Samuel Straioto
Goiânia - Entre 2013 e 2024, Goiás acumulou mais de R$ 5 bilhões em prejuízos provocados por desastres naturais e tecnológicos, conforme aponta levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). O relatório nacional, divulgado neste mês, mostra que as perdas foram registradas em diferentes frentes: danos à infraestrutura pública, perdas privadas e prejuízos habitacionais. As ocorrências mais frequentes no estado foram relacionadas à seca, estiagem e excesso de chuvas. O impacto desses eventos em Goiás reflete o cenário nacional, que já soma mais de R$ 732 bilhões em prejuízos no período.
Com 314 decretos por chuvas e 45 por seca, Goiás aparece entre os estados do Centro-Oeste mais atingidos por eventos extremos. O relatório da CNM reforça que os números podem estar subdimensionados devido à subnotificação por parte dos municípios.
No estado, além das perdas econômicas bilionárias, foram registradas 18 mortes, 1.559 pessoas desabrigadas e outras 9.911 desalojadas em decorrência de desastres climáticos e ambientais.
Perdas bilionárias em Goiás
Segundo os dados do estudo, Goiás acumulou R$ 3,5 bilhões em prejuízos privados, R$ 1,4 bilhão em perdas públicas e cerca de R$ 52,4 milhões relacionados à habitação. No total, o estado teve um impacto econômico de R$ 5,01 bilhões nos últimos 12 anos. Os setores afetados incluem desde o agronegócio até instalações públicas de saúde, infraestrutura urbana, transporte, comércio local e habitação.
Com base nos decretos municipais de Situação de Emergência e Estado de Calamidade Pública (SE/ECP), a CNM aponta que Goiás decretou 314 vezes por conta de chuvas e 45 vezes devido à seca e estiagem. As intempéries climáticas continuam sendo as causas mais recorrentes de prejuízos.
Especialistas pedem ação integrada e contínua
Para a pesquisadora em políticas públicas ambientais Daniela Lopes, que atua com gestão de risco climático em organismos internacionais, o relatório mostra que o estado precisa de um plano estadual efetivo de resiliência. “Goiás não pode continuar apenas reagindo aos eventos. É preciso estabelecer diretrizes regionais para prevenção, principalmente em cidades de médio porte que concentram população em áreas vulneráveis”, explica.
O engenheiro ambiental Roberto Cunha, consultor em gestão de riscos e desastres, complementa: “A cada R$ 1 investido em prevenção, economiza-se até R$ 7 em resposta. Goiás ainda atua mais no modo emergencial do que no planejamento estruturado. Muitas prefeituras sequer têm um mapeamento atualizado de áreas de risco.”
Cunha detalha ainda que boa parte das ações de resposta depende da liberação de recursos federais, o que tende a demorar.
“Sem planejamento prévio e fundo próprio para situações emergenciais, os municípios ficam à mercê da burocracia. É essencial investir em sistemas de alerta precoce, capacitação técnica das equipes municipais e protocolos articulados entre cidades vizinhas, para que a resposta seja coordenada e eficaz.”
Impactos econômicos em cadeia
Além dos prejuízos diretos, os desastres climáticos geram efeitos colaterais importantes na economia estadual e nacional. O economista João Marcos Ribeiro, especialista em desenvolvimento regional, alerta que perdas no campo e na infraestrutura comprometem a competitividade do estado.
“Quando uma enchente destrói estradas vicinais ou uma estiagem afeta safras, o impacto não é só local. Isso compromete a cadeia produtiva como um todo, desde o produtor rural até o consumidor nas cidades.”
Ele também destaca que os prejuízos habitacionais e comerciais geram retração na atividade econômica de municípios já fragilizados.
“A reconstrução de áreas afetadas exige reorientação de verbas públicas e, muitas vezes, endividamento dos entes federativos. Sem apoio estruturado e permanente, o prejuízo se transforma em entrave ao desenvolvimento.”
Seca, estiagem e chuvas como protagonistas
No cenário nacional, a seca e a estiagem lideraram os prejuízos registrados entre 2013 e 2024, com perdas estimadas em R$ 413,2 bilhões — o que representa 56,4% do total. As chuvas aparecem em segundo lugar, com R$ 215 bilhões em danos (29,4% do total).
No caso de Goiás, os dois fenômenos também foram os mais recorrentes. Os longos períodos de estiagem afetam diretamente a produção agropecuária, um dos pilares da economia estadual.
Já os eventos de chuva intensa, como enxurradas e enchentes, costumam causar danos à infraestrutura urbana, especialmente nas regiões metropolitanas e no entorno do Distrito Federal.
Desastres e suas consequências humanas
Os números da CNM mostram que, além dos impactos econômicos, os desastres registrados em Goiás também deixaram consequências humanas relevantes. Entre 2013 e 2024, foram contabilizadas 18 mortes associadas a eventos extremos no estado.
Ainda segundo o levantamento, 1.559 pessoas ficaram desabrigadas — ou seja, perderam suas casas e dependem de abrigos públicos — e 9.911 foram desalojadas, precisando se refugiar temporariamente em casas de amigos ou familiares.
Essas estatísticas reforçam a vulnerabilidade da população diante de fenômenos que vêm se intensificando nos últimos anos, impulsionados por mudanças climáticas e falta de políticas públicas preventivas em muitos municípios.
Panorama nacional: mais de R$ 732 bilhões em prejuízos
No Brasil, o prejuízo total calculado pela CNM no período foi de R$ 732,2 bilhões. Deste montante, a agricultura lidera os danos com R$ 325,6 bilhões (44,5%), seguida pela pecuária (R$ 94,4 bi), instalações públicas de saúde (R$ 86 bi), abastecimento de água (R$ 61,2 bi), habitação (R$ 43,4 bi) e obras de infraestrutura (R$ 42,4 bi).
A região Sul concentrou 37,5% de todos os prejuízos, seguida pelo Nordeste (35,5%) e Sudeste (16,3%). Já o Centro-Oeste, onde está Goiás, foi responsável por 7,9% das perdas. O Norte aparece com 2,8%.
Tragédias emblemáticas reforçam alerta
O relatório da CNM também rememora episódios de grande impacto, como o rompimento das barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), além das enchentes de 2022 em Petrópolis (325 mortes) e das chuvas de 2024 no Rio Grande do Sul, que já deixaram 183 mortos.
Embora Goiás não tenha registrado tragédias dessa magnitude, o acúmulo de ocorrências reforça a urgência em adotar medidas de prevenção e mitigação.
Subnotificação e fragilidade no registro de dados
A CNM ressalta que os números oficiais provavelmente estão subdimensionados. Muitos municípios deixam de registrar corretamente os prejuízos no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) do Governo Federal.
Essa falha no preenchimento e atualização compromete o acesso a recursos federais e a elaboração de políticas públicas adequadas.
Durante a pandemia da Covid-19, a taxa de registros de desastres aumentou, com destaque para 2020, quando houve crescimento de mais de 30% nos decretos em relação a 2013. Isso ocorreu porque os sistemas de saúde passaram a alimentar com mais frequência os dados no sistema federal, revelando uma lacuna histórica de subnotificação em anos anteriores.
O desafio da prevenção e da resiliência
A CNM alerta que 95% dos municípios brasileiros já enfrentaram algum tipo de desastre nos últimos 12 anos. Com a intensificação dos eventos climáticos extremos, há uma pressão crescente sobre os entes federativos para investir em ações de resiliência, planejamento urbano e infraestrutura adaptada às novas realidades ambientais.
Para a analista independente em gestão urbana e riscos socioambientais Beatriz Montenegro, o momento exige planejamento territorial com base em dados atualizados.
“Mapeamento de áreas de risco, planos diretores que considerem vulnerabilidades e envolvimento das comunidades são peças-chave. Sem isso, Goiás vai seguir apagando incêndio — literalmente — e reconstruindo cidades onde o desastre já está anunciado.”
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