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Tecnologia

Teoria da ‘internet morta’ se espalha com a popularização da IA

Para especialistas, tese não é verdadeira | 27.01.24 - 14:00 Teoria da ‘internet morta’ se espalha com a popularização da IA (Foto: DreamStudio)José Abrão
 
Goiânia – Você provavelmente já passou por isso antes: após longa ponderação e ajustes, postou uma foto bem bonita no feed do Instagram. Nas primeiras horas, todas as curtidas e comentários são de amigos próximos, conhecidos e pessoas queridas. Então, começam a chegar curtidas e comentários de perfis estranhos, com nomes estranhos e falas que geralmente não fazem sentido. Essas contas são bots: inteligências artificiais (IA) rudimentares programadas para gerar tráfego nas redes sociais.
 
Esta presença cada vez mais perceptível da IA e de conteúdo gerado por IA na internet tem levado à popularização de uma teoria da conspiração conhecida como “internet morta”. Iniciada, como quase todas as coisas ruins no campo on-line, no 4chan em 2016, a conspiração determina que a internet está morta: a maior parte do tráfego on-line não é de pessoas com pessoas, mas de IA interagindo entre si, propagando conteúdo e pautando o discurso, tudo isso sob o comando de forças escusas e poderosas. Mas e na realidade, até que ponto isso tem fundamento?
 
Como toda teoria da conspiração, essa também tem um pezinho na verdade. O professor Celso Camilo, do Instituto de Informática da Universidade Federal de Goiás (Inf/UFG) e membro fundador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia/UFG), especula que cerca de 60% dos dados que transitam na rede hoje são sintéticos. “O fato real é que tem crescido muito o volume de bots de geração de conteúdo. As redes sociais são um campo bastante fértil para isso, porque lá você acaba influenciando a pessoa”, explica. “E isso tende a crescer: os bots ficam só interagindo, dando um like ali, compartilhando uma coisa aqui, comentando outro lá, e isso gera engajamento, mexe no algoritmo e o algoritmo impulsiona aquele tipo de postagem. Então boa parte do que acontece nas redes sociais são essas interações entre os algoritmos, que tendem a impulsionar coisas que geram mais atratividade”, completa.
 
Professor Celso Camilo (Foto: Sérgio Paiva/AR)

Por outro lado, a professora e publicitária Mariana Dalcin comenta que “nunca tivemos tantas pessoas produzindo tanto conteúdo ao mesmo tempo”. “Estamos vivendo uma era de produção de informação. É muito fácil e acessível, qualquer pessoa pode pegar o seu celular hoje e jogar qualquer informação que ela quiser na internet”, afirma. Dalcin admite, porém, que há um volume grande de conteúdo feito por IA on-line e que, de fato, já chegamos ao ponto em que é difícil discernir o que é real e feito por humanos e o que é IA.
 
Como fazer amigos e influenciar pessoas
Ambos concordam que essa enchente de desinformação e propaganda é comandada e programada por pequenos grupos de pessoas que, com muita facilidade, podem influenciar o discurso on-line. E com o aumento da IA generativa, cada vez mais esse processo pode ser automatizado. “Pela primeira vez na história, a gente está sendo influenciado por conteúdo gerado por máquina. Até o passado recente, o máximo que a máquina fazia era impulsionar essas ideologias escritas por humanos, impulsionadas, replicadas. Recentemente, nós começamos a ter a máquina aprendendo com o conteúdo humano, gerando o conteúdo sintético artificial, e isso influenciando humanos. Pela primeira vez nós temos máquinas influenciando humanos e influenciando outras máquinas”, aponta Camilo.
 
Esse processo gera uma distorção, que costuma ser mais visível em imagens geradas por IA: após diversas iterações sobre o mesmo conteúdo, a imagem fica estranha, podendo ser identificada como falsa. No texto, aponta Camilo, isso é mais difícil de captar. Só ocorre quando a IA se confunde e começa a construir frases sem sentido ou quando mistura idiomas. “E no final a gente pode estar sendo influenciado a mudar comportamento social sem saber exatamente de onde vem essa fonte”, diz o professor. “Agora, por trás desses bots têm pessoas. Então a gente tem que separar para não cair na teoria da conspiração, dizendo que as máquinas vão dominar o mundo”, completa.
 
“A capacidade de meia dúzia de pessoas influenciar outras milhões é antiga, mas ela se popularizou. Então, assim, uma pessoa que entende de programação, entende de arte generativa, ela consegue gerar esse tipo de bot. Tem pessoas que têm propósito nisso, que têm objetivos com isso, comerciais e políticos por meio de grupos localmente organizados em cada país”, salienta Camilo.
 
Mariana Dalcin avalia que essa dificuldade de discernimento aliada às rápidas mudanças tecnológicas geram uma ansiedade que se manifesta na paranoia que fundamenta teorias de conspiração como a da internet morta, alimentando o medo e a ilusão de que estamos sendo manipulados. Algo que foi turbinado pelo bum recente da IA. “Em menos de 10 anos a gente vai ter muito mais máquinas operando e fazendo trabalhos que hoje são do humano, mas isso não quer dizer que a máquina vai estar pensando por nós”, aponta.

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Aprendizado
Se as máquinas estão aprendendo, a solução é nós também aprendermos. Ambos os professores concordam que educação tecnológica é a melhor forma de não ser enganado ou pego na enxurrada de robôs para evitar cair em propagandas, em golpes e, principalmente, com as eleições vindo aí, em mentiras.
 
Eles salientam que a responsabilidade recai sobre o usuário porque nem a legislação nem as próprias empresas têm o poder necessário para conter essa onda. “A Meta baniu milhões de bots, mas eles também evoluem e as métricas não conseguem discernir qual interação é real e qual é falsa. É um jogo de gato e rato, essas simulações só vão ficar cada vez mais verossímeis”, explica Camilo. “Vivemos em uma sociedade cada vez mais tecnológica em que as pessoas entendem muito pouco de tecnologia”, completa.

Publicitária Mariana Dalcin (Foto: Letícia Coqueiro/AR) 

“Existe um limite do que as empresas podem fazer contra o spam. Ao longo dos anos, elas foram impondo regras, diretrizes e moderando conteúdo. Mas as pessoas não querem seguir as regras, elas reclamam de censura, burlam as regras. As pessoas não seguem as diretrizes e é óbvio que os bots criados burlam as diretrizes também”, reflete Mariana.
 
Em conclusão, a internet não está morta, muito pelo contrário: está viva e cheia de gente mal-intencionada usando essas novas ferramentas para tirar vantagem da falta de informação, da desconfiança e do medo das pessoas. “É um caminho difícil, especialmente falando de Brasil, né? Mas é o melhor caminho. A gente tem muita informação que é completamente absurda, mas que para algumas pessoas aquilo ali faz total sentido. Então a gente precisa de uma educação que passe pelo básico do básico”, afirma Dalcin, destacando como desinformação ainda de forma muito elementar se espalha inicialmente por bots no WhatsApp ou no X e acaba sendo disseminada depois por pessoas.
 
O professor Camilo, por sua vez, sugere que cada pessoa aprenda a desconfiar e passe a fazer uma curadoria das próprias redes sociais, não seguindo as sugestões do algoritmo, determinando ativamente qual conteúdo se vai consumir. “Nós precisamos gerar uma massa crítica de pessoas para que a primeira coisa que elas vão pensar é ‘não, isso aqui me parece falso’. Hoje as pessoas acreditam até que se prove o contrário. As pessoas precisam culturalmente aprender que é mentira até que se prove o contrário”, finaliza Camilo.


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