Samuel Straioto
Goiânia - As propostas dos candidatos à prefeitura de Goiânia para a mobilidade urbana carecem de embasamento técnico e científico, desconsiderando elementos cruciais, como a pesquisa de origem e destino. Grande parte dos planos ainda prioriza o transporte individual em detrimento do coletivo e da sustentabilidade.
Paralelamente, o Plano Municipal de Mobilidade, em vigor desde 2022 e responsável por definir as diretrizes públicas para o trânsito e transporte, segue descompassado em relação às promessas de campanha. A situação é agravada por propostas polêmicas, como a liberação das faixas exclusivas de ônibus para motociclistas e a tarifa reduzida de R$ 1 no Eixo Anhanguera, que ignoram tanto a viabilidade financeira quanto a integração metropolitana.
Para Miguel Pricinote, Coordenador Técnico do Mova-se: Fórum Permanente de Mobilidade, as propostas de mobilidade urbana dos candidatos à prefeitura de Goiânia refletem a priorização do transporte individual e a falta de embasamento científico. Sem uma pesquisa atualizada de origem e destino e sem um plano integrado de transporte metropolitano, as promessas eleitorais parecem desconectadas das reais necessidades da cidade. O foco em medidas imediatistas, como obras viárias e a ampliação do uso de veículos motorizados, perpetua os problemas de congestionamento e torna inviável uma solução de longo prazo para a mobilidade urbana.
Como alerta Miguel Pricinote, “tratar os sintomas sem investigar a causa é como tentar curar uma doença com o remédio errado”. Para que Goiânia tenha um sistema de transporte mais eficiente e sustentável, é necessário um diagnóstico preciso e soluções baseadas em dados científicos e integração metropolitana. “Sem isso, a cidade continuará a enfrentar os mesmos problemas de congestionamento, ineficiência e exclusão dos modais coletivos”, argumentou.
Desconexão com o Plano Municipal de Mobilidade
O debate eleitoral sobre mobilidade urbana em Goiânia destaca a ausência de base científica nas propostas dos candidatos. Elementos essenciais, como a pesquisa de origem e destino, que mapeia os fluxos de deslocamento da população, são ignorados. Para Miguel Pricinote, Coordenador Técnico do Mova-se: Fórum Permanente de Mobilidade, “os candidatos estão tratando o trânsito de Goiânia como um paciente, mas sem investigar qual é a origem do problema. Sem um diagnóstico preciso, qualquer proposta é paliativa e ineficaz".
Os candidatos se concentram em soluções rápidas para o trânsito, como a ampliação de vias e a construção de viadutos, priorizando o transporte individual ao invés de promover o fortalecimento do transporte coletivo e alternativas sustentáveis. Segundo Pricinote, “sem estudos atualizados e uma abordagem metropolitana, as propostas se tornam ineficientes para resolver os problemas de mobilidade de Goiânia”.
Tarifa de R$ 1
Entre as propostas que mais chamam a atenção, está a de Matheus Ribeiro (PSDB), que sugere a tarifa de R$ 1 no Eixo Anhanguera, como primeiro passo para a tarifa zero no transporte coletivo. No entanto, a tarifa técnica atual na região metropolitana é de R$ 9,38, sendo que os usuários pagam apenas R$ 4,30 graças a subsídios estaduais e municipais. Pricinote avalia que a proposta de Ribeiro é de difícil aplicação, pois precisa haver um aceite do governo estadual e das demais prefeituras, já que o transporte público é metropolitano e não municipal apenas.
Em outubro de 2023, houve a aprovação de lei estadual que autorizou a prorrogação dos contratos vigentes por mais 20 anos. Os atuais contratos venceriam em 2028. Apesar de resistência à época, o argumento era de que essa opção asseguraria às empresas confiabilidade até 2048, e elas viabilizam os investimentos que 2,6 milhões habitantes das 20 cidades do entorno necessitam.
A proposta de Ribeiro destaca que os recursos para subsidiar as passagens a R$1 nos BRTs vão sair de outro programa que pretende implantar em Goiânia, que é o aplicativo Roda Fácil. O candidato projeta a criação pela prefeitura nos moldes do Uber, porém cobrando taxa mais barata do motorista.
Outro candidato que propõe a redução da tarifa e transporte gratuito é o Professor Pantaleão (UP). Ele sugere a tarifa zero para trabalhadores desempregados e nos finais de semana. Além disso, defende a reestatização do transporte coletivo, o que demandaria a revisão dos contratos de concessão e um controle estatal sobre o sistema. Essas propostas, apesar de populares, enfrentam o mesmo desafio financeiro de viabilização, uma vez que o sistema atual já opera com margens apertadas e subsídios significativos.
Transporte coletivo: uma questão metropolitana ignorada
A gestão do transporte coletivo em Goiânia não se limita à esfera municipal. A Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC) envolve 21 municípios e depende de decisões conjuntas entre prefeituras e o governo estadual. Pricinote destaca que “qualquer decisão sobre o transporte coletivo precisa ser metropolitana, envolvendo o diálogo entre os diversos municípios e o Estado”.
No entanto, as propostas apresentadas nas campanhas ignoram, em grande parte, essa necessidade de integração. O Estatuto das Cidades preconiza uma gestão integrada entre municípios para a solução de problemas de mobilidade.
Projetos de alto custo
Propostas como a do monotrilho, sugerida por Rogério Cruz (Solidariedade), enfrentam dificuldades práticas. Cruz propõe a construção de um monotrilho suspenso na Avenida Anhanguera, com 14 quilômetros de extensão, integrando-se com linhas de ônibus e micro-ônibus. Apesar de inovadora, a proposta não considera a necessidade de integração com a rede metropolitana, limitando seu potencial de impacto.
Entre as propostas de Rogério Cruz (Solidariedade) está a construção de um monotrilho suspenso na Avenida Anhanguera. No entanto, a viabilidade financeira desse projeto é questionável, especialmente considerando o histórico recente da prefeitura de Goiânia com grandes obras de mobilidade. Após quase 10 anos, a administração municipal conseguiu entregar parcialmente o BRT, que ficou com obras paradas e precisou de um empréstimo junto a organismos financeiros para ser concluído. A prefeitura conseguiu autorização para um empréstimo de R$ 710 milhões, sendo parte desse montante avalizada pelo Banco do Brasil.
Diante desse cenário, a proposta de Cruz para construir um monotrilho, uma obra de custo elevado, parece ainda mais improvável.
Como a prefeitura conseguiria financiar um projeto tão caro se já teve dificuldades em concluir o BRT? Para Miguel Pricinote, o maior problema é que não houve sequer um estudo detalhado para avaliar a viabilidade e a adequação do trajeto proposto. "Não houve estudo para saber se o trajeto que ele propôs é o mais adequado para as necessidades da cidade", afirma o coordenador do Mova-se: Fórum Permanente de Mobilidade.
Propostas polêmicas e foco no transporte individual
Algumas propostas dos candidatos têm gerado polêmica pela priorização do transporte individual. Sandro Mabel (União Brasil) sugere a liberação das faixas de ônibus para motociclistas, o que, segundo especialistas, comprometeria a eficiência do transporte coletivo e aumentaria o risco de acidentes. A proposta de Mabel vai na contramão de políticas que buscam incentivar o uso do transporte coletivo e reduzir a dependência de veículos motorizados individuais.
Além disso, Mabel propõe a finalização das obras do BRT e a criação de novos abrigos modernizados, mas sem indicar como pretende integrar essas medidas com o sistema metropolitano. Sua proposta de liberar o tráfego de motos nas faixas de ônibus tem sido criticada por especialistas, que alertam para o aumento do congestionamento e o risco de acidentes, além de tornar o transporte coletivo ainda mais lento.
Por outro lado, Fred Rodrigues (PL) também privilegia o transporte individual, sugerindo a construção de vias expressas para motos e a instalação de semáforos inteligentes que se adaptem automaticamente ao fluxo de trânsito. Embora essa tecnologia possa melhorar a fluidez do trânsito, ela reforça a dependência do transporte individual e não contribui para a solução dos problemas crônicos do transporte coletivo.
Mobilidade ativa: uma solução esquecida?
Apesar da importância crescente da mobilidade ativa — que inclui o uso de bicicletas e o deslocamento a pé —, as propostas relacionadas a esse tema permanecem superficiais nas plataformas dos candidatos. Goiânia, com sua topografia favorável ao uso de bicicletas, ainda carece de uma infraestrutura adequada para ciclistas. Candidatos como Adriana Accorsi (PT) e Matheus Ribeiro mencionam a expansão de ciclovias, mas não detalham como pretendem garantir uma rede cicloviária segura e integrada.
Fred Rodrigues propõe a criação de faixas exclusivas para motociclistas, enquanto Adriana Accorsi sugere a ampliação de ciclovias e a melhoria das calçadas, atendendo às necessidades de mobilidade ativa e acessibilidade. Contudo, esses temas continuam sendo tratados de forma marginal, sem que sejam colocados como uma prioridade central nas plataformas de governo.
Educação e segurança no trânsito
A segurança viária é outro ponto sensível em Goiânia, que registrou 251 mortes por acidentes de trânsito em 2022. Para enfrentar essa realidade, Adriana Accorsi e Fred Rodrigues propõem medidas de redução de velocidade nas vias centrais e a instalação de semáforos inteligentes. O “Sistema Seguro no Trânsito”, defendido por Accorsi, é inspirado em modelos internacionais e visa a redução de acidentes por meio de controle de velocidade e campanhas educativas.
Enquanto isso, Fred Rodrigues aposta em uma abordagem tecnológica, com semáforos que se ajustem ao fluxo de veículos, e campanhas educativas para motoristas e pedestres. Essas iniciativas, embora válidas, não enfrentam diretamente a necessidade de uma reestruturação do transporte coletivo ou a expansão de alternativas de mobilidade sustentável.
Principais propostas dos candidatos sobre mobilidade urbana
• Adriana Accorsi (PT):
o Ampliação de viagens e criação de corredores exclusivos para ônibus.
o Redução da velocidade nas vias centrais para melhorar a segurança viária.
o Expansão de ciclovias e melhorias nas calçadas para pedestres e pessoas com deficiência.
• Fred Rodrigues (PL):
o Instalação de semáforos inteligentes que se ajustam automaticamente ao fluxo de trânsito.
o Criação de vias expressas para motociclistas e proibição temporária de estacionamento em vias principais.
o Construção de novos viadutos e pontes para desafogar o trânsito.
• Matheus Ribeiro (PSDB):
o Tarifa de R$ 1 no Eixo Anhanguera como primeiro passo para a tarifa zero.
o Modernização da frota de ônibus, com foco em veículos elétricos.
o Incentivo ao uso de bicicletas com a ampliação de ciclovias e melhorias nas calçadas.
• Professor Pantaleão (UP):
o Tarifa zero nos finais de semana e para trabalhadores desempregados.
o Reestatização do transporte coletivo, com auditoria dos contratos de concessão.
o Expansão das ciclovias e bicicletários públicos.
• Rogério Cruz (Solidariedade):
o Construção de monotrilho na Avenida Anhanguera, ligando o aeroporto à rodoviária.
o Implementação de micro-ônibus para rotas curtas em bairros populosos.
o Modernização dos semáforos com uso de dados em tempo real.
• Sandro Mabel (União Brasil):
o Liberação das faixas de ônibus para motociclistas, gerando polêmica entre especialistas.
o Finalização das obras do BRT e criação de novos abrigos para ônibus.
o Implementação de um “app" de mobilidade para integrar diversos modais e serviços.
• Vanderlan Cardoso (PSD):
o Concluir o BRT e expandir o uso de ônibus elétricos para promover uma mobilidade mais sustentável.
o Implementar sistemas inteligentes de gerenciamento de tráfego para otimizar o fluxo de veículos e reduzir congestionamentos.
o Firmar parcerias público-privadas para ampliar ciclovias, calçadas acessíveis e concluir obras inacabadas.