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risco estrutural

Estudo identifica danos em 95% das marquises avaliadas no Centro de Goiânia

Ações preventivas se tornam urgentes | 31.05.25 - 07:52
Estudo identifica danos em 95% das marquises avaliadas no Centro de Goiânia Situação das marquises se repete em várias ruas do Centro (Foto: divulgação)
 Samuel Straioto
 
Goiânia – Um estudo visual realizado em março de 2025 por duas engenheiras mestrandas da Universidade Federal de Goiás (UFG) revelou que 95% das 59 marquises analisadas no Centro de Goiânia apresentam algum tipo de anomalia estrutural. A pesquisa, feita com uso de drone e equipamentos técnicos, indica riscos que vão de infiltrações e trincas a ferragens expostas e desplacamento do concreto, apontando para a necessidade urgente de ações preventivas.
 
O estudo foi desenvolvido para ser submetido a um congresso nacional da área, que ocorrerá em João Pessoa (PB), e se apresenta como uma contribuição prática à segurança urbana da capital. As pesquisadoras utilizaram tecnologia como drones e seguiram normas técnicas para avaliar as estruturas. Elas apontam que falta fiscalização e que reformas estéticas muitas vezes ignoram riscos à segurança.
 
Abandono estrutural
O Centro de Goiânia, conhecido por sua arquitetura em estilo Art Déco, concentra um grande número de edificações comerciais e históricas. Muitas dessas estruturas contam com marquises de concreto armado, projetadas há décadas, que atualmente se encontram vulneráveis às intempéries e à falta de manutenção.
 
Com o intuito de avaliar a situação dessas marquises, as engenheiras Ludmilla do Amaral e Couto e Pollyana de Souza Carvalho realizaram uma inspeção visual em 59 estruturas localizadas em quatro quadras da região central da capital. “A gente quis mostrar com dados o que muita gente já percebe olhando para cima: as marquises estão esquecidas e com sinais visíveis de deterioração”, afirmou a engenheira Ludmilla Couto à reportagem do jornal A Redação.


Ludmilla do Amaral  e Pollyana de Souza Carvalho (Foto: divulgação)
 
As pesquisadoras utilizaram drones, câmeras termográficas e equipamentos de fotografia de alta resolução para inspecionar os pontos mais críticos das marquises. O levantamento identificou um alto índice de anomalias, como infiltrações, fissuras, desplacamento de concreto e ferragens expostas. Em alguns casos, as patologias ocorriam simultaneamente.
 
“O drone foi essencial para alcançar pontos que seriam inacessíveis com inspeção comum, principalmente marquises escondidas por forros ou placas publicitárias”, explicou Ludmilla.
 
O estudo classificou as marquises com base em critérios de risco, urgência de intervenção e área afetada. A avaliação resultou em um índice que orienta a prioridade de manutenção. Mais de 30% das marquises observadas apresentaram necessidade de intervenção imediata. Outras estavam em situação intermediária, com tendência de agravamento se nada fosse feito.
 
Edificações antigas e ausência de rotinas de vistoria
As pesquisadoras destacam que a maioria das edificações avaliadas tem mais de 40 anos. São prédios erguidos em uma época com menos exigência normativa e, em muitos casos, sem acompanhamento técnico contínuo após a entrega. Com o tempo, o desgaste natural de materiais como concreto e aço torna inevitável a necessidade de manutenção.
 
“Muitos prédios têm mais de 40 anos e nunca passaram por nenhuma avaliação técnica desde que foram construídos. É como andar embaixo de uma estrutura sem saber se ela ainda se sustenta”, disse a pesquisadora.
 
Entretanto, os dados revelam que a maioria das marquises não passou por qualquer tipo de vistoria técnica nas últimas décadas. A ausência de fiscalização regular contribui para a permanência e o agravamento de problemas estruturais que poderiam ser contidos com ações simples de manutenção preventiva.
 
Segundo o levantamento, foram observadas situações em que o entupimento de calhas e a ausência de caimento adequado para a água da chuva levaram à infiltração constante. Isso não apenas causa manchas e mofos visíveis, como também agrava a corrosão interna dos componentes metálicos da estrutura.
 
 
Em outros casos, as marquises foram parcialmente reformadas com materiais inadequados ou apenas receberam uma nova pintura, sem qualquer tratamento técnico para os danos estruturais identificados. Esse tipo de reparo superficial pode criar uma falsa sensação de segurança, retardando intervenções mais eficazes.
 
“Muitas reformas são apenas visuais. Pintam por cima de infiltração, colocam placa de ACM, mas a estrutura continua fragilizada por dentro”, observou Ludmilla.
 
A importância da manutenção preventiva
O estudo também reuniu registros de desabamentos ocorridos em Goiás, inclusive na capital. Em Aparecida de Goiânia, em 2024, uma marquise caiu sobre um trabalhador de uma padaria. O impacto foi tão severo que ele não resistiu aos ferimentos. Já em Goiânia, em 2014, um comerciante teve as pernas amputadas após o colapso de uma marquise em sua loja.
 
O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO), Lamartine Moreira, também mencionou sua atuação como perito em uma dessas ocorrências. Ele descreveu um cenário de infiltrações prolongadas, oxidação das ferragens e falhas visíveis no concreto. A marquise, segundo ele, estava fragilizada por anos de negligência.
 
“Essas marquises, periodicamente, têm que passar por uma inspeção preventiva. Por quê? Porque é algo que não se olha todo dia”, afirmou Lamartine Moreira. “O imóvel vai ficando mais velho, vai tendo os desgastes naturais, as intempéries, e é preciso contar com um profissional habilitado para avaliar a estrutura”, explicou.
 
Moreira explica que a responsabilidade pela manutenção de estruturas como marquises passa a ser integralmente dos proprietários depois do fim do prazo de garantia da obra. Além disso, ele ressalta que qualquer alteração — como a instalação de ar-condicionado, letreiros ou outras estruturas — deve ser acompanhada por um engenheiro. A ausência dessa avaliação técnica pode sobrecarregar a marquise.
 
“O proprietário tem que contratar um engenheiro para verificar se a marquise suporta o que será instalado sobre ela. Primeiro o engenheiro olha, aprova, e só depois se coloca um equipamento, por exemplo, de 50 quilos por metro quadrado. Se não fizer isso, corre risco de colapso”, alertou o presidente do CREA-GO.
 
O CREA-GO defende que a engenharia diagnóstica seja mais valorizada no cotidiano da cidade. Trata-se de uma área especializada justamente em identificar, com antecedência, os problemas que podem evoluir para situações de risco. Segundo o presidente, o ideal seria que os proprietários agissem antes de surgir uma rachadura visível ou um incidente mais grave.
 
Limbo legislativo
Apesar dos riscos estruturais identificados, Goiânia ainda não possui uma legislação municipal que torne obrigatória a inspeção técnica periódica de edificações. Sem uma política preventiva clara, as fiscalizações ocorrem apenas diante de denúncias ou em casos extremos de perigo visível.
 
O Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (CBMGO), quando questionado, esclareceu que não realiza análises específicas sobre marquises no processo de licenciamento. O órgão exige, de forma geral, a apresentação de documentos técnicos de estabilidade, mas não mantém um acompanhamento posterior sobre essas estruturas.
 
Confira a íntegra da nota enviada pelo Corpo de Bombeiros de Goiás:
"O CBMGO esclarece que a responsabilidade pela avaliação da condição estrutural de marquises é atribuída ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). Nas edificações que exigem licenciamento junto ao Corpo de Bombeiros, é exigida a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de estabilidade estrutural, porém não há análise específica das marquises."
 
Já a Prefeitura de Goiânia explicou, por meio da Secretaria Municipal de Eficiência, que a atuação dos fiscais ocorre principalmente durante o período de obras. Após a conclusão, intervenções só são feitas mediante denúncia formal ou constatação de risco evidente no local. Não há, portanto, um programa ativo de vistoria ou acompanhamento das marquises na cidade.
 
Confira a íntegra da nota enviada pela Prefeitura de Goiânia:
"A Prefeitura de Goiânia informa que a fiscalização de edificações é realizada pela Secretaria Municipal de Eficiência durante o período de obras e, após a conclusão, a atuação dos fiscais ocorre em casos específicos, como denúncias por canais como Prefeitura 24h e Sistema de Atendimento @156, ou a partir da constatação de risco iminente à segurança. No que se refere a marquises e fachadas de prédios particulares, havendo reclamações formais ou indícios de perigo, as equipes de fiscalização se deslocam até o local para vistoria. Caso sejam constatadas irregularidades ou estruturas que representem risco, o responsável é notificado para regularizar a situação. Em casos de não conformidade, podem ser aplicadas medidas como a retirada ou demolição da estrutura comprometida."
 
Patologias frequentes e riscos potenciais
No levantamento, foram identificados diversos tipos de falhas estruturais. Trincas e fissuras surgem como sintomas iniciais. Em muitas marquises, os sinais de umidade eram visíveis, com manchas escuras ou mofo. Esses fatores são agravados pela exposição contínua à chuva, variação de temperatura e ausência de impermeabilização.
 
Outro problema apontado pelas engenheiras foi a exposição de ferragens. Quando o aço da estrutura começa a aparecer, significa que o concreto já perdeu parte de sua capacidade de proteger o interior da marquise. A ferrugem, ao se expandir, provoca ainda mais fissuras e acelera o processo de deterioração.
 
Também foi constatada a presença de equipamentos pesados sobre as marquises, como condensadores de ar-condicionado. Esses aparelhos, quando instalados sem cálculo estrutural, adicionam peso significativo. O estudo alerta que muitas estruturas avaliadas já estavam próximas do limite suportável.
 
O uso de drones foi essencial para identificar detalhes que não seriam visíveis a olho nu ou de forma segura. Por meio das imagens captadas, foi possível detectar falhas em pontos altos ou encobertos por forros, telhas ou placas publicitárias. A tecnologia permitiu ampliar a precisão e o alcance da investigação.
 
Revitalização e inspeção técnica devem caminhar juntas
O estudo também reflete sobre o papel das políticas de revitalização urbana. Programas que visam estimular a ocupação do Centro, como o “Centraliza – Centro Vivo para Todos”, trazem melhorias importantes, mas ainda não incluem exigências sobre a segurança estrutural dos imóveis já existentes.
 
“Nós temos um Art Déco que está escondido, ninguém conhece. Por que a gente não olha a cidade com o olhar de quem vai fazer um passeio turístico?”, sugeriu Lamartine. “Tem que tirar toda essa poluição visual e valorizar o que é permitido e seguro”, argumenta Lamartine Moreira, presidente do CREA-GO.
 
Importante lembrar que, nos últimos 25 anos, foram pelo menos 10 projetos de revitalização propostos pelas administrações municipais. A engenheira Ludmilla Couto destacou que muitos imóveis do Centro são ocupados sem que haja uma avaliação técnica das condições estruturais. Essa ausência de análise representa um risco tanto para quem trabalha nos edifícios quanto para quem circula pelas calçadas.
 
“Antes de revitalizar a fachada ou alugar um ponto no Centro, o proprietário deveria apresentar um laudo técnico que comprove que aquela marquise está segura”, sugeriu Ludmilla.
 
Ela defende que os incentivos fiscais oferecidos a proprietários de imóveis históricos venham acompanhados de contrapartidas claras em relação à manutenção. Isso incluiria a apresentação de laudos técnicos periódicos e o cumprimento de prazos para reparos em estruturas danificadas.
 
Ludmilla também ressalta que a conservação das marquises está diretamente relacionada à valorização do patrimônio cultural da cidade. Muitas delas fazem parte do conjunto Art Déco goianiense, e sua deterioração impacta não apenas a segurança, mas a memória urbana.
 
Inspeção técnica como política urbana
O estudo seguiu diretrizes nacionais que orientam a forma correta de inspecionar e avaliar as condições de prédios e suas estruturas. O documento estabelece diretrizes para que um profissional habilitado avalie o estado de conservação de estruturas e indique o grau de risco em cada caso.
 
“A gente espera que esse estudo gere alguma reflexão no poder público e entre os donos de imóveis. Inspecionar é prevenir, e prevenir é evitar tragédias anunciadas”, declarou.
 
Em outras capitais brasileiras, já há leis municipais que tornam esse tipo de vistoria obrigatória após um determinado tempo de uso dos prédios. No Rio de Janeiro, por exemplo, esse prazo é de cinco anos para edificações mais antigas. Goiânia, no entanto, ainda não adota esse tipo de política.
 
O levantamento das engenheiras aponta que essa medida poderia ser incorporada ao Plano Diretor do município como forma de prevenir acidentes e incentivar uma cultura de cuidado com as construções. Além de evitar tragédias, a manutenção regular reduz custos futuros e contribui para a preservação dos imóveis.
 
“Essa pesquisa é importante porque chama a atenção da população para que faça a manutenção. Eu já atendi caso de marquise que caiu, e a estrutura estava degradada por infiltrações. Se a gente não tomar conta, outros casos vão acontecer igual”, declarou Lamartine Moreira, relembrando um caso periciado em Aparecida de Goiânia.
 
Para Ludmilla, a prática de realizar inspeções técnicas periódicas pode ajudar a transformar a relação da cidade com seus edifícios. Segundo ela, garantir a segurança das marquises é um passo fundamental para tornar o Centro um ambiente mais seguro, acolhedor e funcional para moradores, comerciantes e visitantes.
 
“Segurança estrutural também é parte do direito à cidade. O Centro precisa ser seguro para as pessoas caminharem, trabalharem, circularem. E isso começa pelo cuidado com o que está sobre a cabeça de todos nós”, concluiu Ludmilla.
 
 
 

Comentários

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  • 31.05.2025 19:02 Eliane de Carvalho

    Parabéns, Ludmila e Pollyana pelo levantamento. O péssimo estado das marquises pode ser visto como a ponta do iceberg, de uma situação já conhecida há muito por qualquer pessoa que caminhe pelo centro do Goiânia: o abandono do patrimônio histórico da cidade. Fico na torcida para que o trabalho aqueça o debate e provoque o poder municipal.

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