Ludymila Siqueira
Goiânia - A estrutura etária da população brasileira passou por transformações significativas ao longo dos últimos anos. Atualmente, há mais de 22 milhões de idosos com 65 anos ou mais vivendo no Brasil, o que representa um aumento de 57,4% se comparado com dados de 2010, quando eram pouco mais de 14 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As mudanças ocorridas ao longo desses 12 anos também são observadas quando analisada a proporção de idosos sobre a população total. No Censo 2010, pessoas com 65 anos ou mais representavam 7,4% de todos os moradores do país. Já em 2022, chegaram a 10,9%. Em sentido inverso, o total de crianças com até 14 anos recuou 12,6%, saindo de 45.932.294 em 2010 para 40.129.261 em 2022. Há 12 anos, essa faixa etária respondia por 24,1% de toda a população. Agora, ela representa 19,8%.
Os dados evidenciam a importância de políticas públicas para a população idosa. Ao analisar os números da segurança pública, por exemplo, é fácil perceber que o número de crimes contra idosos também aumentou nos últimos anos. Casos de violências contra pessoas acima de 65 anos cresceram 39% somente no primeiro semestre de 2023, conforme a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
Cenário preocupante em todos os estados brasileiros. Goiânia, capital de Goiás, registrou cerca de quatro casos de violência contra pessoas idosas por dia nos cinco primeiros meses de 2023. Foram 588 denúncias feitas na Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (Deai) até o final de maio. Dentre os crimes mais comuns estão danos patrimoniais, preconceito, maus-tratos e o abandono. Para se ter uma ideia, a
30ª Promotoria de Justiça com atribuição na defesa da pessoa idosa do Ministério Público de Goiás (MPGO) recebe reclamações diárias relacionadas, principalmente, à situação de abandono ou dificuldades de consenso familiar em cuidados com o idoso.
Pensando neste cenário e em uma forma de atuar em defesa das vítimas, o promotor de Justiça Vagner Jerson Garcia
criou o programa de Mediação para Idosos dentro da instituição. O programa tem como objetivo auxiliar na solução de conflitos entre a pessoa idosa e familiares, para, assim, evitar o abandono. A iniciativa é uma das pioneiras no Brasil e foi inspirada no projeto desenvolvido no Foro Regional de Santo Amaro, em São Paulo.
Para o promotor, um dos principais problemas que envolvem o abandono está ligado a familiares, mais comumente filhos, não entrarem em acordo em relação aos cuidados com o idoso, o que pode acarretar em conflitos e até mesmo brigas severas. "Neste sentido, procuramos ouvir e compreender todos os envolvidos para buscar a melhor alternativa, com foco em proporcionar a conciliação e melhor relacionamento entre o idoso e sua família. Além disso, possibilitar que a Promotoria de Justiça atenda aos inúmeros procedimentos que se encontram paralisados aguardando mediação", pontua.

Promotor de Justiça Vagner Jerson Garcia (Foto: MPGO)
Em entrevista ao jornal A Redação, Vagner Jerson afirma que a mediação, ao trazer para o diálogo as pessoas envolvidas com o idoso, pode auxiliá-las a refletirem sobre o que está as impedindo de agirem com o cuidado necessário e como poderiam se organizar para tanto. "Em 99% dos atendimentos há sucesso e acordo. Em alguns casos, as mediações contribuem para o restabelecimento de vínculos importantes, em que pessoas nem se falavam passam a se comunicar de forma amigável novamente", descreve. "As pessoas precisam ter em mente que todos vão envelhecer um dia", arremata.
Rede de apoio e diálogos que restabelecem vínculos
Antes de os procedimentos de mediação chegarem até o Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (NUPIA), passam pela Promotoria do Idoso, onde os promotores analisam se há a existência de um conflito familiar. Caso exista, é encaminhado para o Núcleo, quando iniciam as mediações.
As reuniões de mediação podem variar em frequência e duração, a depender das demandas das pessoas envolvidas e da situação. Em muitos casos, as reuniões podem ser agendadas de acordo com a necessidade e podem não seguir um cronograma semanal fixo. A quantidade de sessões com as partes também varia conforme a complexidade do caso e do progresso alcançado durante o processo de mediação. Em média, as quantidades de sessões podem variar de 1 a 5 sessões por procedimento.
As mediadoras habilitadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisam criar um ambiente seguro para a comunicação, facilitar a busca por soluções colaborativas e lidar com questões legais e financeiras quando necessário. Nesse sentido, é importante que a equipe multidisciplinar seja composta, preferencialmente, por profissionais do direito, psicologia e serviço social, devido à compreensão abrangente do conflito, comunicação eficaz, estratégias especializadas de resolução de conflitos e assistência na implementação de acordos.
A equipe do MP-GO capacitada para a mediação é composta por quatro mediadoras: Andréa Barroso, Lorrainy Souza, Vitória Tavares e Lahis Barbosa. Elas são responsáveis pelos diálogos com as famílias e procuram compreender a área de conflito para, assim, transferir o caso ao promotor de Justiça.
(Foto: Andréa Barroso, a Lorrainy Souza, a Vitória Tavares e a Lahis Barbosa/MPGO)
Segundo as mediadoras, as principais queixas apresentadas pela pessoa idosa durante o procedimento de mediação estão relacionadas à falta de afeto e também à falta de visitas de familiares. "Isso ocorre por ser uma fase em que a pessoa idosa se sente muito sozinha. Além disso, uma outra pontuação comum trata da dificuldade em aceitar dependência em outras pessoas e a perda de disposição, autonomia e saúde, que até então existia", descrevem.
Já em relação às queixas apresentadas pelas partes envolvidas, constam dificuldades financeiras e dificuldade em prestar os cuidados necessários sem uma rede de apoio. A terceirização dos cuidados depositados em um único indivíduo acaba desencadeando sobrecarga emocional. "É fundamental considerar essas queixas tanto da família quanto do idoso para que possam encontrar um consenso e promover o bem-estar de todos os envolvidos", pontuam as mediadoras.
As profissionais responsáveis pela mediação explicam que os principais desafios na resolução de conflitos familiares relacionados à pessoa idosa envolvem emoções intensas, diferenças de opiniões, distribuição de responsabilidades, falta de recursos, comunicação inadequada, dificuldades na tomada de decisões, questões legais e de planejamento, além de dinâmicas familiares dificultosas.
"O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) tem desenvolvido estratégias para o aprimoramento de atuação, a fim de continuar sendo um agente de transformação social e gerar resultados efetivos no campo de políticas públicas e direitos fundamentais", descrevem as mediadoras. "Com esse intuito, tem criado estruturas institucionais destinadas a incentivar e apoiar a utilização de métodos autocompositivos nas suas diversas áreas de atuação como cível, no que tange as relações que envolvem a pessoa idosa, a partir da criação do Núcleo de Mediação, o qual encontra-se inserido no corpo institucional do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição", arrematam.
Os serviços de mediação na área do idoso no MPGO são gratuitos.
Mais informações (62) 3243-8000
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