A Redação
Goiânia - O sorriso no rosto da pequena Nayara Cândido Guajajara representa a alegria em receber sua primeira Certidão de Nascimento aos cinco anos de idade. Por meio de uma atuação extrajudicial da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), a menina teve o direito garantido de obter o registro civil tardio, podendo assim reafirmar sua existência e origem indígena, não apenas nos simbolismos corporais, mas também no documento que, enfim, a torna oficialmente cidadã.
Desde que perdeu a Declaração de Nascido Vivo, seu único documento, Nayara vivia sem acesso a serviços essenciais. Sua mãe, Eliene Cândido Guajajara, 21 anos, mudou-se para Goiás em 2021, grávida e acompanhada do marido e da filha pequena, em busca de melhores oportunidades de trabalho. A família passou a viver em Aparecida de Goiânia, em situação de extrema vulnerabilidade, e a falta de um documento que confirmasse a existência da filha mais velha trouxe ainda mais dificuldades.
Ao buscar serviço médico em um posto de saúde, Eliene teve atendimento negado para Nayara e enfrentou até a ameaça de perder a guarda da menina. “Na época meu esposo estava trabalhando quando eu estava de resguardo. Estava em casa sozinha e o Conselho Tutelar chegou dizendo que ia tomar minha filha de mim. Eu fiquei passando mal”, relembrou a indígena, com a voz embargada.
Foi a ativista indígena Juscilene Karajá quem interveio, ao tomar conhecimento do caso, acionando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “Criança indígena é protegida, isso precisa ser respeitado”, pontuou Juscilene. Neste período, a família decidiu se mudar para Senador Canedo, em busca de melhores condições e segurança, mas o desafio do registro persistia.
Atuação extrajudicial
De acordo com o artigo 4º da Resolução Conjunta nº 3 do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, o registro tardio de indígenas é permitido mediante apresentação do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) ou de dados fornecidos pela Funai. Apesar disso, quando Eliene buscou o Cartório de Registro Civil de Senador Canedo, a solicitação foi negada por “falta de dados suficientes”.
A solução começou a tomar forma em setembro deste ano, quando a Ouvidoria-Geral da DPE-GO recebeu a demanda. A ouvidora-geral Ângela Cristina acionou o Núcleo de Atuação Extrajudicial (NAE) da Instituição, para que pudesse intermediar a situação. Com base em informações de um procedimento administrativo já instaurado no Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), o defensor público Rafael Ferigatto e o defensor público Bruno Malta realizaram articulações para que o registro fosse encaminhado de forma extrajudicial.
Em maio de 2021, o MP-GO havia sido acionado pelo cartório de Senador Canedo, como forma de garantir mais segurança jurídica na tomada de decisão sobre o registro de Nayara. Como resultado, foi realizada uma consulta à Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás, que estabeleceu as normativas a serem seguidas para andamento da solicitação. Mesmo assim, durante mais de dois anos a criança continuou sem ter o seu direito garantido, até o momento em que a DPE-GO foi procurada.
Após contato com a Funai em outubro, os defensores públicos agendaram uma visita presencial no cartório para que um representante do órgão e a família de Nayara fossem devidamente recebidos, ocasião em que foram prestadas todas as informações necessárias para emissão do registro. A partir dessa mediação entre as partes envolvidas, conduzida pelo NAE e sua equipe, a menina obteve o primeiro documento que lhe dá visibilidade, sem que fosse necessário judicializar o caso.
“A atuação da Defensoria Pública, por meio do NAE, desmistifica a compreensão de que somente a Defensoria Pública da União pode atuar para a garantia dos direitos dos povos indígenas, sendo possível em muitos casos o trabalho da Defensoria Pública Estadual para a promoção de seus direitos”, destacou Rafael Ferigatto. Além disso, a Defensoria Pública atuou na promoção de educação em direitos, ao realizar o diálogo com o cartório para a devida orientação.
Para a ouvidora-geral, Ângela Cristina, “a demanda pelo registro civil nos faz problematizar os desafios que as pessoas indígenas que estão desaldeadas, morando nos centros urbanos em busca de condição de sobrevivência, enfrentam e sofrem para a garantia dos direitos fundamentais”. (Texto com informações da assessoria de comunicação da Defensoria Pública do Estado de Goiás)