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Experiência

A trajetória singular e exemplar do professor Getúlio Targino Lima

A vitória em todos os concursos | 25.08.24 - 11:42 A trajetória singular e exemplar do professor Getúlio Targino Lima Lançamento de um de seus livros (Foto do álbum de família)
Jales Naves
Especial para A Redação
 
Goiânia – Uma trajetória singular, plena de exemplos positivos e de vitórias. Aprovado em primeiro lugar em todos os concursos públicos de que participou, e ganhador de todos os concursos de oratória que enfrentou, desde a adolescência, o que se torna mais relevante principalmente por se tratar de uma pessoa que nasceu numa família humilde, sem posses e sem estudos, que estudou e lutou muito para conseguir cada novo espaço. Assim se pode resumir a rica caminhada do advogado e professor doutor Getúlio Targino Lima, piauiense, 83 anos e desde os 10 em terras goianas, sendo hoje cidadão goiano, título honorário que lhe foi concedido pela Assembleia Legislativa do Estado.
 
Simples, simpático, muito educado e reconhecido, ele credita suas conquistas a Deus e aos “anjos” que apareceram em sua vida e a direcionaram para o bem. Primeiro foi dom Alano Du Noday, bispo da Diocese de Porto Nacional, que gostava de conversar com aquele menino de uns 11 anos, já integrando a Igreja Batista, que discutia e tinha forte argumentação. O segundo, o frei João Batista Vogel OFM, do Colégio São Francisco de Assis, em Anápolis; e o terceiro o desembargador Marcelo Caetano da Costa, rígido e criterioso professor da Faculdade de Direito da UFG, temido pelos alunos, e que o convidou para ser seu assistente na carreira do magistério e o empurrou para os concursos públicos, no Magistério Superior e na Advocacia Pública.
 
Em família
Nascido em Floriano, PI, em 5 de agosto de 1941, é filho de Antônio Francisco Lima, sem profissão, que teve apenas três dias de escola, não aprendeu a ler e escrever, e que lhe ensinaram a desenhar o nome, e de Benedita Targino Lima, que fez até a quarta série primária, ambos piauienses, de Teresina. Era o terceiro de cinco irmãos: Paulo José Lima, Francisca Lima (que, ao se casar, adotou o sobrenome “da Silveira”), Leda Léa Lima e Antônio Francisco Lima Filho.
 
O pai, como não tinha formação, fazia de tudo que aparecia, como capinador de roça, tropeiro, garimpeiro, soldado da Polícia e extrativista de castanha do Pará, sua última atividade, em Marabá, PA, antes de se aventurar por Goiás. O dinheiro que ganhou durante toda a sua vida e guardou lhe permitiu comprar, em Posse, GO, uma pequena fazenda, de pouco mais de 30 alqueires, mas que não teve tempo de explorar.
 
A família ficou em Floriano mais uns três anos, depois do nascimento de Getúlio. Numa de suas viagens como tropeiro, para levar mantimentos de um estado para outro, caminhadas que demoravam seis meses na ida e igual período na volta, o pai enviou a mulher e os cinco filhos para o Rio de Janeiro, onde morava um dos cunhados, Elpídio. Não tinha outro lugar para deixá-los. Os pais de Antônio Francisco e de Benedita tinham morrido quando eles ainda eram crianças, e os filhos só conheceram alguns tios e primos. Dos tios, apenas um irmão da mãe, o tio Elpídio, e Tonhão, irmão do pai.
 
Targino recebendo o título de Professor Emérito da UFG, aos 55 anos de vida (Foto do álbum de família)

Dos irmãos de Getúlio, o mais velho, Paulo, morreu aos 40 anos, e o caçula faleceu ao completar 19 anos.
 
Ficaram no Rio um ano, com o tio Elpídio, voltando após para Teresina, quando decidiram se mudar para Corrente, no sul do Piauí. Targino tinha uns seis anos quando foi alfabetizado pela mãe e pôde fazer o curso primário no Instituto Batista Industrial, confessional, protestante, com ensino de qualidade. Fez da primeira à quarta série do primário, quando a família se mudou para Porto Nacional, então na região norte de Goiás.
 
Opção batista
Foi um dos períodos de boas lembranças para ele, quando conheceu dom Alano Du Noday; o religioso percebeu que Targino era um menino que gostava de ler e sabia falar sobre a doutrina batista frente à doutrina católica. Nessas conversas, o religioso o estimulou no gosto pela música, ao tocar temas clássicos no alto-falante das torres da Catedral portuense, que alcançava toda a cidade, a partir das 6h30. Inclusive, canções do inglês Albert Ketelbey, de quem posteriormente conseguiu um precioso LP, “As Obras Imortais de Ketelbey”, que adquiriu e guarda até hoje com muito carinho.
 
Uma observação, quanto a ser batista e membro da Igreja: a Igreja Batista não batiza crianças, por considerar que essa é uma decisão pessoal, que exige consciência do significado desse ato.
 
Sem ter noção dessa exigência, pela sua pouca idade, de nove para 10 anos, Targino quis ser batizado; os pastores, sem saber como fazer para dissuadi-lo, falaram sobre uma preparação, ter cursos e passar por exames, mas não o fizeram desistir, pois o menino se prontificou a participar desses seminários de estudos e das avaliações.
 
Na época gostou muito da exibição do missionário americano Dr. Johnson, ventríloquo, que se apresentava com o boneco Zezinho, encantando a criançada e estimulando a criatividade daqueles que queriam interpretar aquele momento. E participou das conferências, para, no final, reivindicar o seu pretenso direito de se habilitar ao batismo.
 
O Conselho da Igreja se reuniu para explicar que não bastava apenas o treinamento, levantar a mão, e que era necessário estudar, passar por avaliações, conhecer a doutrina.
 
Targino retrucou, dizendo que queria fazer o curso.
 
Já cansados das explicações, e como ele se saíra bem na avaliação da doutrina, após o curso, e sabendo que o pai se encontrava longe, no garimpo e não voltaria naquele momento, os pastores explicaram que era preciso a autorização dos pais. Com essa iniciativa, passaram a decisão para a mãe dele, que era católica convicta e naturalmente não iria aprovar. Ela, em sua simplicidade e humildade, reconheceu o interesse dele e a qualidade cristã da Igreja Batista, e, para surpresa de todos, autorizou o batismo, o que tornou seu caso uma exceção.
 
Ele quis fazer o curso ginasial no Colégio Estadual de Porto Nacional, dirigido pela professora Eulina, casada com Hosterno Silva. Como só havia feito a quarta série primária no Instituto Batista Industrial, teve que se preparar para o difícil exame de admissão ao ginásio, uma espécie de vestibular, para se aferir se o candidato, mesmo não tendo cursado a quinta série do curso primário, estava em condições de receber a instrução ginasial – foi aprovado nesse primeiro concurso público que enfrentou, ingressando na primeira série do ginásio no Colégio Estadual de Porto Nacional.


Título de cidadania de Goiânia, em 1989 (Foto do álbum de família)
 
Mudanças
Nessa época o pai teve um período de boa condição financeira, que durou quatro anos, e que foi o único, com garimpo em sociedade, quando ganhou bom dinheiro. Como era um visionário e queria que os filhos pensassem grande, convidou o mais velho a escolher onde estudar, desde que fosse com o mais moço, Getúlio, e os mandou para o Rio de Janeiro. 
 
Primogênito, Paulo não quis estudar, e aproveitou a oportunidade. Morou, durante um ano, no Hotel Mem de Sá, no Rio, enquanto o irmão mais moço, Getúlio Targino, ficou interno no Colégio Americano Batista. Assim, no Rio, fez a segunda série.
 
O irmão mais velho explicou ao pai que o Rio de Janeiro não era lugar para estudar; indicou a cidade de Santos, SP, onde fez a terceira série; e foi no ano seguinte para Recife.
 
Os demais integrantes da família, no ano seguinte, decidiram se mudar para Anápolis, GO, onde Targino cursaria a quarta série ginasial no Colégio São Francisco, no último ano em que pôde frequentar uma escola particular, sem maiores problemas financeiros, pois o pai já não tinha mais dinheiro. O curso foi concluído com dificuldades.
 
Era já o fim de 1956. Ele notou, já no ano seguinte, que precisava ajudar a mãe nas despesas da casa. Em Anápolis, na época, não havia tanta oportunidade de emprego, mormente para adolescentes, embora já cursando o 1º ano do curso científico.
 
Arrumou, então, uma caixa de engraxate de rua e trabalhou um ano nessa atividade, o que lhe permitiu ajudar a pagar o colégio. No Coreto da Praça James Fanstone, em Anápolis, funcionava uma engraxataria, que atendia as pessoas em melhores condições, com café, jornal e outras regalias. De vez em quando sobrava uma pessoa que não podia esperar e era atendida pelos engraxates que ficavam nas redondezas, entre eles Targino. 
 
No ano seguinte, em razão de um pedido de sua mãe, foi trabalhar numa farmácia, para ter um ganho mais certo, ainda que pequeno, mas como era menor de idade não podia aparecer na loja, como vendedor. Assim, encarregava-se da limpeza (antes que a farmácia abrisse as portas) e durante o resto do dia ficava nos fundos da farmácia cuidando da esterilização de vidros de remédio vazios, para venda, à retalho, de remédios como iodo, mercúrio cromo etc. A curiosidade é sobre como se dava a esterilização: os vidros eram imersos em água muito quente, numa “Churrasqueira”. O “esterilizador” adicionava grãos de arroz, se os vidros eram menores, e de milho, para os vidros maiores, adicionando sabão de coco, com alta dose de soda cáustica. A esterilização ficava perfeita, mas as pontas dos dedos do esterilizador restavam em petição de miséria.
 
De 1958 a 1960 e depois de 1963 a 1965 foi locutor de rádio, trabalhando nas rádios Cultura, Karajá e Imprensa – e jornalista, no jornal “O Anápolis”, todos nessa cidade goiana, e, em 1962, jornalista da “Folha do Norte”, de Belém, PA.
 
O primeiro e o segundo anos do colegial foram cursados no Colégio São Francisco de Assis, onde a bondade do diretor, frei João Batista Vogel OFM, permitiu que o aluno fizesse o terceiro ano no Colégio Estadual José Ludovico de Almeida.
 
Faculdades
1960, momento de buscar uma faculdade, as oportunidades eram reduzidas. As Universidades de Goiânia estavam sendo criadas nesse período; a Faculdade de Direito existente era o da Universidade Católica de Goiás.
 
Francisca, a irmã mais velha, que chegara de Uberaba, MG, aconselhou que todos fossem para essa cidade, onde realizara seu curso superior de Filosofia, na Faculdade de Filosofia Santo Tomaz de Aquino e estava implantada, com grandes nomes do Direito nos planos estadual e nacional, a Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro. A família foi para essa cidade, ficou dois anos e decidiu ir para Belém, para ficar mais perto do pai, que deixara os garimpos e se dedicava ao extrativismo de castanhas do Pará, na cidade paraense de Marabá. Era 1962.
 
A mãe, porém, não suportou o clima da cidade, o calor muito forte, e a família resolveu voltar para Anápolis, em 1963.
 
Targino cursou o 3º ano do Curso de Direito na Universidade Federal do Pará e, com a decisão de retornar para as terras goianas, tentou a transferência para a Universidade Federal, mas não conseguiu uma declaração de vaga da UFG; o então Secretário da instituição não lhe forneceu esse documento, mesmo sendo solicitado insistentemente, mostrando seu histórico escolar, no qual constava ser aluno de ótimas notas. Era decisivo para essa mudança. Com a dificuldade, obteve uma declaração de vaga da UCG; nesse ano, conheceu na Católica e se tornou inseparável admirador e amigo do professor doutor Jerônimo Geraldo de Queiroz, que lhe abriu as portas dessa Universidade.
 
Em 1961, quando no segundo ano do Curso de Direito, na Semana Jurídica, em julho, o Centro Acadêmico Leopoldino de Oliveira anunciou a homenagem ao grande professor Malba Tahan, autor de livros que encantavam. Targino, que conhecia algumas de suas obras, achava que fosse árabe, e fez a saudação àquele personagem admirado. Mais tarde, a secretária o chamou para conversar com o escritor, que perguntou o quanto de dinheiro tinha no bolso. Ficou constrangido, pois não tinha praticamente nada; ele pediu a sua única nota, que era de um cruzeiro, que cortou no meio e colou no exemplar do livro “Lendas do povo de Deus”, que lhe deu, com dedicatória especial que ele guarda até hoje.
 
Quando a Universidade Federal de Uberlândia realizou um encontro cultural de estudantes de Cursos de Direito em Araguari, MG, em 1963, incluiu um júri simulado entre as atividades, para analisar um caso escolhido. Definidos os participantes, Targino, que tinha vencido um concurso de oratória na UCG, ficou como assistente de acusação, uma vez que cursava o 4º ano de Direito, ficando a Promotoria a cargo de um brilhante colega do 5º ano, conforme determinação lúcida e justa do diretor, professor Jerônimo Geraldo de Queiroz, que desejava mostrar que os alunos do Curso Jurídico em Goiás tinham sólida cultura jurídica. O aluno que fez o papel do Promotor tinha uma hora para a sua peça acusatória, mas embora tendo feito trabalho muito bom, utilizou apenas a metade de seu tempo, criando um vácuo que deixou a todos preocupados, mormente o Diretor. Chamaram então o Assistente, para sua meia hora. O primeiro ato do acadêmico de Direito Getúlio Targino foi o requerimento de que lhe fosse concedida uma hora, e não apenas 30 minutos, posto que o tempo destinado à acusação era de uma hora e meia, assim como à defesa.
 
Pedido deferido, Targino fez uma bela exposição dos fatos e da fundamentação jurídica da acusação ao ponto de ser aplaudido de pé ao final de sua exibição, o que deu destaque ao pessoal de Goiás, com todos se referindo à alta qualidade do curso da Católica. À noite, no coquetel de encerramento, abordado por um senhor que queria saber como ele conhecia o caso dos Irmãos Naves, citado em sua acusação – os irmãos Sebastião e Joaquim Naves foram presos em 1937, nessa cidade mineira, e condenados sem a comprovação de sua culpa, e mais tarde se comprovou a inocência de ambos –, se possuía a obra sobre o que aconteceu, Targino gaguejou, mas teve de confessar não possuir a obra. 
 
Não tinha direito para tanto e conseguira um exemplar por empréstimo. A pessoa que o abordou era o autor do livro, “Caso dos irmãos Naves – O maior erro judiciário no Direito brasileiro”, o advogado João Alamy Filho, que se apresentou e fez questão de presenteá-lo com um exemplar de sua obra, escrevendo uma dedicatória especial verbis: “Para o acadêmico Getúlio Targino Lima de quem vi fulgir em brilho, inteligência, argúcia e oratória, encantado, o espetáculo que nos ofereceu, no memorável encontro acadêmico de Araguari. Tributando-lhe a modesta homenagem deste singelo livro. Rogo a Deus que use os seus predicados no serviço do Brasil e do seu povo, tão necessitado de valores reais e não corrompidos. De coração, João Alamy Filho. Araguari, 21-XI-63”.
 
Targino concluiu seu curso em dezembro de 1964.

Foto da Galeria dos ex-Presidentes da AGL (Foto da AGL)
 
Novo anjo
Quando conheceu o professor Marcelo Caetano da Costa, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no 4º ano de Direito, ficou intrigado com a forma como os alunos o tratavam, dizendo de seu rigor, que só dava, no máximo, a nota 6 nos trabalhos. O relacionamento dos dois, no entanto, surpreendeu, pois gostava de suas aulas, de sua presença firme, com uma explanação muito didática e um profundo conhecimento sobre o que falava. Como gostava de estudar e o professor respeitava os alunos dedicados, os dois se aproximaram. Passou na disciplina lecionada por este mestre com média 10!
 
É quando surge o novo anjo em sua vida.
 
Targino, até então professor do ensino médio em Anápolis, lecionando no Colégio Estadual José Carlos de Almeida, desde 1963, onde ingressara por concurso público, recebeu a visita de seu estimado professor. Era setembro de 1965.
 
A conversa foi rápida e franca, quando o desembargador explicou que estava muito cansado, que tinha as aulas na Católica, na Universidade Federal de Goiás, era Juiz Corregedor e precisava de um assistente nesse trabalho, e o chamou para a função. Targino, meio sem entender o convite, pois os professores eram muito organizados, elaboravam fichas com o conteúdo de cada aula, imaginou que ele desejava que este trabalho fosse feito por seu assistente convidado. E solicitou que ele emprestasse os livros para que fizesse essa parte, as fichas com o resumo de cada aula. O dr. Marcelo Caetano da Costa, então, esclareceu que era para que o auxiliasse diretamente, para lecionar, ministrando uma das três aulas que o mestre ministrava semanalmente.
 
Envaidecido, Targino aceitou o convite e logo veio a preocupação com os alunos, que eram seus colegas e poderiam não entender, mas o próprio professor fez questão de apresentá-lo, reafirmando a sua condição de catedrático e que confiava na capacidade do assistente. E assim foram os meses de outubro, novembro e dezembro, tudo transcorrendo tranquilamente.
 
Concursos
No final do ano, o professor o chamou para informar que deixaria a cátedra na Católica, ficando apenas na Federal, que seria realizado um concurso público para preenchê-la e que ele se preparasse para essa avaliação. Foi o que fez: inscreveu-se, foi aprovado em primeiro lugar e contratado.
 
Assim, aos 24 anos de idade, em março de 1966, assumiu como Professor titular de Direito Civil da Universidade Católica de Goiás.
 
Em 1967 a Universidade Federal de Goiás também abriu concurso público. Alertado pelo professor, ele ficou preocupado por não ter títulos, quando lhe foi explicado que esses documentos são obtidos também em participação em certames, desde que aprovado. Inscreveu-se e ficou em primeiro lugar, sendo nomeado para a função aos 26 anos de idade. 
 
O mestre insistia em que o discípulo viesse morar em Goiânia, mas a explicação era a de que estava formando sua banca de advogado em Anápolis, era vice-diretor e professor cofundador da Faculdade de Direito de Anápolis (1968), não podendo deixar a cidade.
 
Certo dia, o professor Marcelo Caetano da Costa encontrou-se, em Brasília, com um parente do governador Otávio Lage e dele obteve um bilhete em que era solicitada a nomeação de Getúlio Targino Lima, advogado, professor das duas únicas Universidades existentes no Estado e cofundador da Faculdade de Direito de Anápolis, para o cargo de Auditor da Justiça Militar; na época, o Governador podia nomear para essa função. Ele conseguiu o documento e entregou a Targino, para que o apresentasse ao governador Otávio Lage. Era nomeação certa, mas ele não teve coragem de encaminhá-la. O magistrado ficou indignado com a situação, pois jamais havia pedido algo assim para ninguém, nem seus próprios filhos...
 
Noutra oportunidade, final de 1970, o desembargador pegou o seu carro e foi a Anápolis para informar o seu discípulo que seria aberto o melhor concurso público de Goiás, para formar o quadro de pessoal da Procuradoria Geral do Estado, que acabara de ser criada; até então existia apenas a Consultoria.
 
– “O sr. vai fazer esse concurso”, disse-lhe.
 
Ele agradeceu a sugestão e começou a se preparar para as provas.
 
Por ser o primeiro, o concurso foi preparado pelos maiores juristas de Goiás da época. As provas englobaram as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito do Trabalho, Conhecimentos Gerais (envolvendo Direito Internacional, Sociologia do Direito, História Geral e Literatura Brasileira, com enfoque na Literatura Goiana) e Sustentação oral.
 
Os candidatos teriam seis horas para respondê-las, das 14h às 20h. Para ir ao banheiro só com a presença de um dos fiscais que vigiavam as salas. Não existiam provas de múltipla escolha; 90% eram problemas de Direito para resolver e fundamentar, além de uma questão dissertativa. Os pontos eram sorteados na presença dos candidatos e as provas elaboradas sobre os pontos sorteados, meia hora antes do início.’ Ele se lembrou de uma das questões das provas:
 
– Qual era o ambiente sociopolítico do livro “O Tronco”?
 
Inscreveram-se uns 90 candidatos para 15 vagas, cada prova era eliminatória (nota mínima: 7), inclusive a de sustentação oral.
 
Foram aprovados e nomeados apenas sete dos candidatos.
 
Rigor
Seu colega de diretoria da Faculdade de Direito de Anápolis e que tinha sido deputado estadual por dois mandatos, Olímpio Ferreira Sobrinho contou a Targino, que era vice-diretor da escola, que precisava prestar o concurso – tinha sido parlamentar, mas na época não havia aposentadoria no Legislativo, já estava com certa idade e era reduzido o valor da aposentadoria pelo INSS. Os dois decidiram estudar juntos, praticamente se isolando numa sala por uns 30 dias, quando leram e analisaram todo o programa dessa avaliação.
 
Ambos se preocupavam muito com o fato dos dois serem candidatos neste concurso e fundadores da Faculdade de Direito de Anápolis. Uma derrota não seria debitada às dificuldades do certame e teria reflexos muito negativos na Faculdade recém-fundada.
 
Os dois foram aprovados. Targino em primeiro lugar e OIímpio em quinto. Para a Faculdade foi excelente.
 
O rigor serviu para todos. Não adiantava ter sobrenome importante. O filho do professor Aloísio Sayol de Sá Peixoto, por exemplo, participou do concurso; na prova de Direito Civil, ele recebeu o papel e, depois de uns 15 minutos, simplesmente se levantou e entregou a prova. A pessoa que a recebeu perguntou se ele não iria utilizar o tempo disponível para responder às questões. Ele não disse nada e simplesmente foi embora.
 
Honrarias
Muito religioso, Targino diz que Deus o abençoou em sua missão na terra, com tudo chegando antes da hora, muito cedo.
 
Considerando-se um forasteiro que foi ocupando espaços, viu essa abertura numa das mais tradicionais entidades goianas, ao ingressar, em 1988, aos 46 anos, na Academia Goiana de Letras; já era reconhecido e admirado por sua obra, em especial por sua poesia, e por sua oratória.
 
Em entrevista, uma repórter da TV Anhanguera, quando foi eleito para a AGL, perguntou-lhe quais eram suas obras e o que era ser acadêmico? Disse que tinha escrito, dentre outras, “Reencontros com a juventude”, de 1972; “Pensamento e Palavra”, 1988; e “Universo de cada um”, de 1986. Como a entrevistadora estranhasse não ser sua obra conhecida respondeu que seu papel era escrever e que cabia à imprensa tomar conhecimento da obra e divulgá-la.
 
Em 1996, aos 55 anos, foi agraciado pela Universidade Federal de Goiás com o honroso título de Professor Emérito, sendo saudado pelo professor Jerônimo Geraldo de Queiroz.
 
Em 1998 ingressou no Instituto dos Advogados do Brasil, que tem em torno de 300 membros, e é considerado a Academia de Letras dos advogados brasileiros. Dentre seus membros em Goiás, também, os professores Marcos Afonso Borges e Licínio Leal Barbosa. Faz parte do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e do Instituto dos Advogados de Goiás.
 
É grato ao reconhecimento a seu trabalho e à sua participação na sociedade. Chegou criança em Anápolis, de família humilde, e saltou de uma caixa de engraxate para a nobre função de fundador e professor, de escolas e da Faculdade de Direito de Anápolis. A cidade lhe conferiu o título de cidadão honorário, aprovado por unanimidade. Honraria que também Goiânia lhe outorgou, entregando-lhe o título honorífico de cidadania, visto seu trabalho como professor na Católica e na Federal e como cofundador da Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas, hoje UniAnhanguera, cofundador e primeiro Coordenador Geral do Curso de Direito das Faculdades Alves Faria (Alfa), hoje Uni-Alfa.
 
Maçom, ascendeu aos mais altos postos na hierarquia maçônica, alcançando o Grau 33; recebeu a Comenda Dom Pedro I, honraria para poucos, e integrou o Supremo Tribunal Maçônico, que presidiu em três oportunidades. Faz parte da Academia Nacional Maçônica de Letras e da Academia Goiana Maçônica de Letras.
 
Recentemente, o Presidente da AGML o convocou para reeditar o seu livro “A excelência da união fraterna”, já revisado e ampliado, para lançá-lo no encontro da Maçonaria que será realizado em Goiânia, possivelmente em setembro deste ano.
 
Estudos
Estudioso, Targino nunca parou de ler e estudar. Graduou-se em Direito pela Universidade Católica de Goiás (1960-1964), tornou-se especialista em Direito Civil e Processual Civil (1968-1969) pela Universidade Federal de Goiás e tem Mestrado em Direito Agrário (1986-1990) pela UFG; foi seu orientador o professor Licínio Leal Barbosa. Sua dissertação de Mestrado foi aprovada com nota 10, unanimemente pela Banca Examinadora.
 
Ao decidir pelo Doutorado em Direito escolheu a melhor instituição da época, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e o fez orientado pela professora doutora Maria Helena Diniz, quando defendeu e teve aprovada, com louvor e avaliação A, a tese sobre “Propriedade: Crise e Reconstrução de um Perfil Conceitual” (2001-2006).
 
Passou três anos viajando, toda semana, para São Paulo, onde ficava três dias enfurnado nos estudos. A Editora Saraiva, que não incluía dissertações e teses em seu portfólio, fez questão de publicar sua tese, sobre posse agrária no Direito brasileiro.
 
Um episódio deixou claro como eram as avaliações.
 
Ao concluir a tese, apressou-se em enviar uma cópia para ser apreciada pela orientadora. Os colegas haviam dito que era para não se estender muito, ficar numas 80 páginas. A professora Maria Helena recebeu o documento e, ao ser questionada pelo autor, ela simplesmente contradisse o que lhe haviam informado. Sobre o tamanho da tese, com umas 90 páginas, ela comunicou que um trabalho com menos de 100 páginas não era bem-visto pela banca. Com isso, ele retornou a Goiânia e trabalhou mais, para ampliar suas considerações.
 
Reenviou o documento, agora com 213 páginas, que ela leu e o devolveu, duas semanas depois, com muitas observações, a maioria quanto às notas de rodapé, as citações, identificar as fontes de consulta e de onde tirou aqueles conceitos.
 
Targino respondeu-lhe que o documento representava a sua experiência, 30 anos de trabalho profissional, de prática advocatícia.
 
Surpresa, a professora Maria Helena afirmou:
 
– O sr. está criando doutrina civilista.
 
Ele juntou a família e todos foram para São Paulo, para a PUC/SP, para a defesa da tese.
 
O filho chamou-o e disse:
 
–  Esses caras têm que respeitá-lo!
 
–  Eu é que tenho que respeitá-los, pois aqui não tenho nome. Sou apenas um candidato defendendo minhas ideias”, explicou.
 
Mesa organizada e Banca Examinadora composta, Targino fez a defesa da tese de forma tranquila, didática, esclarecendo as dúvidas. Tempo de duração: quatro horas.
 
Em seguida, todos se retiraram para que a Banca se reunisse para a sua avaliação e nota.
 
Ele disse aos familiares, enquanto aguardavam a decisão, que os cinco integrantes da mesa e os dois suplentes representavam sete cabeças diferentes, que pensavam de forma diversa, cada um com uma visão específica, e por isso seria uma reunião demorada.
 
Para surpresa dele, em 15 minutos foram chamados de volta para conhecimento do resultado.
 
Ao retornarem todos, encontraram os integrantes da Banca Examinadora de pé. Como não tinha visto isto antes, ficou também de pé para ouvir a sentença.
 
Na sequência, a professora doutora Maria Helena Diniz lê o documento:
 
– A PUC-SP tem a honra de anunciar o seu mais novo Doutor, nível “A”, professor doutor Getúlio Targino Lima.
 
O entusiasmo tomou conta de todos naquele momento, que jogaram para cima livros e chapéus.
 
Ela anunciou ainda que a PUC-SP iria publicar a tese na Rede Mundial de Computadores, o que aconteceu. Depois, a SRS Editora, de São Paulo, publicou a obra, tendo sido enviados exemplares para diversas universidades estrangeiras, como para a Biblioteca da Universidade de Sorbonne, em Paris, França, e foi incluído em sua relação de obras jurídicas. Depois, enviou para Salamanca, na Espanha; e agora encaminhará a Roma e Lisboa.   
 
Nome famoso
Sem parentes em Goiás, poucos sabiam de sua trajetória e que suas conquistas eram pessoais e não pela tradição familiar.
 
Atuando na Procuradoria Geral do Estado, que funcionava inicialmente no andar superior do prédio do antigo Banco do Estado de Goiás, na praça do Bandeirante, em Goiânia, certo dia desceu com colegas à agência do BEG que ali funcionava, para conseguir um talão de cheques.
 
Ali chegando, foi surpreendido por um gerente que, todo solícito, quis atendê-los, falando da satisfação da família Targino em tê-lo como um de seus membros mais importantes.
 
– Targino é um nome pesado?”, indagou o gerente.
 
– Por quê?
 
– Carregar o nome do pai, do avô, não deve ser fácil”, disse o servidor do BEG.
 
Simpático e educado, como sempre, respondeu ao funcionário do banco que não representava nenhuma família tradicional em Goiás nem em sua terra natal, e que Targino era o sobrenome de sua mãe, de origem humilde, e que ocupava o cargo por ter sido aprovado em exigente seleção. Era mérito próprio, conquistado com muito estudo e dedicação.
 
Família       
A família que Targino formou seguiu os seus passos, graduando-se em Direito e trabalhando na área; ele ocupa três salas conjugadas e bem decoradas, com livros e peças de arte, no 15º andar do edifício Palácio do Comércio, na Avenida Anhanguera, no centro, onde ele foi um dos pioneiros na aquisição dos imóveis.
 
Casou-se com Isolda Carneiro Targino Lima, mineira de Frutal, que também se graduou em Direito pela UCG, três anos depois, em 1967, com quem teve três filhos, todos anapolinos: Sheila Carneiro Targino Lima, procuradora federal, foi casada com Anaymur Cassyus Vieira de Oliveira, advogado, e atualmente está casada com Elson Bezerra, servidor público. Das primeiras núpcias tem os filhos Cassyus Carneiro Targino Vieira, estudante universitário, e Helen Carneiro Targino Vieira, médica veterinária, e o neto Alexandre Davi Targino Vieira Mousso; Cristiane Carneiro Targino Steinhäuser, biomédica e advogada, trabalha no escritório do pai, sendo responsável pela coordenação dos processos em curso e é casada com Michael Karl Steinhäuser, engenheiro e professor. O casal tem o filho Christian Targino Steinhäuser, caminhando para concluir o ensino médio; e Glauber Carneiro Targino Lima, solteiro, advogado e corretor de imóveis, que atua nas duas frentes, intermediando a venda e lidando com as questões jurídicas desse processo, também com espaço no escritório do pai.

Momento com a família (Foto do álbum de família)
 
Livros publicados
 
Escritor, Getúlio Targino Lima tem as seguintes obras publicadas: Jurídicas – “As Ações Possessórias no CPC Vigente”; “A Posse Agrária no Direito Brasileiro”; “Apontamentos Sobre o Recurso Ordinário Constitucional” e “Propriedade: Crise e Reconstrução de um Perfil Conceitual”; Maçônicas – “Pensamento e Palavra” e “A Excelência da União Fraterna”; Literárias em geral – “Reencontros com a Juventude” (discursos e conferências), “Universo de Cada Um” (poemas), “Solilóquio” (poemas), “A Gota e a Pétala” (poemas), “A Dama do Oculto” (poemas), “Passageiro e Eterno” (poemas) e “Eclipse Solar” (crônicas). No prelo: “Louvores do Verbo Revelado” (Hinário neoteosófico); “Veredas e Travessias” (discursos, conferências e ensaios), “Borboleta Azul” (poemas), “A Liberdade da Pedra” (crônicas), “A Força do Sorriso” (crônicas), “Lições no Abismo” (poemas) e “Lira da Minha Juventude” (poemas).

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