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Outro tempo

Aos 100 anos, seu Antônio se lembra de quando "tudo era longe" em Goiânia

Morador testemunhou nascimento da capital | 24.10.21 - 08:00 Aos 100 anos, seu Antônio se lembra de quando "tudo era longe" em Goiânia Seu Antônio Chaveiro, que veio trabalhar na roça em Goiânia nos primeiros anos da cidade, se recorda de quando nem rua entre Campinas e a nova capital existia (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)Augusto Diniz

Goiânia
- Seu Antônio Chaveiro completou 100 anos no último dia 13 de junho. Nascido em 1921, o segundo e único filho vivo de 16 irmãos guarda lembranças do tempo em que a nova capital do Estado de Goiás, a então planejada para 50 mil habitantes Goiânia, nem tinha rua de ligação com o agora bairro de Campinas, antiga Campininha das Flores. Ele tinha 12 anos quando o interventor de Goiás, nomeado pelo presidente Getúlio Vargas, Pedro Ludovico Teixeira, lançou a pedra fundamental de Goiânia. "A gente morava entre Goiânia e Guapó, e tocava uma roça. Daqui [de Goiânia] até o local onde nós morávamos tinha mais ou menos uns 30 quilômetros. Todo fim de semana a gente vinha para cá", se recorda.

O que antes nem Goiânia era ainda hoje se chama Parque Santa Rita, na saída para Abadia de Goiás e Guapó. A cidade cresceu tanto nos últimos 88 anos, que o local onde ficava a fazenda em que Seu Antônio morava na infância virou parte da Região Noroeste da capital. O hoje centenário goianiense nasceu na mesma propriedade rural, que, ao longo dos anos, se tornou mais um pedaço da área urbana de Goiânia.

Quando se mudou em definitivo para aquela Goiânia planejada, nos primeiros anos da capital, o trabalho inicial também foi na roça. A ideia da Goiânia urbana, com mais de 1,5 milhão de habitantes, estava muito distante de ser imaginada quando Pedro Ludovico transferiu a sede administrativa do Estado da cidade de Goiás para o novo município. "Primeira coisa que fizeram foi explorar o local do terreno. Naquele tempo, só tinha o Fordinho 29, né? O Fordinho 29 era alto. Eram umas campinas limpas, com as matas, mas de longe. No Centro mesmo era tudo campina limpa, andava de carro tranquilamente. A gente vinha da roça e via o rastro dos carros no capim alto."

Para ligar Goiânia ao bairro de Campinas, foi preciso abrir a estrada de acesso. E, naquela época, não havia a tecnologia de construção e pavimentação com a qual contamos hoje. "Foram fazer a estrada de Campinas para Goiânia. A patrola não deu para fazer. Com o tempo, arranjaram patrola, trator, que um homem sozinho operava. O pessoal vinha e hospedava tudo na Campininha. Tinha que ter um meio de transporte da Campininha para Goiânia." Seu Antônio lembra que, até então, Campinas tinha quatro ruas, todas no entorno da Praça Joaquim Lúcio.

“As ruas tinham nomes de cidades. Beirando o córrego era a Rua Anápolis. A rua de cima era Pires do Rio. A de cima de tudo era a Bonfim (antigo nome de Silvânia). Da Bonfim para cá não tinha mais casa", conta. Mas, de acordo com o centenário morador da capital, "dentro de pouco tempo [Goiânia] cresceu".

O acesso a outras cidades também era complicado. "No começo, Goiânia enfrentou dificuldade porque não tinha estrada para ir para lugar nenhum. Ficou isolada. Mas aí o governo foi fazendo estrada para cidades que o partido político era do lado dele. A primeira estrada que ele fez foi de Goiânia para Rio Verde. Depois fez de Campinas a Leopoldo de Bulhões e Anápolis. Tinha estradinha, mas para ir daqui a Anápolis saía de ônibus 7 horas e chegava em Goiânia 11 horas. Não parava.”

Enquanto lembrava histórias de Goiânia e da vida pessoal na aniversariante de 88 anos, Seu Antônio mostrava fotos dos parentes e se alegrava com as memórias dos 100 anos (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)

Outro ritmo
Antes disso, a vida tinha outro ritmo. "Não tinha árvore, não tinha nada. Eram três campinas. E tinha um corguinho, essa grota que nasce ali na Assembleia. Lá desceu e dividiu uma moitinha de mata cobrindo o córrego. Mas na seca se acaba. Ficavam as duas tiras de mata cobrindo os dois córregos.” O relato aparentemente simples dá noção de uma rotina distante da pressa e falta de tempo da Goiânia de hoje, que completa neste domingo (24/10) 88 anos.

"A gente passava por aí a pé. Tinha um fazendeiro que era muito mau. A fazenda era na beira do Rio Meia Ponte, onde entrava o Anicuns. O dono da fazenda botava o povo para correr. O sr. sabe currutela? Ele soltava uma vacas brabas lá. Onde ela enxergava o sr. ela vinha, mas vinha correndo para te pegar." Da vida pacata com cara de interior para o progresso, estimulado pela marcha para o Oeste do governo Vargas, veio a escolha da data de aniversário da capital. O 24 de outubro marca o dia da chamada "Revolução de 1930", que, na verdade, retrata o golpe dado por Getúlio Vargas para chegar ao poder, quando a capital brasileira ainda era o Rio de Janeiro.

Dificuldade na construção do primeiro aeroporto
Na década de 1930, começou a construção do primeiro aeroporto de Goiânia. A memória daquele antigo local de pouso e decolagem de aeronaves, com infraestrutura modesta, se tornou o que é hoje a Praça do Avião, no Setor Aeroporto. Seu Antônio conta das dificuldades para limpar e abrir a pista. "Depois de explorar a usina, a cachoeira, chamava Cachoeira do Jaó, foram fazer o aeroporto. Não tem um setor aqui com nome de Aeroporto? Ali. O aeroporto foi construído ali.”

Seu Antônio descreve o quanto foi difícil aquela empreitada na época. "O governador Pedro Ludovico comprou uma patrola puxada a boi. E o boi não dava conta de puxar. 20 bois não davam conta. Era um museu de ferro. Nada daquilo funcionou. Os fazendeiros tentaram ajudar com bois. A gente passava e tinha 20 bois para arrastar aquela patrola. Gastavam oito homens para movimentar as máquinas para raspar o chão. Mas só deram conta de raspar o aeroporto. Era um avião. Ele [o corpo da aeronave] vai pra lá, depois faz as asas aqui [mostra com as mãos o desenho de uma aeronave]”, volta no tempo.

Em Goiânia, Seu Antônio deixou a vida de trabalho na roça e se tornou caminhoneiro. Só depois de adulto se casou, teve três filhos e quatro netos. "
Eu trabalhava na roça antes. Depois, em Goiânia, eu trabalhei na roça até a época da [Segunda] Guerra [Mundial (1939-1945)]. Quando acabou a Guerra, eu larguei de trabalhar na roça." A ida e volta da população de Goiânia para Campinas se davam inicialmente por meio de veículos improvisados. "A essa altura, Goiânia já tinha uns dez caminhões. Tudo Ford 29. Fizeram duas jardineirinhas [daqueles caminhões]. Tiraram carroceria, cabine. Fizeram lá um jogo que se transformou num ônibuzinho. Fizeram duas, uma para lá e outra para cá."
 
Registro da Avenida Goiás, no Centro de Goiânia,
na década de 1950 (Foto: Sílvio Berto/Acervo MIS-GO)

Crescimento da cidade
A ligação com as "jardineiras" entre Goiânia e Campinas ajudou a estimular o crescimento da cidade, na descrição de seu Antônio. "Campinas cresceu de imediato. Casinhas pequenas, mas foi rápido. E aí foi crescendo, crescendo e chegou na situação que está hoje." 

"Goiânia já tinha recurso, tinha dinheiro, tinha tudo. Entre as primeiras construções de Goiânia estão a Rua 24 e a Rua 20. Ali começou a construção das casas de repartição." De uma lembrança que vem e outra que puxa um novo assunto, Seu Antônio se recorda da ponte sobre o Córrego Botafogo, incialmente bem precária. "Antes, primeiro de tudo, foi na passagem do Córrego Botafogo. Passa lá até hoje a ponte. Só que hoje modificou. Era ponte de madeira. Começou ali a rua para ir para Campinas para os dois ônibus atravessarem para buscar e levar passageiros." 

No relato do morador que hoje tem 100 anos, aquela cidade planejada logo foi superada. "Aí veio a crise de energia e água. Tudo foi planejado para 50 mil. Agora já tinha mais de 100 mil. Foi um problema. Ficava no escuro a semana inteira. Água com aquela dificuldade, todo mundo fazia cisterna, e a água não dava." Seu Antônio se lembra de quando decidiram construir a Usina do Rochedo, no Rio Meia Ponte, que "resolveu o problema da energia". "Lá abasteceu Goiânia tudo e algumas cidades vizinhas", descreve o centenário. 
 
"A crise está muito brava", diz Seu Antônio sobre a pandemia da covid-19,
considerada por ele o pior momento já vivido pela capital do Estado. Na foto,
o centenário aparece ao lado da filha, a advogada Antonia Chaveiro,
com quem foi morar durante a crise sanitária (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)

Dias difíceis
Dos primeiros passos da capital até hoje, Seu Antônio avalia que nunca viu uma crise tão intensa quanto a que veio acompanhada pela pandemia da covid-19. "A crise está muito brava. Goiânia nunca passou pelo o que está passando agora. É ruim." Desde o ano passado, ele foi morar na casa da filha, a advogada Antonia Chaveiro, no Setor Universitário. A casa de Seu Antônio, perto da residência da filha, está em reforma. 

Mesmo ao dizer que conhece Goiânia desde os primeiros passos da capital, o idoso de 100 anos afirma que ainda não viu muita coisa na cidade. Seu Antônio diz que gosta muito do Centro. "Tem muitas partes em Goiânia que eu não conheço. Hoje o sr. gasta de carro meio dia para atravessar a cidade. Conforme o tipo da travessia o sr. gasta até mais. Começou desse tamaninho e cresceu muito", observa. A esperança do morador da cidade de 88 anos é de "muito futuro". "Goiânia ainda tem campo para crescer muito", avalia.
 

Aos 100 anos, Seu Antônio espera que Goiânia tenha "muito futuro" e diz que
a capital ainda tem muito para crescer (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)

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