"A gente passava por aí a pé. Tinha um fazendeiro que era muito mau. A fazenda era na beira do Rio Meia Ponte, onde entrava o Anicuns. O dono da fazenda botava o povo para correr. O sr. sabe currutela? Ele soltava uma vacas
brabas lá. Onde ela enxergava o sr. ela vinha, mas vinha correndo para te pegar." Da vida pacata com cara de interior para o progresso, estimulado pela marcha para o Oeste do governo Vargas, veio a escolha da data de aniversário da capital. O 24 de outubro marca o dia da chamada "Revolução de 1930", que, na verdade, retrata o golpe dado por Getúlio Vargas para chegar ao poder, quando a capital brasileira ainda era o Rio de Janeiro.
Dificuldade na construção do primeiro aeroporto
Na década de 1930, começou a construção do primeiro aeroporto de Goiânia. A memória daquele antigo local de pouso e decolagem de aeronaves, com infraestrutura modesta, se tornou o que é hoje a Praça do Avião, no Setor Aeroporto. Seu Antônio conta das dificuldades para limpar e abrir a pista. "Depois de explorar a usina, a cachoeira, chamava Cachoeira do Jaó, foram fazer o aeroporto. Não tem um setor aqui com nome de Aeroporto? Ali. O aeroporto foi construído ali.”
Seu Antônio descreve o quanto foi difícil aquela empreitada na época. "O governador Pedro Ludovico comprou uma patrola puxada a boi. E o boi não dava conta de puxar. 20 bois não davam conta. Era um museu de ferro. Nada daquilo funcionou. Os fazendeiros tentaram ajudar com bois. A gente passava e tinha 20 bois para arrastar aquela patrola. Gastavam oito homens para movimentar as máquinas para raspar o chão. Mas só deram conta de raspar o aeroporto. Era um avião. Ele [o corpo da aeronave] vai pra lá, depois faz as asas aqui [mostra com as mãos o desenho de uma aeronave]”, volta no tempo.
Em Goiânia, Seu Antônio deixou a vida de trabalho na roça e se tornou caminhoneiro. Só depois de adulto se casou, teve três filhos e quatro netos. "Eu trabalhava na roça antes. Depois, em Goiânia, eu trabalhei na roça até a época da [Segunda] Guerra [Mundial (1939-1945)]. Quando acabou a Guerra, eu larguei de trabalhar na roça." A ida e volta da população de Goiânia para Campinas se davam inicialmente por meio de veículos improvisados. "A essa altura, Goiânia já tinha uns dez caminhões. Tudo Ford 29. Fizeram duas jardineirinhas [daqueles caminhões]. Tiraram carroceria, cabine. Fizeram lá um jogo que se transformou num ônibuzinho. Fizeram duas, uma para lá e outra para cá."

Registro da Avenida Goiás, no Centro de Goiânia,
na década de 1950 (Foto: Sílvio Berto/Acervo MIS-GO)
Crescimento da cidade
A ligação com as "jardineiras" entre Goiânia e Campinas ajudou a estimular o crescimento da cidade, na descrição de seu Antônio. "Campinas cresceu de imediato. Casinhas pequenas, mas foi rápido. E aí foi crescendo, crescendo e chegou na situação que está hoje."
"Goiânia já tinha recurso, tinha dinheiro, tinha tudo. Entre as primeiras construções de Goiânia estão a Rua 24 e a Rua 20. Ali começou a construção das casas de repartição." De uma lembrança que vem e outra que puxa um novo assunto, Seu Antônio se recorda da ponte sobre o Córrego Botafogo, incialmente bem precária. "Antes, primeiro de tudo, foi na passagem do Córrego Botafogo. Passa lá até hoje a ponte. Só que hoje modificou. Era ponte de madeira. Começou ali a rua para ir para Campinas para os dois ônibus atravessarem para buscar e levar passageiros."
No relato do morador que hoje tem 100 anos, aquela cidade planejada logo foi superada. "Aí veio a crise de energia e água. Tudo foi planejado para 50 mil. Agora já tinha mais de 100 mil. Foi um problema. Ficava no escuro a semana inteira. Água com aquela dificuldade, todo mundo fazia cisterna, e a água não dava." Seu Antônio se lembra de quando decidiram construir a Usina do Rochedo, no Rio Meia Ponte, que "resolveu o problema da energia". "Lá abasteceu Goiânia tudo e algumas cidades vizinhas", descreve o centenário.

"A crise está muito brava", diz Seu Antônio sobre a pandemia da covid-19,
considerada por ele o pior momento já vivido pela capital do Estado. Na foto,
o centenário aparece ao lado da filha, a advogada Antonia Chaveiro,
com quem foi morar durante a crise sanitária (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
Dias difíceis