Samuel Straioto
Goiânia - Entre março de 2021 e março de 2025, Goiás perdeu cerca de 10 mil filiados a partidos políticos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A queda, registrada nos 246 municípios do Estado, acompanha um fenômeno nacional de distanciamento entre eleitores e agremiações, em meio a transformações no cenário político e perda de capilaridade das legendas.
Embora continue na liderança, o MDB perdeu mais de 5 mil filiados no período. Partidos tradicionais como PSDB e PP também registraram queda, enquanto novas siglas, como o PRD e o fortalecido União Brasil, conquistaram espaço. Especialistas apontam esvaziamento ideológico e desgaste institucional como fatores-chave.
Em 2021, o número total de pessoas com filiação partidária no estado era de 680.879. Quatro anos depois, esse número caiu para 670.927 – uma redução de 9.952 registros. A mudança pode parecer discreta em termos percentuais – pouco mais de 1,4% –, mas esconde transformações mais profundas na relação entre os eleitores e os partidos. A retração é percebida em todas as regiões do estado e atinge legendas de todos os espectros ideológicos.
MDB
O MDB, sigla historicamente dominante em Goiás, foi também a que mais perdeu filiados em números absolutos. Eram 122.152 em 2021; são 116.958 em 2025 – uma perda de 5.194 filiações. Ainda assim, a sigla segue como a maior do estado em número de filiados.
Segundo o cientista político Carlos Albuquerque, esse movimento revela um desgaste da militância tradicional: “O MDB ainda tem capilaridade, especialmente no interior, mas perdeu parte de sua base histórica. Isso não é só reflexo de crises internas, mas também de uma mudança de comportamento dos eleitores, que hoje se relacionam com a política de maneira mais pontual e menos vinculada a partidos.”
PSDB e PP
O PSDB, que chegou a ocupar o Palácio das Esmeraldas por quatro mandatos com a figura do ex-governador Marconi Perillo, também encolheu. Em 2021, contava com 72.009 filiados. Em 2025, são 67.298 – redução de quase 5 mil. Albuquerque avalia que parte da perda do PSDB se deve ao próprio desgaste de Marconi e do modelo Tucano, após vários mandatos e à ocorrência de operações policiais.
O PP, por sua vez, caiu de 55.173 para 53.228. Além da perda numérica, esses partidos enfrentam outro desafio: reposicionar-se num cenário onde o debate político se intensificou nas redes sociais e onde as filiações formais deixaram de ser prioridade para muitos candidatos e eleitores.
União Brasil e Caiado
O União Brasil, fundado em 2022 a partir da fusão entre DEM e PSL, aparece com 55.613 filiados em 2025 – número ligeiramente superior à soma de DEM (50.217) e PSL (19.316) em 2021. Apesar da leve retração no total agregado, a nova sigla se consolidou como força significativa no estado, inclusive com protagonismo em prefeituras e no Legislativo estadual, além do governo do estado.
Carlos Albuquerque avalia que o União Brasil poderia ter crescido mais, no entanto, a evolução foi positiva, graças à liderança exercida pelo governador Ronaldo Caiado.
PT e PL ampliam presença
Duas legendas cresceram de forma visível: o PT, que saltou de 44.960 filiados em 2021 para 48.408 em 2025, e o PL, que foi de 37.878 para 46.133. O crescimento do PT se deu mesmo em um contexto polarizado, com fortalecimento da esquerda em segmentos urbanos e sindicais.
Já o PL surfa na onda do bolsonarismo, que, mesmo fora do poder federal, mantém bases organizadas em Goiás. A legenda disputará espaço direto com o recém-criado PRD, que já aparece com 46.105 filiados – número relevante para uma sigla nova. “É um enfraquecimento das estruturas clássicas”.
Para a comunicóloga Maria Silva, o processo de desfiliação está ligado à perda de sentido coletivo nas estruturas partidárias.
“A lógica partidária tradicional se esvaziou. As redes sociais criaram a ilusão de engajamento direto, sem mediação. Hoje, muitos eleitores preferem seguir lideranças do que pertencer a partidos. Isso cria uma política mais personalizada e menos institucional.” Ela destaca também o desafio que as siglas enfrentam para atrair novos militantes:
“Os partidos perderam a capacidade de mobilização ideológica. Muitos jovens sequer cogitam se filiar. Quando se aproximam da política, é por causas específicas, não por plataformas partidárias.”
As novas siglas e a fragmentação do sistema
O surgimento e fortalecimento de novas siglas contribuiu para redistribuir a base de filiados. O Podemos, por exemplo, saltou de 20.548 para 36.362 filiados. O Solidariedade, que não aparecia entre os principais partidos em 2021, agora soma 19.062 registros.
Outros partidos como Republicanos, PCdoB, PSD e Cidadania tiveram variações menores, mas seguem compondo o cenário partidário goiano.
Mudança de comportamento eleitoral
Os dados do TSE indicam que a filiação partidária, que já foi um dos principais canais de participação política formal, vem perdendo relevância. Hoje, a identificação com partidos é mais frágil, e muitas candidaturas nascem de projetos pessoais e digitais, e não de estruturas organizadas.
Além disso, mudanças nas regras eleitorais, como o fim das coligações proporcionais, reduziram a necessidade de alianças artificiais e obrigaram as siglas a focar em nomes competitivos, mesmo que desvinculados da base.
Cenário para 2026
A expectativa para 2026 é que a tendência de queda na filiação continue. O pragmatismo deve prevalecer, com alianças formadas por conveniência eleitoral e menos dependência de uma base de militantes formalmente filiada.
“Vamos ver partidos cada vez mais como siglas de aluguel ou plataformas para projetos pessoais. A fidelidade partidária perdeu espaço para a visibilidade digital. E os diretórios que não se adaptarem, vão encolher ainda mais”, finalizou Carlos Albuquerque.
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