Carla Lacerda
- “Bença”, mãe! Fica com Deus!
Assim que as palavras conseguiram sair da boca, os olhos marejaram. Na verdade, isso é eufemismo. “Se eu tiver que chorar, não é problema para mim. Não tenho desconforto em reconhecer meus sentimentos”. Samir Auad, 36 anos em 2019, se levantava daquela mesa de café do recém reformado Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia, com lágrimas no rosto e sem preocupação nenhuma em ter que escondê-las.
Samir (ao centro, de óculos) com a família, minutos antes de embarcar para os Estados Unidos (Arquivo Pessoal)
Ele se dirigia à ala nova do modal aeroviário atrás de um sonho de vida: morar nos Estados Unidos. Sentimentos antagônicos o acompanhavam: orgulho e apreensão, boas expectativas e saudade antecipada. Manteve-se firme, pois sabia que tinha uma base sólida no Brasil: Maria Aparecida Ferreira Barros Auad, 65, a responsável por disseminar a alegria e a paz daquele lar meio goiano, meio libanês, que contava ainda com o pai Samuel e os irmãos mais velho, Samuel Júnior, e caçula Raphael.
Despedir da mãe para construir nova vida na Alemanha com o marido, em 2018, também não foi algo fácil para a candanga Fernanda Viana, 39. Em julho daquele ano, ela, que morava no Rio de Janeiro, esteve em Brasília para ficar um tempo com dona Waneide Ferreira Freire, 69, professora aposentada, aquela que lhe ensinou a encarar os desafios de uma forma sempre positiva. “As coisas sempre dão certo, Fernanda!”.
Mais experiente que Samir e Fernanda e, talvez mais calejada também, é a itapuranguense Adriane Brito, 49. Há 21 anos, ela deixou o país rumo a Massachusetts. O projeto inicial era ficar apenas dois anos nos Estados Unidos, mas, num piscar de olhos, duas décadas se esgotaram sem Dri, como é conhecida entre os parentes, usufruir novamente do segundo domingo de maio ao lado de dona Zeunina Brito,77.
“Nossos planos mudam. Acontece com 80% dos imigrantes que conheço. Criamos novas rotinas e novas raízes no novo país e o tempo passa sem percebemos a velocidade”, afirma Adriane. Apesar de muito tempo sem se verem especificamente no Dia das Mães, o reencontro já foi materializado em várias outras oportunidades. Dona Zeunina já fez pamonha para a filha nos States e passeou por Nova York. E Dri também teve o privilégio de celebrar os 70 anos da matriarca, comemorados em Marlboro.
Adriane celebra o aniversário de 70 anos da mãe, dona Zeunina, em Marlboro, EUA (Arquivo Pessoal)
Fernanda e Samir ainda aguardam ansiosos por esse momento. A brasiliense conta que se programava para visitar a mãe e a família no Brasil em 2020. Mas o que ninguém esperava era topar com um obstáculo maior do que a distância no meio do caminho... uma pandemia. “A Alemanha é muito rígida nos protocolos e, mesmo quando deu uma aliviada aqui, eu não seria capaz de pegar um avião e pensar em colocar em risco a saúde dos meus pais, sogra, família, e mesmo a minha e a do meu marido”, destaca.
Se já é tenso sobreviver à ameaça diária de um vírus que atingiu o mundo e que não para de fazer vítimas, a situação fica mais desconfortável quando problemas de saúde surgem. “Minha mãe teve um AVC em julho do ano passado, quando o Brasil vivia um dos seus picos de casos. Foi muito, muito difícil ficar longe e aguardar apenas notícias”, relembra. “Hoje, graças a Deus, ela está melhor”, diz, aliviada.
Em março deste ano, Samir Auad também levou um susto daqueles. Dona Cida Auad, o pai e o irmão mais velho foram diagnosticados com covid-19. “Meu pai se recuperou, meu irmão se recuperou e minha mãe piorava...Ela precisou ficar internada, depois precisou de oxigênio. Cada dia era uma apreensão”, confessa. “Mas tudo deu certo!”
Comunicação
Apesar dos “perrengues”, Samir e Fernanda contam com uma vantagem que Adriane não tinha à disposição quando se mudou, em 2000, para os Estados Unidos: a facilidade na comunicação. Por WhatsApp, por exemplo, Samir conversa todos os dias com dona Cida, sempre entre 19h e 22h. Os três filhos “estrangeiros” podem ainda usar FaceTime e uma série de redes sociais para matar a saudade.
“No início, a comunicação era mais difícil e com custo maior. Então, as ligações se limitavam a uma ou duas vezes por semana. Usávamos cartões de crédito telefônico e os minutos passavam rápido”, conta Dri. “Com o avanço da tecnologia, agora estamos sempre conectadas e ela pode me ligar sempre que sente vontade”, complementa.
Conselhos no coração
Que levante a mão o filho que nunca ousou em desobedecer um conselho de mãe e, depois, “se deu mal”! Sabe aquela típica história de ignorar a sugestão de levar um casaco e passar frio? Fernanda, Adriane e Samir podem ter feito isso no Brasil, mas longe dos olhos maternos há um bom tempo, afirmam que seguem à risca os ensinamentos que tiveram o privilégio de aprender com Waneide, Zeunina e Cida, respectivamente.
“O maior ensinamento que tive com minha mãe foi sempre falar a verdade e nunca estar à margem dela, não importe as consequências. Todos os dias quando nos falamos, fico satisfeito de saber que ela pode dormir tranquila porque sigo o que ela me ensinou”, ressalta Samir.
Fernanda Viana e a mãe Waneide Freire (Arquivo Pessoal)
“Deve ter muitos conselhos que ela me deu e que eu sempre siga, mesmo sem perceber. Pegamos muito dos nossos pais e estamos aplicando no nosso dia a dia. Talvez na culinária e cuidado pessoal, eu sempre me lembro dela”, afirma Adriane.
“Minha mãe sempre foi muito otimista, tem muita fé”, diz Fernanda. “E tem uma coisa que aprendi muito bem: ela me ensinou a me valorizar. ‘Se coloque sempre em primeiro, segundo e terceiro lugar, minha filha!”
No coração dos três brasileiros, um pulsar ainda com saudade. Mas que, certamente, bombeia orgulho para três mulheres de uma forma muito mais rápida do que eles jamais poderiam imaginar.
Aliás, nas palavras verbalizadas por uma delas, a confirmação explícita de que distância e tempo não cabem no mesmo dicionário da maternidade. "Um dos melhores presentes que o Samir me deu e que até hoje, quando me lembro, meu coração fica repleto de amor por ele, foi um papel em que ele desenhou um coração, pintou de vermelho e meu deu quando tinha 11 anos".
- E o que ele falou, dona Cida?
"Mãe, eu não tenho dinheiro, mas o presente que eu consigo te dar é esse coração. E esse coração está repleto de amor por você. Você poder ter certeza de que eu vou te amar para sempre".