Jales Naves
Especial para o AR
Goiânia - Um dos grandes atores do cinema e da televisão, Stepan Nercessian é goiano, morou na vila Operária, em Goiânia, e realizou, na década de 1960, o sonho de todos os jovens daquela época, principalmente de quem morava no bairro de Campinas e setores vizinhos: ingressar no Colégio Estadual Professor Pedro Gomes, que era o melhor. “Conseguir estudar no nosso querido ‘Pedro Gomes’ correspondia a chegar ao topo, ascender ao que a educação pública tinha de melhor a oferecer. Era o degrau anterior ao acesso à Universidade”, disse.
“Tínhamos do primeiro ano ao terceiro científico. Laboratórios incríveis, quadra de esportes, Banda Marcial, teatro, dança, torneios de oratória, pingue-pongue, bibliotecas e um corpo de professores amorosamente dedicados ao trabalho e aos alunos”, ressaltou. “Uma integração perfeita. Tínhamos toda uma paixão grandiosa pelo Colégio, acirrada por uma saudável competição com o Liceu de Goiânia e a Escola Técnica Federal. Todos queriam o título de melhor de Goiás”.
Boas lembranças
Filho de pai armênio e mãe cearense, nascido em Cristalina, GO, iniciou a carreira artística no final da década de 1960. Escolhido em teste, estreou como ator no filme “Marcelo Zona Sul”, do diretor carioca Xavier de Oliveira. De carreira multifacetada, dedica-se ao cinema, teatro e televisão, tendo sido um dos principais empregados da Rede Globo de 1971 a março de 2018, quando foi contratado pela Rede Bandeirantes para apresentar o humorístico “Porque Hoje é Sábado”. Por não poder interpretar o personagem Chacrinha, rescindiu o contrato com a Bandeirantes em outubro, retornando à Globo em 2019.
Stepan com Lula, Simone e Françoise Fourton no filme "Marcelo Zona Sul",
que completou 50 anos em 2020 (Foto: reprodução/Facebook)
Ele morou na Vila Operária, que era fronteira com o bairro de Campinas. “Percebia que Campinas abrigava famílias pioneiras e tradicionais de Goiânia. A vila era mais modesta e recebia os que chegaram depois. Viemos de Cristalina e fomos primeiro morar na av. Ceará. Depois, logo depois, mudamos. Setor dos Funcionários, Campinas e Vila Operária viviam em harmonia”, relata.
Campinas, como explicou, era uma referência quase que de capital. “O centro era distante. Então, a grande viagem era Campinas. A av. 24 de Outubro com seus cinemas, a praça ‘Joaquim Lúcio’ com fonte luminosa. Na minha cabeça de criança era o mundo das luzes, da fantasia. O futuro”. “As pessoas eram gentis e solidárias. E a natureza era próxima. Classificaria de telúrica. A religião era muito presente e ecumênica. Mesmo com a predominância católica, pude frequentar Centro Espírita (Eurípedes Barsanulfo), protestantes (Adventista do Sétimo Dia) e até umas belas e sonoras macumbas”, recorda-se.
Sonhos e pesadelos
Saudosista, Stepan gosta de conversar sobre esse tempo em que morou na vila Operária e frequentou o Colégio ‘Pedro Gomes’. “O ano não me lembro. Fiz o admissão ao Ginásio e passei deixando o couro no arame. Com a menor nota possível”, disse, rindo desse período. “Me alfabetizei muito rápido. Ler e escrever era o meu forte, mas daí em diante fui péssimo aluno. Fiz a primeira série, fui reprovado na segunda e por aí mesmo encerrou-se minha carreira acadêmica. Mas creio que o ano era 1964, 65, quando entrei”.
Stepan com a família na estreia de uma comédia, em 2020 (Foto: reprodução/Facebook)
“Esse período de sonho transformou-se em pesadelo com a chegada da ditadura. Muitos dos nossos anjos protetores transformaram-se em demônios, perseguidores. Os professores liberais, modernos e amigos, perderam terreno para os cúmplices da ditadura. O que era harmonia virou terror”, desabafou. “O Grêmio, sempre parceiro da direção em eventos e integração, foi demonizado. Os alunos que se interessavam pela vida do Colégio, transformados em inimigos públicos, bandidos, banidos. Foi triste ver a transformação e a derrocada. Tudo piorou. O ambiente ficou irrespirável”.
Ele se lembra que “as CGIs (famigerada Comissão Geral de Investigação) instaladas nas nossas salas de aula, colhendo depoimentos ilegais de alunos (menores de idade) e tudo o que falávamos era usado contra nós. Fui expulso do Colégio por conta de uma dessas comissões. Foi muito triste, violento e desolador. Percebi os tempos sombrios que se aproximavam”.
Bons exemplos superam
“Nossa resistência foi forte. Resistimos nessa luta até o final da década de 1970. O AI 5 piorou tudo. No ‘Pedro Gomes’ e no Brasil. Prenderam muitos colegas, mataram e torturaram outros tantos. O ambiente estudantil não sobrevive sem liberdade. Se fizesse hoje uma contabilidade dos meus tempos de ‘Pedro Gomes’ não hesitaria em dizer que o Bom venceu”, afirmou. “O que adquiri de conhecimento, felicidade, amizade e bons exemplos superam em muito as lembranças amargas. Creio que isso tem a ver com a compreensão de que o que é bom, o que foi bom, fomos nós que produzimos. Fomos nós que criamos. O que foi ruim, nos foi imposto”.
Stepan se lembra “muito mais do entusiasmo do professor Fabio nos ensinando Ciências, basquete e tocar na Banda do que da estupidez repressiva daqueles que me nego a citar os nomes. Recebi luz no ‘Pedro Gomes’. E o ensinamento de ter essa luz foi suficiente para atravessar as trevas. Agradeço sempre a felicidade que foi ter tido a oportunidade de ser aluno do ‘Pedrão’”.
Numa de suas vindas a Goiânia, certo dia, depois de muitos anos, foi visitar o ‘Pedro Gomes’. “Olhei por fora, fui sozinho. Achei o prédio acanhado, pequeno, modesto. Meio que abandonado, meio que sujo, meio que decadente. Muito diferente do que eu imaginava encontrar. Era a realidade. Mas naquele instante compreendi que foi ali que aprendi a sonhar. Foi ali que aprendi a seguir, a ir em frente. E foi ali que aprendi que nossa vontade pode transformar qualquer realidade. E então enxerguei o Colégio Grandioso de sempre”.