Lis Lemos e João Gabriel de Freitas
Incrustada há mais de 30 anos na Praça Coronel Elias Bufaiçal, no Parque Amazônia, uma série de residências onde vivem 28 famílias tem prazo regressivo se exaurindo para serem removidas da região. Construídas inicialmente em uma área periférica e isolada da capital, onde invasões não são a exceção, os imóveis localizados em praça pública passaram a ser cercadas, nos últimos anos, pelo crescimento imobiliário vertiginoso, impulsionado depois da instalação do Parque Cascavel.
Localizadas exatamente no meio da principal via que liga prédios que se erguem em torno do Parque Cascavel e o Buriti Shopping, na Avenida Rio Verde, casas marcadas com um “X” branco por funcionários da Secretaria Municipal de Habitação estão sob o risco de virem abaixo a qualquer momento, no intuito de desobstruir a Avenida Dona Maria Cardoso. A demora da Prefeitura em resolver a situação também motivou uma ação civil pública do Ministério Público nesta semana, para que a invasão seja imediatamente desocupada.
Quanto aos moradores, que em julho tiveram as casas marcadas, a maioria possui emprego e ocupação pelo bairro, além de assistência médica e escolar para crianças e idosos que integram as famílias. Em pelo menos duas, há garotos com necessidades especiais que recebem tratamento intensivo nas unidades de saúde do setor. Sentem que o prazo para a remoção se aproxima, mas impera entre eles incertezas sobre a retirada, como a data final e o local para onde serão levados.
Proposta refutada
Uma proposta inicial, em abril, de remanejá-los para o Residencial Santa Fé, na saída para Guapó, destinado a moradores de áreas de risco, foi refutada, tanto pela distância quanto pela falta de estrutura e o tamanho reduzido das residências. Mesmo com o impasse, em maio as casas foram medidas internamente. Em julho, ao voltarem à tarde depois de mais um dia de trabalho, os moradores se depararam com suas casas marcadas com o “X”, que indica as que darão continuidade a avenida.
Vera Lúcia Costa de Moura, de 49 anos, conta que comprou uma das casas há 14 anos, quando o imóvel tinha apenas dois cômodos. A residência foi ampliada e hoje ela mora com outras seis pessoas. O filho, a nora e duas crianças do casal - uma de 6 anos e outra de 1 ano e 8 meses, ficam ao fundo. Um irmão ocupa outro cômodo e o ex-marido também segue na residência. “Todos trabalham por aqui e as crianças estudam na escolinha e creche aqui do lado. Depois da reunião, os funcionários agora apenas falam que vão levar a gente para um lugar que não é longe, mas não dizem onde e nem quando”afirma Vera Lúcia.
Dos moradores atualmente com a casa marcada, nenhum ergueu a residência em terreno limpo. Uma das mais antigas na rua, a dona de casa Solange (nome fictício a pedido dela), comprou seu imóvel no local há mais de 20 anos. Hoje mora com duas filhas e dois netos pequenos. Ela revela que a agonia pela indefinição está pior do que o próprio deslocamento. “Tenho o telhado estragado e nem sei se posso reformar. Todo mês eles falam uma coisa, mas não definem data nem nada”, comenta. “Sem contar que costumam vir só pela manhã, quando todo mundo está trabalhando. A gente volta e encontra a casa marcada”, reclama.
A vizinha dela, Diná, também com duas décadas na praça, pagando água, luz, esgoto, mas não IPTU, relata que ao ligar para a Secretaria de Habitação, chegou a ouvir de um funcionário que a definição não seria neste ano e nem no ano que vem, por se tratar de ano eleitoral.
Acionada judicialmente
Única moradora do conglomerado de casas a ser, até então, acionada judicialmente pela Prefeitura de Goiânia, a aposentada Luzia Ribeiro da Silva, de 64 anos, mora no local há sete anos, junto com oito pessoas, entre elas a mãe, de 92 anos, e o neto, de 7, portador de necessidades especiais e atendido no setor. A casa de Luzia, a primeira na ponta da rua Canumá, que circula a praça, fica de frente a um imóvel residencial em fase inicial de construção.
Na notificação, entregue por oficial de justiça em março, a justificativa é de que “O Município de Goiânia necessita, urgentemente, recolocar o asfalto onde a Requerida (Luzia), indevidamente está ocupando, posto que para desviar da invasão, o asfalto adentrou num lote particular, onde será erguida uma construção vertical, coletiva, residencial, com 15 pavimentos”.
A possibilidade de ser levada para uma região afastada aterroriza a dona de casa. “Fomos até o Residencial Jardim do Cerrado, na saída para Trindade, para onde querem nos levar e lá passa apenas dois ônibus durante todo o dia. Muitas vezes a gente precisa de atendimento médico de urgência, para minha mãe e meu neto. Como vamos fazer?”, indaga.
MP cobra agilidade
A demora da Prefeitura de Goiânia em resolver a situação motivou uma ação civil pública do Ministério Público, que pediu a imediata desocupação da Praça Coronel Elias Bufaiçal. Segundo o promotor Maurício José Nardini, da Promotoria de Urbanismo, o posicionamento das casas compromete o atual sistema viário da região, que precisa ser liberado com a expansão urbana. O promotor afirma também que o MP está preocupado com o destino dessas famílias. "Não queremos jogar ninguém no olho da rua. Vamos garantir o direito a moradia dessas pessoas, com regularização e não nessa situação de incerteza", alega.
No entanto, Nardini afirma que o local para onde as famílias podem ser levadas, a principal reclamação dos moradores, não tem como ser determinado. “Isso fica em aberto por conta da prefeitura. Para longe ou perto, infelizmente eles vão ter que sair”, afirma o promotor, lembrando que a ação é amparada pelo Parágrafo 1º do artigo 183 da Constituição Federal, que veta o usucapião para áreas públicas.
Procuradoria não se pronuncia
De acordo com o promotor, no mesmo Parque Amazônia, calcula-se que haja 78 áreas invadidas, muitas com casas de luxo, sobrados e que, dependendo da demanda, a “tendência é sair”, afirma. A ação foi encaminhada para a Procuradoria Geral do Município na segunda-feira e o órgão preferiu não se pronunciar até ser notificado, o que deve acontecer nesta semana. A Secretaria de Habitação de Goiana, procurada pela REDAÇÃO, informou por meio da assessoria que, com a ação do MP, o posicionamento do órgão fica dependente do parecer da Procuradoria.