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REPORTAGEM ESPECIAL

“Estão de olho no Brasil”, diz goiana que atua com maconha legal no Canadá

Mercado deve movimentar US$ 100 bi até 2030 | 16.05.21 - 08:03 “Estão de olho no Brasil”, diz goiana que atua com maconha legal no Canadá Luna Vargas é goiana, educadora e antropóloga (Foto: divulgação)

José Abrão

Goiânia
  - Segundo dados da ONU, existem 147 milhões de usuários de maconha no mundo, embora ela ainda seja ilegal na maior parte do planeta. Porém, isso tem mudado. Nos Estados Unidos, um dos países que encabeçaram e mais reforçaram a proibição durante anos, a maconha agora só é totalmente proibida em três dos seus 50 Estados.
 
Por lá, quem investiu em maconha legal lucrou até 161.900% entre 2013 e 2017. Pra se ter uma ideia, é como colocar R$ 1.000 no investimento e quatro anos depois tirar R$ 1.619.000. O mercado global de maconha legalizada pode chegar a movimentar US$ 100 bilhões até 2030. O país mais recente a legalizar foi o México, com seus 127 milhões de habitantes e um mercado potencial de US$ 3,2 bilhões por ano.
 
Alguns países ainda não legalizaram a droga, mas a descriminalizaram, como é o caso de Portugal, Espanha e Itália. No lado legalizado, existe o pioneirismo da Holanda, mas na América do Sul este já é o caso de países como Argentina, Uruguai e Chile.
 
No Brasil, a legalização avança de forma fragmentada. A maior conquista recente foi a permissão do uso de canabidiol, remédio à base de cannabis que tem feito a diferença no tratamento de um leque de doenças crônicas. Embora as substâncias ainda tenham um preço proibitivo, os pacientes já são amparados por ações envolvendo medicação de alto custo nas esferas estaduais e municipais.
 
O consumo recreativo, porém, ainda é crime nos termos da Lei nº 11.343/2006, chamada Lei de Drogas. Nesse caso, o usuário pode ser punido com advertência, prestação de serviços à comunidade ou medidas educativas. A proibição total do plantio, colheita e uso da maconha, em todo o território nacional brasileiro, ocorreu em novembro de 1938. Mas isto pode estar perto de mudar.
 
A antropóloga goiana Luna Vargas mora atualmente em Vancouver, no Canadá, onde atua como educadora e curadora em um dispensário de uma empresa familiar de maconha legalizada. Ela relata que conheceu a maconha por meio do cigarro. "Fumando um baseado ilegal, fruto do tráfico, vinda do Paraguai", lembra. 
 
 
(Foto: divulgação)
 
 
Com o passar dos anos e com sua formação nas Ciências Sociais, paralelamente sempre conduziu estudos sobre os aspectos culturais e sociais da planta, inclusive visitando o Marrocos algumas vezes enquanto fazia o mestrado em Antropologia na França. Seu primeiro contato com a maconha legal e medicinal foi em 2016, durante uma visita à Califórnia, nos EUA.
 
Sofrendo de fortes cólicas causadas por um DIU de cobre, ela experimentou um supositório à base de cannabis. “Aí tudo mudou. Esse supositório tirava a minha cólica em três minutos. Era uma coisa que eu não conseguia levantar, sair da cama, e em três minutos eu podia dançar”, resume. Impactada pela experiência, ela mergulhou em estudos sobre a ciência por trás da planta.
 
No final de 2018, ela decidiu ir para o Canadá acompanhar a legalização por lá. “Mais do que estudar ciência, eu queria estar nesse processo de transição da sociedade, ainda no campo bem social da cannabis”, conta. “Quando eu cheguei aqui, eu descobri um mercado gigante, com pessoas maravilhosas. Na época, aqui em Vancouver havia mais de 100 dispensários”. 
 
Luna Vargas se envolveu em palestras, congressos e seminários e decidiu entrar para o mercado. Para isso, teve que estudar mais e ingressar na cadeia produtiva. “Estudei Química Orgânica, algo que é fora da minha formação. Comecei a trabalhar como todo mundo começa nessa indústria, que é como budtender, um atendente em uma loja de cannabis”, explica. “É uma encruzilhada entre um farmacêutico e um atendente porque você está vendendo um produto como em qualquer loja, mas ao mesmo tempo precisa fazer uma triangulação entre o que a pessoa quer, do que você tem disponível e do que será melhor para ela”.
 
Foi aí que Vargas também começou a encontrar o seu lugar como educadora canábica. “Logo que eu comecei, eu fiz um programa de treinamento para os budtenders na empresa em que eu trabalhava porque toda aquela ciência que eu via nos congressos não existia na parte do varejo. As pessoas entravam para vender e não sabiam nada sobre cannabis”.
 
Esse é um dos trabalhos que Luna Vargas faz até hoje, treinando budtenders e aqueles interessados em ingressar no mercado da cannabis. Ela também atua como curadora, que é o trabalho de acompanhar a pesquisa na parte dos produtos: métodos de extração, qualidade, seus efeitos, segurança.
 
 
 

(Foto: divulgação)
 
Além do trabalho no dispensário no Canadá, Vargas também tem um pezinho em Goiânia, através da sua própria empresa. “É um curso on-line que eu abri para quem quer aprender a ciência da cannabis e entender como funciona a indústria da cannabis para poder trabalhar nesse mercado. Ele é voltado para quem quer atuar na indústria”.
 
Segundo a educadora, o Brasil é uma potência. É um mercado muito grande em que todo o mundo está de olho. A ideia de investir em educação e formação tem como proposta preparar o terreno para consolidar a indústria da maconha legal no Brasil. “Precisamos ter uma base sólida, que tenha conhecimento sobre o assunto. Meus alunos são pessoas super focadas e vejo que isso pode fazer uma diferença no futuro para a indústria da cannabis no Brasil”, resume.
 
Vargas salienta, inclusive, que quando fala em indústria da cannabis, ela se refere a um mercado muito maior de quem plana, colhe, vende e consome. “Eu gosto de dividir o mercado em dois: a parte que toca a planta e a que não toca. Quando falamos das tabacarias, toda a parte de acessórios, essa é a parte que não toca a planta e isso já é legalizado no Brasil”, exemplifica. “Há uma indústria grande no Brasil na parte que não toca a planta e estamos brigando para termos a parte que toca", completa. 
 
Estigma
Durante toda a entrevista, Vargas se refere à maconha apenas como cannabis. “Reparou bem! Prefiro usar cannabis porque é o nome científico da planta. Maconha foi usada durante todo o proibicionismo para reforçar o estigma”, comenta. “Como educadora na missão de diminuir o estigma, escolho usar o termo adotado antes do proibicionismo. É muito importante poder falar de cannabis sem estigma e como isso pode beneficiar de diversas formas a vida de muitas pessoas”.
 
Para Vargas, o estigma no Brasil é tão forte que legalizar seria apenas o primeiro passo. “O Brasil tem um potencial de mercado muito grande e pode ter um campo bem aberto e diverso, dependendo da forma como a legalização seja feita. Por isso a gente precisa ter a base da indústria”. Sobre o assunto Luna Vargas,  realiza lives educativas através do seu Instagram (@lunavargas).
 
Assim como nos EUA, a proibição da maconha no Brasil não foi marcada pelos efeitos da droga em si, mas por quem a usava. Conhecida no Brasil como “fumo de nego” ou “cigarro índio”, a droga era consumida de forma recreativa principalmente por escravos e indígenas.
 
Vale ressaltar que até o final da década de 1920 a maconha era importantíssima para pelo menos três indústrias: a marítima, a têxtil e a editorial. Era da cannabis que faziam as cordas de cânhamo dos navios e portos, praticamente todo o tipo de papel utilizado no cotidiano, além de linhas e lonas para roupas e outros tecidos.
 
A primeira lei brasileira proibindo o uso da maconha é de 1830 e trazia uma pena mais pesada para quem consumia do que para quem traficava. A razão é simples: o alvo da proibição aqui, assim como nos EUA, não era a droga e o seu consumo, mas quem a consumia.
 
Maconha é, inclusive, um anagrama de cânhamo. Seu uso recreativo teria sido introduzido no Brasil pelos escravos por volta de 1549, ainda nos primórdios da colônia, e seu uso seria comum, inclusive entre marinheiros, até a proibição definitiva em 1938.
 
Seu uso medicinal também era conhecido: até pelo menos 1905, os anúncios das cigarrilhas Grimault para combater "asma, catarro, insônia, roncadura e flatos" circulava nos principais jornais da capital federal. A cannabis continuou sendo citada também em compêndios farmacêuticos até meados da década de 1930.
 
 

(Foto: divulgação)
 
Segundo Vargas, o estigma racial e de classe ainda está muito presente. Um mês antes da chacina do Jacarezinho, ela fez uma live com um representante da Marcha das Favelas. “Ele é uma pessoa que encabeça lá dentro do Jacarezinho a marcha. Eu faço várias lives com pessoas do Brasil que atuam na indústria da cannabis. O dia que eu mais perdi seguidores foi o dia que eu fiz uma entrevista com um cara na favela falando da realidade da favela, porque isso a galera não quer ouvir, não quer ver”, conta.
 
Vargas associa o caso da proibição brasileira com a americana. “Você não podia prender uma pessoa por ser preta ou latina, então se criminalizou o que elas usavam. Isso é a raiz do proibicionismo e é o que vemos até hoje. Não existe legalização sem reparação social para esses grupos diretamente afetados pela 'Guerra às Drogas'. É o mínimo que temos que fazer”. 
 


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