na área musical, para simplesmente conversar e para as muitas brincadeiras, que surgiam a cada tropeçada. Eram jovens da mesma faixa etária, em torno de 20 anos cada um, tranquilos, comunicativos e brincalhões. Não perdiam uma oportunidade de aprontar uns com os outros. Tudo era motivo para zoar, mostrar seu bom humor e tornar o ambiente mais ameno e participativo.
As exibições musicais, quando ainda não se profissionalizaram, logo começaram, em palcos diversos, em festas e em cidades goianas, sempre com sucesso, agitando os jovens e adultos que participavam de seus espetáculos, cada vez com maior número de pessoas. Em seguida, acompanharam alguns cantores já famosos, como Wanderley Cardoso e Jerry Adriani, em seus shows em Goiânia, Anápolis, Trindade, Inhumas etc. Essa movimentação os levou aos programas de televisão da época, de Magda Santos e do Arthur Rezende.
Quando as apresentações tiveram início, Rodolfo estava servindo ao Exército e, toda vez que havia um show, eles tinham que buscá-lo e levá-lo de volta. Em função dessa situação, seu cabelo, raspado, destoava dos demais, mais compridos.
Logo já atuavam profissionalmente.
Um pouco depois o grupo ganhou mais um músico, José César Mulser, tecladista e saxofonista, e passou a ‘Esquema Cinco’, dando mais dinâmica às músicas e ampliando a boa aceitação que encontrava em todas as suas vibrantes exibições pelos clubes da cidade.
Esquema Cinco: César Mulser, Cesinha Canedo, Mazinho, Cidinho e Rodolfo. (Foto: álbum de Lorimá Dionísio Gualberto)
Mais estudioso da turma, Cesinha Canedo teve formação musical e, pelo seu conhecimento na área e afinação, fazia com que as apresentações do grupo se aproximassem muito dos shows do ‘The Beatles’. No repertório, também, as canções do conjunto ‘Renato e seus Blue Caps’.
Com o tempo, os pais foram se acostumando e participando, inclusive dando novos e mais aperfeiçoados instrumentos para seus filhos. Grego, o pai do Rodolfo, Pedro Minadakis, que era geólogo e chegou a dirigir a empresa Metais de Goiás (Metago), presenteou-o com uma bateria nova, um prato vindo do Oriente, e uma guitarra, que depois foi doada ao Mazinho. O pai do César Mulser deu-lhe uma viola elétrica, que também ficou para o Mazinho. E o pai do Cidinho, Alcides de Araújo Romão, comprou o equipamento para o conjunto, aparelhagem de som, por sete mil cruzeiros, o que os levou, por um bom tempo, ao pagamento das prestações com a renda de shows e bailes.
Certo dia, o radialista Raulindo Naves, que tinha uma gravadora de discos e ficou amigo do grupo, convidou os seus integrantes a participarem do Clube de Castores Goiânia-Oeste, que presidia. A entidade era formada por jovens e se dedicava a ações socioculturais e assistenciais. Eles ingressaram na agremiação e acabaram fazendo duas exibições em ocasiões especiais: uma, no Jóquei Clube de Goiás, no encontro estadual dos Clubes de Castores, e, posteriormente, na sua convenção nacional, em São Paulo.
As saídas do grupo começaram pouco mais de dois anos depois. O primeiro foi Rodolfo, pois o pai dele o queria mais envolvido em seus negócios, uma fábrica de mica e na lapidação de metais e pedras preciosas – foi substituído na bateria pelo músico Luiz Ceguinho. Em 1972 foi a vez do Mazinho, que decidiu se dedicar mais ao Jornalismo; ao mesmo tempo, César Mulser deixou o conjunto e foi atuar no comércio, com a discoteca ‘Disco Preto’, no bairro de Campinas.
Seis já faleceram: Cidinho foi o primeiro, aos 39 anos, de infarto. O segundo, César Mulser, aos 47 anos, de câncer no pulmão, deixando mulher e três filhos. O terceiro, de pneumonia, foi Rodolfo, que tinha se mudado para São José do Rio Preto, SP, onde trabalhou com lapidação de pedras preciosas, e depois levou a família (mulher e filhos). O quarto, Derly, saiu logo no início do grupo e já era médico. O quinto, de infarto, foi o Luiz Ceguinho, quando vinha de Brasília. E, por último, Cesinha Canedo, que ficou nesse meio e trabalhou, por vários anos, como programador da Rádio Executiva FM, e passou uma temporada, ainda ligado à música, em Brasília.
Toda essa agitação vivida no período é relembrada periodicamente, em especial quando se perde uma pessoa que era admirada pelo entusiasmo como conduziu cada instante de sua vida. Foram pessoas que souberam eternizar alguns instantes e muito transferiram àqueles com quem tiveram a oportunidade da convivência, ainda que rápida, mas seguramente muito intensa em suas vidas. *Jales Naves é jornalista e escritor, presidiu a Associação Goiana de Imprensa (AGI) em dois mandatos consecutivos (1985-1991) e integra a Academia de Letras e Artes de Caldas Novas, Cadeira nº 30.