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Cláudia Naves retribui conquistas e superações | 20.12.22 - 09:20
Cláudia Naves em atividades no CISCO (Foto: Cláudia Naves Bally) Jales Naves Especial para o AR
Goiânia - Sonhadora, com muitos sonhos sendo realizados, numa retribuição ao que recebeu, que a ajudou a superar problemas, conquistar espaço para sobreviver e ter uma vida digna, Cláudia Aurélia Naves Bally coloca em prática, há cinco anos, um desses sonhos. Certo dia, em 2017, ela acordou depois de sonhar que dialogava com uma criança meiga e simples, que lhe soprou no ouvido: “Tia, vem logo, estou com tanta fome!”. Viu como um recado e decidiu dar a sua contribuição a esse quadro de desesperanças, que envolve, basicamente, mulheres e crianças de famílias excluídas socialmente, as que mais sofrem diante das desigualdades sociais.
O primeiro passo foi reunir a família para anunciar sua decisão de retornar ao Brasil, depois de quase 30 anos morando na Europa, mais especificamente em Genebra, na Suíça, quando se reorganizou, criou sua família e estava com uma situação tranquila. Ela queria se dedicar a projetos sociais, para colaborar com as famílias mais vulneráveis. Os familiares mais próximos foram contrários, argumentando para esperar um pouco mais, aposentar-se, assegurar uma condição melhor para então se atirar numa iniciativa com esse alcance. A decisão, para ela, já estava tomada.
O segundo foi fazer um acordo com a Federação Internacional da Cruz Vermelha, uma das mais conhecidas instituições humanitárias do mundo, onde trabalhava desde 1999, depois de concluir o curso de Tecnologia da Informação e Administração de Rede e realizar um importante trabalho, contribuindo para minorar situações difíceis diante das catástrofes que têm acontecido por toda parte.
Arrumou as malas para retornar ao Brasil e colocar em prática as muitas ideias que reuniu, com base na rica experiência que teve nesse período, acompanhando as mais diversas situações, nas mais diferentes regiões, sempre anotando o que poderia fazer. A situação no Brasil a deixava indignada, queria participar e dar sua parcela de ajuda para reduzir o sofrimento das pessoas.
Retornando, veio primeiro para Goiás, escolheu uma área no município de Hidrolândia, que adquiriu com os recursos que juntou, e começou a colocar em prática as suas propostas. Ficou uns oito meses e sentiu que não era o local que queria; buscou outro, identificou uma área próxima a Ilhéus, na Bahia, comprou quatro hectares, construiu uma casa para morar, uma pequena Pousada, em sociedade com uma amiga suíça, e a Escolinha Permacultural Refúgio da Paz – espaço dedicado à formação, vivências, empoderamento feminino e acompanhamento infanto-juvenil.
Trajetória
Cláudia Aurélia nasceu em Goiânia, em 1970, no setor dos Funcionários, e viveu como se estivesse numa pequena cidade do interior, com toda a liberdade possível: passava a maior parte do tempo na rua convivendo com seus vizinhos, nas brincadeiras da época – jogando finca, pulando corda e fazendo amizades.
A separação dos pais, uma situação difícil naqueles anos 70 para os filhos, mudou a rotina de sua vida: passou a morar com a mãe, Vicentina Naves Borges, uma guerreira que, sozinha, assumiu a criação das duas filhas; costureira, com sua máquina e suas agulhas, deu-lhes todas as condições para estudar e ter uma vida digna.
Frequentou colégios públicos de qualidade, como o Colégio Estadual Assis Chateaubriand, no qual concluiu o ginasial, e o Colégio Estadual Professor Pedro Gomes, onde fez o curso técnico de Patologia Clínica, análise laboratorial. Não gostava de ginástica e como a matéria Educação Física era obrigatória, não ia às aulas para fazer teatro, inclusive montando uma peça que ela própria escreveu e dirigiu – “Melhor seria meu mundo”, um manifesto sobre o perigo das drogas na vida dos adolescentes, abrindo espaço para uma semana dedicada ao diálogo e prevenção de vícios. A iniciativa acabou conquistando professores e ganhando apoio da orientadora pedagógica, que a fez passar de ano, mesmo com faltas nessa disciplina, que era um suplício para ela. Na época do ginásio foi ativista política e participou na legitimação do Centro Acadêmico da escola, seguindo os passos do primo Astrogildo Naves.
Começou a trabalhar cedo, e o primeiro emprego foi como auxiliar de contabilidade na majestosa Academia do Tarzan, uma imponente construção com a fachada no formato de pilastras como no império romano, no bairro de Campinas, perto de sua casa, no período matutino. No outro, fazia cursinho, para prestar vestibular, no então bairro Popular. Queria fazer Psicologia.
Não sabe como e nem onde, acabou se tornando uma das vítimas do famoso caso do Césio 137: o roubo, em setembro de 1987, de um aparelho de radioterapia abandonado no local em que funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia e seu manuseio indevido, que se transformou num dos maiores acidentes radiológicos do mundo.
De repente, apareceram queimaduras no ombro, no pescoço e no quadril, passou a sentir enjoos, náuseas. Ia se casar e decidiu fazer exame pré-nupcial, constatando um tumor no útero, que exigia uma cirurgia.
A nova situação a deixou desesperada, começou a juntar dinheiro, agora que trabalhava para outra empresa, a IOB Informações Objetivas. Queria fazer logo a operação, não sabendo a extensão do tumor, nem se poderia ser mãe depois da cirurgia; ainda sem uma estrutura, ficou grávida de seu primeiro filho. Resolveu ter uma “produção independente”, como se falava na época, ter um filho antes do matrimônio.
Outra surpresa foi o Plano Collor, em 1990, que confiscou suas economias e a deixou ainda mais desesperada. Tinha nascido seu filho Raul, uma primeira cirurgia foi efetuada, mas não dispunha de recursos financeiros para os outros procedimentos médicos.
Uma luz no final do túnel surge quando uma vizinha, Andréia Tavares, que morava na Suíça, liga perguntando se ela toparia ficar uns seis meses em seu lugar no emprego que tinha naquele país para ela passar esse período em Goiânia. Ela fez as contas e na hora aceitou a proposta.
A amiga, que nasceu no Rio de Janeiro, estava de forma irregular naquele país europeu, trabalhava sem carteira assinada e, como consequência, sem direito a férias; se pedisse esse descanso seria automaticamente substituída por outra pessoa e perderia a vaga, não podendo voltar ao emprego. A solução: encontrar uma pessoa de confiança para o lugar e retomá-lo quando retornasse, o que aconteceu.
Experiência na Suíça
Em 1991 Cláudia Aurélia viajou, deixando o filho com a mãe dela, e ocupou temporariamente o lugar da amiga carioca. Essa ideia estimulou outras brasileiras, e logo que terminou esse compromisso, surgiu outro, que ela imediatamente aceitou. Não eram tarefas simples: urbana, sempre morando em cidades, nessa empreitada ela foi trabalhar no campo, em parreiras, colhendo e selecionando uvas, preparando-as para a produção de vinho. Não foi fácil e nem simples, mas suportou aquela nova carga de trabalho, já fazendo os cálculos do dinheiro que iria ganhar, quando poderia fazer a segunda cirurgia e organizar sua nova vida.
O frio, forte no período em que viajou, tornou-se suportável.
Já estava há pouco mais de um ano em Genebra.
Tudo ia se encaixando, oportunizando conhecer pessoas das mais diversas regiões, o modo de vida delas, seus valores e mesmo a rotina de cada um. Laurent Michel Bally apareceu nesse meio. Suíço, contador, logo surgiram afinidades entre eles e em dois meses já estavam morando juntos e se casaram no mesmo ano, o que lhe propiciou confiança e segurança, além da cidadania suíça, que assegurava sua permanência no país.
Tranquilo, logo demonstrou ser bom companheiro e bom caráter, ao assumir o filho dela, Raul, adotando-o e colocando seu nome na criança, que tem problemas de saúde. Em 1994 fez a última cirurgia para retirar parte do útero, e tudo correu bem para ela. Em seguida, o inesperado, uma gravidez arriscada e com apenas seis meses e 900 gramas, o nascimento da filha Agatta Aline Bally, que chegou no dia 5 de abril de 1995 e coroou o bom relacionamento que tinham.
Vida reorganizada, família reunida e junta no mesmo espaço, a providência seguinte foi estudar, conquistar um diploma de curso superior, de uma área em ascensão, diante da crescente presença dos computadores e da internet na vida de todos e das instituições, o que lhe abriu portas.
Em 1999 ingressou na Federação Internacional da Cruz Vermelha, movimento humanitário, não vinculado a qualquer Estado, que tem por objetivo proteger a vida e a saúde humana, prevenir e aliviar sofrimento humano, sem discriminação baseado em nacionalidade, raça, sexo, religião, classe social ou opiniões políticas.
Cisco
Desde sempre Cláudia Aurélia se questionou sobre “o mecanismo da escassez em nossa sociedade tão abundante, quando tantos tinham muito... e muitos tinham tanto! Tanto saber, tanto espaço e tanto tempo!”. “Via pessoas debatendo em seus saberes. Via espaços inocupados ou subocupados. Via minha mãe com tempo se esbarrando nesse 'elevador' social que nunca subia!”, afirmou. “Eu percebia a escassez se alastrando sobre o medo e se alimentando da competição, me assinalando que a abundância se manifestava na cooperação”, completou.
O Centro de Inclusão Social e Cooperativa Orientadora (CISCO) nasceu dessas observações; “gosto de dizer que já nasceu ‘Pintando o SET’ (Saber-Espaço-Tempo), sendo o traço de união entre o saber e o tempo”. Em 2010, havia chegado em Genebra um grande número de imigrantes em situação de vulnerabilidade e exclusão; estavam retidos pela barreira da língua. “Eu tinha um espaço subocupado e professores de francês dispostos a ensinar. Tinha então, em mãos, todos os elementos para fazer "ponte" entre quem queria aprender e quem queria ensinar. Nasceu assim, o ideal!”, explicou.
Com essa experiência, constatou algo muito interessante: um círculo virtuoso se instalava a cada etapa do processo. Um curso gerava recurso e isso trazia a abundância, que despertava em quem participava o desejo de cooperação, redistribuindo ou redirecionando os excedentes para outro curso, que gerava recurso que trazia abundância para ser distribuída mais uma vez. “Me pareceu evidente que deveríamos promover esses espaços e permitir que esse processo de trabalho, solidariedade, perseverança, reciprocidade e serviço fosse a pedagogia desencadeadora da cooperação... que gera abundância”, arrematou.
Atividades do CISCO
Os cursos implantados pelo CISCO tem como objetivo a aprendizagem em ciclos curtos, de três meses, escolhendo atividades na qual trabalham o planejamento, a pontualidade, a ética e acima de tudo a alegria do serviço. “Nossos grupos nunca são superiores a cinco pessoas, uma para cada princípio. Com exceção dos cursos com parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que exige uma quota mínima de 10 participantes por treinamento”, disse, para esclarecer que os cursos de apicultura são abertos para um número maior de participantes.
A agenda em conclusão, 2020-2022, contemplou as seguintes atividades: Costura / Atelier Bene Dita, quatro mulheres; Produção de alimentos; Horta orgânica urbana ou rural – uma mulher e cinco adolescentes; Condicionamento e comercialização de produtos orgânicos; Economia doméstica e práticas sustentáveis – duas mulheres; Saboaria – quatro mulheres; Gastronomia e culinária; Apicultura básica – dois grupos de 10 pessoas; Alfabetização – três crianças; e Leitura – três crianças.
Outros cursos, adicionados segundo as necessidades do lugar ou das situações: Segurança alimentar – cinco participantes; Coleta, reciclagem e valorização de dejetos – ação comunitária; Reforço escolar -– três crianças; Coleta de água de chuva; Gastronomia e confeitaria – dois adolescentes; Conserto de bomba d'água; Movelaria em palete / ARTEvidades – seis mulheres; Capoeira; Pintura; e Dança.
No período de 2019 a 2022 realizou e manteve atividades on-line: Espaço Sorriso, horta urbana, provedora do Espaço Confiança, financiador do tratamento dentário de 2020-2021; ARTEvidades, Atelier Sabine Feuglet e integração; Produção de alimentos; Atelier Bene Dita; fabricação e distribuição de máscaras durante a pandemia do Covid 19.
Nos anos de 2018 e 2019 realizou os cursos de Economia doméstica e práticas sustentáveis; Saboaria; Apicultura básica; e Horta orgânica urbana ou rural.