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POLÍTICA

Proposta de unificar eleições divide juristas e analistas políticos

Ideia teria perdido força nas últimas semanas | 15.06.25 - 08:26 Proposta de unificar eleições divide juristas e analistas políticos (Foto: divulgação)
Samuel Straioto
 
Goiânia - A discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende unificar as eleições municipais e gerais ganhou novo impulso neste primeiro semestre de 2025 no Congresso Nacional. A ideia, defendida por alguns parlamentares como forma de racionalizar gastos e reduzir a frequência de campanhas, provocou reações negativas entre especialistas em direito eleitoral e ciência política. Em Goiás, o assunto tem sido acompanhado com atenção.
 
 O projeto prevê, entre outros pontos, que prefeitos, governadores, senadores, deputados e o presidente da República sejam eleitos em um único pleito. O tema está sendo debatido em meio a propostas paralelas que tratam da reeleição e da duração dos mandatos. Juristas apontam que a unificação pode confundir o eleitor, comprometer o debate político e sobrecarregar o sistema de votação.
 
Para o professor Alexandre Azevedo, especialista em Direito Eleitoral, a proposta de unificação das eleições pode gerar consequências negativas tanto para o eleitor quanto para o processo democrático. Ele avalia que o acúmulo de cargos em disputa tende a tornar o debate ainda mais superficial do que já é em anos eleitorais.
 
“Com certeza, a unificação vai enfraquecer o debate. O eleitor não vai ter tempo nem paciência para assistir a tantos debates distintos. Emissoras terão que escolher entre cobrir candidaturas municipais ou estaduais e nacionais. Alguém vai ficar de fora”, afirma.
 
O professor destaca que, no interior, a tendência é que as disputas locais — para vereador e prefeito — dominem o espaço político, em detrimento das campanhas de deputado, senador, governador e presidente. “Na eleição municipal, o eleitor discute política com o vizinho, com o colega de trabalho. É algo mais direto, pessoal. Esse ambiente vai se sobrepor ao debate mais amplo, o que enfraquece o processo democrático”, avalia.
 
Organização
Outro ponto criticado por Alexandre Azevedo é a complexidade logística de realizar uma eleição para até nove cargos simultaneamente. O professor lembra que, em uma eventual unificação, o eleitor teria que votar para vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, governador, senador (três votos, considerando eleições coincidentes), e presidente. “Isso pode gerar filas maiores, atrasos e até confusão no momento do voto. O processo vai exigir mais tempo, mais estrutura, mais mesários, mais urnas”, diz.
 
Ele cita dados técnicos para ilustrar o impacto: enquanto o tempo médio de votação para prefeito e vereador em São Paulo foi de 24 segundos, nas eleições estaduais e federais esse tempo sobe para quase um minuto. Com a soma de todos os cargos, o tempo médio por eleitor pode ultrapassar um minuto e meio por cabine, o que exigiria ou a ampliação do tempo de votação ou o aumento dos locais de votação.
 
“Ambas as soluções implicam em mais custos e mais riscos logísticos. Além disso, a conservação das urnas eletrônicas pode ser prejudicada, já que o equipamento seria utilizado com menos frequência e por mais tempo guardado em estoque, o que aumenta a chance de falhas técnicas.”
 
Confusão
A proposta também prevê alterações como a ampliação dos mandatos para cinco anos e o fim da reeleição. No entanto, segundo o professor, a tramitação legislativa tem confundido pautas que, embora relacionadas, têm impactos e naturezas distintas.
 
“O início do debate era sobre acabar com a reeleição. Mas ao longo da tramitação, foram sendo acrescentadas questões como mandatos mais longos e unificação das eleições. Isso tudo junto dificulta o avanço. Uma pauta que tinha consenso passou a enfrentar resistência”, argumenta.
 
Além disso, Alexandre Azevedo alerta que, mesmo que a PEC seja aprovada, haverá necessidade de regulamentação posterior. “A emenda não define, por exemplo, a ordem dos votos na urna, nem como será a propaganda eleitoral com tantos cargos em disputa. Esses detalhes são fundamentais. Não dá para pensar em uma reforma tão profunda sem definir antes como ela funcionaria na prática.”
 
Análise
O cientista político Fernando Galvão, compartilha da preocupação quanto ao impacto da unificação das eleições sobre o comportamento do eleitor. Para ele, o argumento da economia — frequentemente citado pelos defensores da PEC — não se sustenta quando se considera o custo político e institucional da mudança.
 
“Não se trata apenas de gastar menos com eleição. Trata-se de preservar a qualidade do voto, a clareza das escolhas e a capacidade do eleitor de entender o que está em jogo em cada cargo. Quanto mais candidatos simultâneos, maior a chance de o eleitor votar com pressa, confusão ou desinformação”, avalia.
 
Galvão também lembra que o Brasil já enfrenta uma crise de representatividade e de confiança nas instituições, e que sobrecarregar o eleitor pode acentuar esse problema.
 
“A unificação pode reduzir o comparecimento às urnas, aumentar o número de votos nulos e brancos e favorecer campanhas de alto apelo emocional e pouca profundidade. Isso não é bom para uma democracia que precisa de mais diálogo e participação qualificada”, completa.
 
Calendário
A proposta de unificação, se aprovada até o fim do primeiro semestre de 2026, ainda não afetaria as eleições municipais de 2024. O texto prevê que prefeitos eleitos em 2028 teriam seus mandatos estendidos até 2030, para que a unificação ocorra apenas em 2030. Além disso, os prefeitos eleitos em 2024 ainda teriam direito à reeleição, o que faz com que, na prática, haja um período de transição que pode durar até uma década.
 
Para o professor Alexandre Azevedo, essa transição prolongada revela uma “engenharia política complexa” que pode gerar distorções no equilíbrio federativo e no funcionamento dos mandatos. “Estamos criando situações em que prefeitos podem ficar até dez anos no poder para ‘alinhar’ o calendário. Isso pode gerar desigualdades e instabilidade política nos municípios.”
 
Prioridades
A reportagem conversou com quatro deputados federais goianos que acompanham de perto os debates em Brasília. Todos apontaram que a proposta de unificação das eleições perdeu força nas últimas semanas.
 
Segundo os parlamentares, o foco neste momento está voltado para a aprovação do novo Código Eleitoral, que precisa ser aprovado até setembro para ter validade já nas eleições de 2026. A avaliação entre os congressistas é de que as mudanças trazidas pelo novo código podem ter reflexos mais imediatos e práticos no processo eleitoral do que a unificação do calendário.
 

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