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25 mil pessoas vivem em condições precárias | 10.11.24 - 08:00
(Foto: Arquivo/IBGE)Samuel Straioto
Goiânia - Dados recentes do IBGE revelam que Goiás possui 152 favelas e comunidades urbanas, com destaque para Goiânia, que concentra 55 dessas áreas, correspondendo a 36,2% do total no estado.
Essas favelas abrigam mais de 25 mil pessoas em condições de extrema vulnerabilidade. Os aglomerados estão espalhados em várias partes da cidade, especialmente em áreas próximas a rodovias e cursos d’água. Esse aumento da ocupação irregular reflete o crescimento desordenado da capital, o que agrava a precariedade das condições de vida.
Especialistas avaliam que a ausência de políticas públicas eficazes, aliada à falta de infraestrutura básica, perpetua a precariedade dessas comunidades, localizadas principalmente nas periferias da capital. O crescimento dessas áreas, somado à carência de regularização fundiária, torna o cenário ainda mais desafiador.
O crescimento das favelas na capital
Para o urbanista e professor de planejamento urbano João Pereira, o aumento desordenado das favelas em Goiânia é um reflexo direto da ausência de planejamento urbano e políticas habitacionais robustas.
De acordo com o Censo 2022, a capital goiana abriga 55 favelas e comunidades urbanas, concentrando 36,2% dessas áreas em Goiás. Com mais de 25 mil pessoas vivendo em condições de extrema precariedade, esses aglomerados estão distribuídos principalmente em regiões periféricas da cidade, próximas a rodovias e córregos.
O professor cita que áreas como Quebra Caixote, Vila Romana, Jardim Guanabara I e Jardim Curitiba são exemplos de comunidades que enfrentam sérios problemas de infraestrutura, com a falta de saneamento básico, iluminação pública e coleta de lixo adequadas.
Para ele, a ausência de regularização fundiária nessas áreas faz com que os moradores vivam sob constante ameaça de remoções e despejos, o que amplia a exclusão social.
O especialista argumenta que a falta de saneamento básico e infraestrutura em muitas dessas áreas se agrava com a alta densidade populacional, o que torna os serviços públicos insuficientes para atender às necessidades locais. A saúde pública, por exemplo, enfrenta dificuldades devido à propagação de doenças relacionadas à insalubridade e à falta de acesso a água tratada.
“A proliferação de doenças como a dengue e outras transmitidas por mosquitos é comum nessas áreas, onde há acúmulo de lixo e esgoto a céu aberto. As famílias sofrem pela falta de controle sanitário”, relata uma enfermeira da rede pública, que prefere não se identificar.
Além disso, a vulnerabilidade dessas populações se reflete no aumento da mortalidade infantil em áreas de favelas. Estudos mostram que a falta de saneamento básico e a alimentação inadequada são fatores cruciais que impactam a saúde dos mais jovens.
Esses problemas, somados à carência de atendimento médico regular, tornam o cenário ainda mais alarmante para as famílias que vivem nas favelas de Goiânia.
Falta de políticas habitacionais
A falta de políticas habitacionais é apontada como uma das principais causas da expansão das favelas em Goiânia. Segundo o professor João Pereira, a ausência de programas habitacionais consistentes no município tem gerado um cenário de crescimento descontrolado das ocupações irregulares.
“A cidade falhou em implementar políticas públicas de habitação acessível e sustentável ao longo dos anos. Isso resultou no aumento de áreas ocupadas de forma irregular, muitas vezes em locais inadequados, sem a mínima infraestrutura", explica o professor.
Ele ressalta ainda que a construção de conjuntos habitacionais populares não acompanhou o ritmo de crescimento populacional da capital, especialmente nas últimas duas décadas.
“A falta de moradias dignas e acessíveis empurrou a população mais pobre para a informalidade. Isso fica evidente no aumento das favelas e comunidades urbanas em regiões periféricas e áreas de risco.”
A ausência de programas de habitação social destinados às populações de baixa renda faz com que as favelas se tornem a única alternativa viável para muitas famílias.
Com o custo elevado dos imóveis nas áreas centrais e a falta de financiamento habitacional acessível, a população mais pobre é empurrada para regiões afastadas e mal servidas de serviços públicos.
Para o sociólogo Antônio Ribeiro, especialista em desigualdade social, as favelas são reflexo de um modelo urbano excludente. “A segregação espacial que observamos em Goiânia não é um fenômeno isolado. Ela segue uma lógica de exclusão social que se repete em várias cidades brasileiras. A diferença é que, aqui, a falta de políticas habitacionais aprofundou essa desigualdade", comenta.
Segundo o especialista, essa exclusão fica ainda mais evidente em épocas de crise econômica. O desemprego e a informalidade crescentes nos últimos anos fizeram com que muitas famílias migrassem para áreas irregulares, sem opção de pagar aluguel ou adquirir imóveis em áreas urbanizadas.
“As favelas se tornam a única alternativa para quem não tem condições de arcar com os custos do mercado imobiliário formal. Sem uma política habitacional que ofereça moradia digna e acessível, essa realidade tende a se agravar”, conclui.
Avenida Linconl, na ocupação Jardim Emanuelle, em Goiânia (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
Infraestrutura precária e condições de vida insalubres
A infraestrutura precária é uma característica comum nas favelas de Goiânia. Nessas áreas, os serviços básicos, como saneamento, coleta de lixo e iluminação pública, são escassos ou inexistentes. Além disso, muitas dessas comunidades enfrentam graves problemas de acesso à saúde e à educação.
A assistente social Maria das Graças Oliveira, que atua em projetos de apoio à população vulnerável, destaca que as famílias que vivem nessas favelas muitas vezes enfrentam problemas relacionados à insalubridade e à insegurança.
"As condições de moradia são extremamente precárias. Muitas dessas casas estão construídas em locais de risco, sem qualquer suporte urbano. Isso expõe os moradores a doenças, à violência e à exclusão social," afirma Maria das Graças.
Ela ressalta ainda que a ausência de políticas públicas de infraestrutura em áreas periféricas agrava a situação de vulnerabilidade dessas famílias.
“A falta de acesso a serviços básicos, como água tratada e esgotamento sanitário, compromete a qualidade de vida dessas pessoas e perpetua o ciclo de pobreza e marginalização."
Os desafios se estendem também à educação. Muitas crianças que vivem nas favelas de Goiânia enfrentam dificuldades para acessar o ensino básico. Em algumas comunidades, as escolas estão distantes, e o transporte escolar é insuficiente ou inexistente, o que faz com que muitos jovens abandonem os estudos precocemente.
“A evasão escolar é uma realidade nessas áreas, pois as famílias não conseguem garantir que as crianças frequentem a escola regularmente. A falta de estrutura nas favelas acaba gerando um ciclo de exclusão que impacta diretamente o futuro dessas crianças”, explica a pedagoga Ana Lúcia Borges, que atua em uma ONG que oferece apoio educacional em áreas carentes.
Além disso, a precariedade das escolas locais, quando existentes, também é uma barreira ao aprendizado. Muitas unidades educacionais nessas regiões carecem de recursos, infraestrutura e segurança, o que compromete o desempenho dos alunos. A pedagoga destaca ainda que a violência nas favelas afeta diretamente o ambiente escolar.
“As crianças são frequentemente expostas à violência doméstica ou urbana, o que prejudica seu desenvolvimento emocional e escolar. Em muitas situações, elas precisam abandonar a escola para ajudar as famílias, o que compromete seu futuro”, pontua Ana Lúcia.
Falta de regularização fundiária impede avanços
Um dos maiores desafios enfrentados pelas favelas de Goiânia é a regularização fundiária. Muitos moradores dessas áreas vivem sem a posse legal de suas terras, o que os impede de regularizar suas moradias e acessar programas públicos de melhoria habitacional.
A ausência de escrituras e a ocupação de terrenos de forma irregular fazem com que essas famílias estejam em constante risco de despejos forçados.
O aposentado Rodolfo Costa, morador da Vila Romana, relata a dificuldade de viver sem a posse legal de sua moradia. "Vivo aqui há mais de 30 anos e, até hoje, não tenho a escritura da minha casa. O que mais quero é regularizar minha situação, mas parece que isso nunca acontece. Sempre vivemos com medo de sermos retirados", desabafa Costa, que compartilha o sentimento de insegurança vivido por milhares de moradores das favelas de Goiânia.
De acordo com a advogada especializada em direito fundiário, Juliana Souza, a falta de regularização fundiária impede o desenvolvimento dessas comunidades. “A ausência de documentação legal coloca essas áreas em uma situação de permanente informalidade. Sem a regularização, as famílias ficam excluídas de programas de crédito habitacional e não conseguem realizar melhorias em suas moradias”, explica Juliana.
Ela ressalta que o processo de regularização fundiária é complexo, mas essencial para garantir os direitos dessas famílias. “A regularização não é apenas um documento, é uma garantia de dignidade e cidadania para essas pessoas.”
Além de garantir o direito à propriedade, a regularização fundiária permite que essas comunidades tenham acesso a serviços públicos essenciais. Sem a formalização das propriedades, os moradores não conseguem solicitar serviços básicos, como água, energia elétrica e saneamento. “A regularização abre portas para que as comunidades recebam investimentos em infraestrutura e melhorias. É um passo fundamental para que essas áreas deixem de ser marginalizadas”, conclui a advogada.
Segurança nas favelas e o impacto da violência
A violência é uma das maiores preocupações nas favelas de Goiânia, especialmente em áreas mais afastadas, onde a presença do poder público é limitada. A ausência de policiamento regular e de políticas de segurança pública adequadas faz com que muitos moradores convivam com a criminalidade e o tráfico de drogas.
O sociólogo Antônio Ribeiro, destaca que a falta de oportunidades e a exclusão social empurram muitos jovens para o crime. “As favelas se tornam ambientes propícios para a atuação de facções criminosas, que encontram na ausência do Estado um espaço para se consolidar. Sem alternativas de educação ou trabalho, muitos jovens acabam se envolvendo com o crime”, afirma.
Além disso, a violência doméstica também é um problema recorrente nas favelas. Com condições de vida precárias e o estresse gerado pela falta de oportunidades, muitas famílias vivem situações de abuso e violência dentro de casa.
A assistente social Maria das Graças ressalta que, sem políticas públicas de apoio, as mulheres e crianças são as maiores vítimas desse cenário. "As mulheres são as que mais sofrem. Elas vivem em um ambiente de opressão, muitas vezes sem saber como sair dessa situação. As crianças, por sua vez, crescem em um ambiente de violência, o que afeta diretamente seu desenvolvimento”, alerta a assistente social.
Tamanho de áreas
As áreas ocupadas por favelas e comunidades urbanas em Goiânia somam cerca de 500 hectares, o que corresponde a quase 10% da área total do município. Esse crescimento das ocupações irregulares, registrado principalmente nos últimos dez anos, coloca um desafio adicional para o planejamento urbano da cidade.
A expansão dessas áreas sem controle e sem a devida regularização dificulta a atuação do poder público, que muitas vezes não consegue acompanhar a demanda por serviços essenciais.
Para o especialista em urbanização, Carlos Henrique Matos, o aumento das ocupações irregulares reflete o descompasso entre o crescimento populacional e a oferta de moradias formais.
“A cidade não está conseguindo fornecer habitação para sua população, o que leva as pessoas a ocuparem áreas irregulares. Isso cria um ciclo vicioso de informalidade e exclusão”, afirma Carlos Henrique.
Outras cidades
Além de Goiânia, municípios como Novo Gama e Águas Lindas de Goiás também registram números expressivos de favelas e comunidades urbanas. Novo Gama, por exemplo, tem 14 aglomerados subnormais, enquanto Águas Lindas abriga 13. Essas cidades enfrentam desafios semelhantes aos da capital, com falta de infraestrutura e políticas públicas adequadas para atender suas populações.
Apesar da gravidade da situação em Goiás, o estado ainda se destaca por possuir um dos menores quantitativos de favelas entre as unidades da Federação, ocupando a décima posição no ranking. Essa realidade, no entanto, não diminui a urgência de ações para melhorar as condições de vida das pessoas que habitam essas áreas.
Em termos proporcionais, Goiânia tem o segundo menor percentual de sua população vivendo em favelas entre as capitais brasileiras, com 1,8%, atrás apenas de Campo Grande (MS), com 0,9%.
No entanto, o número absoluto de pessoas vivendo em favelas na capital goiana revela que, mesmo com menor proporção, as condições de vida nessas áreas são igualmente desafiadoras. Em Goiás, além de Goiânia, municípios como Novo Gama, com 14 favelas, e Águas Lindas, com 13, também enfrentam dificuldades semelhantes.
Em Novo Gama, por exemplo, 11,8% da população vive em favelas, enquanto em Padre Bernardo esse índice chega a 7%. Esses números indicam que a desigualdade social e a carência de infraestrutura são problemas persistentes em várias regiões do estado, não apenas na capital.