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24 de outubro

Goiânia: memórias de uma capital verde e os desafios do futuro

Cidade completa 91 anos | 24.10.24 - 07:59 Goiânia: memórias de uma capital verde e os desafios do futuro (Fotos: reprodução - Arte: Anna Stella/jornal A Redação)
Samuel Straioto

Goiânia - 
Goiânia, fundada em 1933, destaca-se como uma das cidades mais arborizadas do Brasil e do mundo. Esse título está intimamente ligado à sua trajetória de arborização, iniciada pelo primeiro prefeito, Venerando de Freitas Borges, que, junto a outras lideranças, impulsionou o plantio de árvores nas principais vias da cidade. Ao completar 91 anos neste 24 de outubro, a capital é conhecida por suas amplas áreas verdes, parques ecológicos e pela integração de árvores ornamentais em seu planejamento urbano. Passear pelas ruas de Goiânia é entender o motivo do apelido "Cidade Verde".
 
A intensificação da arborização ocorreu nas décadas de 1940 e 1950, quando o cuidado com a vegetação urbana ganhou força. Na época, Goiânia ainda estava em seus primeiros passos de desenvolvimento, cercada pelo cerrado e carecendo de áreas sombreadas. Em 1942, durante o Congresso de Intelectuais, foi registrada uma reclamação sobre a escassez de árvores e o clima seco da cidade, o que motivou uma campanha de arborização liderada por Borges. As primeiras espécies plantadas, em sua maioria exóticas, como os flamboyants (Delonix regia) e os fícus (Ficus microcarpa), rapidamente se tornaram ícones das avenidas Goiás, Tocantins e Araguaia, definindo a identidade da capital.



Avenida Goiás nas décadas de 40, 60 e 80 (Fotos: José Henrique da Veiga Jardim/Hélio de Oliveira - Via reprodução Amma)

O papel de Venerando de Freitas Borges e as espécies plantadas
Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito de Goiânia, teve papel essencial na transformação da paisagem urbana da capital. Com a visão de arborizar as principais avenidas, ele trouxe mudas de árvores de regiões como Belo Horizonte e Triângulo Mineiro. Sua iniciativa resultou no plantio de flamboyants nas Avenidas Tocantins e Araguaia e de fícus na Avenida Goiás. Os flamboyants, com suas flores vibrantes em tons de vermelho e amarelo, rapidamente se tornaram um marco visual, encantando moradores e visitantes da jovem capital.
 
 

 
A ação de Borges, no entanto, foi além da estética. Ao plantar árvores que proporcionavam sombra, ele respondia a uma necessidade urgente: amenizar o calor intenso de Goiânia, localizada no bioma do cerrado, conhecido por suas altas temperaturas e clima seco. O plantio contribuiu para a criação de um microclima mais ameno nas áreas urbanas, tornando a cidade mais agradável e habitável.

Venerando de Freitas Borges (Foto: reprodução/masonic)
 
Arborização e identidade urbana
O conceito de "cidade verde" foi gradualmente incorporado à identidade de Goiânia, tornando-se um dos pilares de sua paisagem urbana. Com o tempo, o plantio de árvores deixou de se restringir às avenidas principais, expandindo-se para ruas de diversos bairros. Espécies exóticas, como sibipirunas (Caesalpinia pluviosa) e cássias (Cassia javanica), passaram a integrar a arborização da cidade, contribuindo para a criação de um cenário urbano único, caracterizado por vias arborizadas e floridas.
 
Contudo, o cerrado — bioma predominante da região — foi inicialmente negligenciado nesse processo de urbanização verde. A vegetação nativa, pouco valorizada à época, foi substituída por espécies importadas. Esse movimento refletia a mentalidade daquele período, quando o Brasil buscava modernizar suas capitais, inspirando-se em modelos europeus e norte-americanos, ao mesmo tempo em que ignorava a rica biodiversidade de sua própria flora.
 
A arborização de Goiânia trouxe não apenas benefícios ambientais, mas também ajudou a moldar a identidade cultural e visual da cidade. Desde os primeiros plantios organizados de espécies ornamentais, como flamboyants e fícus, essas árvores exóticas colaboraram para a criação de uma estética singular, que se tornou a marca registrada das principais avenidas da capital.
 
A escolha das espécies foi tanto pragmática — visando sombra e conforto térmico — quanto estética. A primavera em Goiânia, com suas ruas adornadas pelas flores vermelhas e amarelas dos flamboyants, oferecia um espetáculo visual que encantava moradores e visitantes.
 
"As árvores não apenas humanizam o espaço urbano; elas definem a identidade da cidade. Goiânia se tornou, para muitos, sinônimo de beleza natural graças a essas decisões pioneiras", afirma o ambientalista João Paulo Almeida.
 
Além de embelezar a capital, a arborização influenciou diretamente a percepção de Goiânia como uma cidade planejada e moderna. Embora o projeto urbanístico de Attílio Corrêa Lima não detalhasse especificamente a arborização, ele estava alinhado ao conceito de cidade-parque — uma ideia inovadora para a época.
 
Ao respeitar a topografia natural e integrar grandes áreas verdes ao centro urbano, o urbanista Attílio Corrêa Lima consolidou a visão de que Goiânia deveria ser um espaço de convivência harmoniosa entre o ambiente construído e a natureza.
 
Para a historiadora Marina Ferreira, "Goiânia nasceu com a intenção de ser um modelo de modernidade, e a arborização foi fundamental para criar essa imagem de cidade do futuro, limpa e bem-organizada."
 
A identidade verde da cidade também foi fortalecida pelo envolvimento da população. Ao longo das décadas, os moradores adotaram o hábito de plantar árvores em quintais e jardins, uma prática influenciada pela tradição rural dos pioneiros. Mesmo com o crescimento desordenado e o aumento da urbanização, o espírito de preservação das árvores se manteve, protegendo a vegetação nas áreas residenciais.
 
"É fascinante observar como a relação dos goianienses com as árvores se consolidou ao longo do tempo. As pessoas cuidam dessas plantas como se fossem parte de suas próprias casas, uma característica marcante das cidades do interior", comenta o ambientalista Fábio Marques.

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No entanto, o crescimento urbano de Goiânia impôs pressões significativas sobre esse patrimônio ambiental. A supressão de árvores em áreas de grande valorização comercial é um exemplo claro dessa realidade. Segundo Fábio de Souza, em sua tese de doutorado pela Universidade Federal de Uberlândia, houve um declínio alarmante da arborização em regiões onde o comércio se expandiu, como a região central. 
 
Esses locais passaram por uma drástica transformação paisagística, resultando na perda significativa da vegetação viária, sacrificada em nome da visibilidade das fachadas comerciais. "Essa é uma perda lamentável, pois as árvores não apenas proporcionam qualidade de vida, mas também são um patrimônio histórico e cultural", destaca a historiadora Marina Ferreira.

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Desafios na manutenção da arborização
Ao longo dos anos, Goiânia expandiu-se, enfrentando novos desafios para a preservação de sua vegetação. A conversão de áreas residenciais em comerciais, especialmente em bairros como o Centro e o Setor Marista, resultou na remoção de árvores para abrir espaço para novas construções.
 
Essa mudança, como analisado pelo geógrafo Fábio de Souza em sua tese de doutorado, trouxe diversas consequências negativas para a qualidade de vida e o paisagismo da cidade. A pesquisa de Souza revela que a expansão comercial desempenhou um papel significativo na redução da arborização nas áreas centrais.
 
Outro fator que comprometeu a arborização urbana foi a falta de um planejamento integrado nos primeiros anos de crescimento da cidade. Embora o projeto original do urbanista Attílio Corrêa Lima previsse amplas áreas verdes, essas foram progressivamente suprimidas à medida que Goiânia superava sua capacidade inicial, projetada para 50.000 habitantes.
 
A arborização atual e os parques ecológicos
Apesar dos desafios, Goiânia continua sendo um verdadeiro exemplo de cidade verde. Com cerca de nove árvores por habitante, a capital goiana ostenta um dos maiores índices de arborização urbana do Brasil. A preservação de uma extensa cobertura vegetal, resultado da criação e manutenção de seus parques ecológicos, garante à cidade o status de referência em qualidade ambiental.
 
O Bosque dos Buritis, um dos parques mais antigos e icônicos de Goiânia, passou por diversas transformações desde a fundação da capital, mas sempre manteve sua relevância como refúgio natural. "O Bosque dos Buritis é um símbolo de equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a preservação ambiental, uma ideia presente desde o projeto de Attílio Corrêa Lima", afirma o ambientalista João Paulo Almeida. Além de ser uma área de lazer, o parque é lar de importantes nascentes, destacando sua função na preservação dos recursos hídricos da região.



Bosque dos Buritis ( Foto: Jackson Rodrigues/Prefeitura de Goiânia)
 
Outros espaços emblemáticos, como o Lago das Rosas e o Parque Vaca Brava, reforçam ainda mais a imagem de Goiânia como uma cidade comprometida com a preservação da natureza. Esses parques, além de áreas de lazer, desempenham um papel crucial na manutenção da biodiversidade, na melhoria da qualidade do ar e na regulação da temperatura nas regiões onde estão localizados.
 
"A função dos parques vai além da estética. Eles são fundamentais para a sustentabilidade da cidade, ajudando a controlar a poluição do ar, reduzir a temperatura e abrigar a fauna local", ressalta Fábio Marques, ambientalista especializado no bioma Cerrado.


Lago das Rosas (Foto: Hely Júnior/jornal A Redação)
 
No entanto, Goiânia enfrenta desafios crescentes na proteção de sua vegetação. O rápido crescimento populacional e a expansão urbana pressionam as áreas verdes, muitas vezes vistas como obstáculos ao desenvolvimento comercial. Bairros como o Setor Marista, antes majoritariamente residenciais e arborizados, agora são dominados por empreendimentos comerciais de alto padrão, o que resultou na perda significativa de cobertura vegetal. "É uma perda irreversível quando áreas verdes são substituídas por prédios e comércio, especialmente porque essas árvores eram parte marcante da paisagem urbana", lamenta João Paulo Almeida
 

Setor Marista (Foto: reprodução/X)
 
Mesmo com essas dificuldades, Goiânia ainda se destaca como a cidade mais arborizada do Brasil. Esse reconhecimento é fruto, entre outros pontos, de políticas recentes, como o Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU), que tem como objetivo preservar e expandir a vegetação urbana. O PDAU inclui ações de monitoramento e manutenção das árvores existentes, além de um planejamento estratégico para novos plantios.
 
“O Plano de Arborização é essencial para garantir que Goiânia continue sendo uma cidade verde no futuro. As políticas públicas precisam se antecipar ao crescimento urbano, colocando a preservação das áreas verdes como prioridade”, enfatiza Fábio Marques.
 
A preservação das áreas verdes tem impacto direto na qualidade de vida dos moradores. Estudos apontam que os parques de Goiânia são eficazes na redução das ilhas de calor, na melhoria da qualidade do ar e na oferta de abrigo para a fauna urbana. Além disso, esses espaços promovem saúde física e mental, funcionando como áreas de convivência e práticas esportivas.
 
"É impossível imaginar Goiânia sem seus parques. Eles são o pulmão da cidade e uma das principais razões para a nossa boa qualidade de vida", conclui a historiadora Marina Ferreira.
 

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