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Fiscalização

45,9% dos casos de trabalho infantil em Goiás são em oficinas mecânicas

Trabalho envolve riscos físicos e químicos | 20.06.25 - 14:26 45,9% dos casos de trabalho infantil em Goiás são em oficinas mecânicas Metade dos casos de trabalho infantil fiscalizados entre 2017 e 2024 em Goiás envolve manutenção e limpeza de veículos (Foto: Reprodução/ Pixabay)Samuel Straioto

Goiânia - Junho é o mês nacional e internacional de combate ao trabalho infantil. Em Goiás, os números confirmam o desafio: quase metade dos casos fiscalizados entre 2017 e 2024 envolve manutenção e limpeza de veículos, com uso de solventes, óleo, ácidos e outros produtos de alto risco. Enquanto Goiânia apresenta avanços na aprendizagem profissional, municípios como Cristalina e Jataí chamam a atenção pelo número de crianças expostas a atividades perigosas.

Perfil do trabalho infantil no estado
Dados do Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil,  via plataforma SmartLab, 45,9% dos casos de trabalho infantil fiscalizados em Goiás ocorreram em oficinas de manutenção e limpeza de veículos e máquinas.

Na sequência, aparecem serviços domésticos (13,5%), coleta e beneficiamento de lixo (10,8%), e atividades industriais de risco, como fabricação de móveis e serralheria (2,7%).

A maioria das vítimas são adolescentes do sexo masculino. Apenas em 2024, 45 crianças e adolescentes foram flagrados em situação de trabalho infantil: 34 meninos e 11 meninas. Os casos se concentram entre 16 e 17 anos (31 casos), seguidos de adolescentes de 14 e 15 anos (13 casos). Uma criança com menos de 13 anos também foi identificada.

“Esses jovens estão submetidos a ambientes extremamente insalubres e perigosos. Não é só uma questão de ilegalidade, é uma violação direta ao direito à vida e ao desenvolvimento saudável”, destaca o auditor fiscal do trabalho Marcelo Nogueira.

Ele reforça que o problema é estrutural: “Há uma normalização do trabalho precoce. Muitas famílias enxergam o trabalho como uma forma de formação de caráter, ignorando os riscos físicos, emocionais e sociais.”

As atividades com maior incidência

O levantamento detalha as principais atividades econômicas com registro de trabalho infantil:

Atividade Percentual sobre os casos fiscalizados
Manutenção e limpeza de veículos e máquinas 45,9%
Serviços domésticos 13,5%
Coleta e beneficiamento de lixo 10,8%
Fabricação de móveis / serralheria / resíduos 2,7%
 
A assistente social Sandra Gomes Ramos, que acompanha famílias vulneráveis na região Norte do estado, destaca que o problema vai além dos dados. “Temos uma subnotificação crônica. Há muitos casos que nunca chegam ao radar da fiscalização porque ocorrem dentro das próprias casas ou em pequenas propriedades rurais.”

Ela relata situações dramáticas: “Já atendi adolescentes com intoxicação por produtos químicos usados em oficinas, e outros com lesões graves causadas por máquinas agrícolas. São histórias que se repetem.”

Municípios em situação de alerta
Em Cristalina, o Censo Agropecuário 2017 identificou 683 crianças menores de 14 anos em atividades agropecuárias. Em Goiânia, a Prova Brasil apontou 2.265 estudantes que declararam trabalhar fora de casa.

Além disso, Goiânia contabiliza 371 acidentes de trabalho com menores entre 2012 e 2024, segundo o SINAN. Já em Jataí, a Polícia Rodoviária Federal identificou vários pontos de risco de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes.

“Em regiões como Jataí, a vulnerabilidade social e a exploração sexual caminham lado a lado com o trabalho infantil. Muitas dessas crianças estão em situação de rua ou em lares desestruturados”, afirma Sandra Gomes Ramos.

Estrutura de proteção social: uma rede fragilizada
De acordo com o Censo SUAS, 144 dos 246 municípios goianos não possuem um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

“Sem o CREAS, fica impossível garantir o acompanhamento especializado dessas crianças e adolescentes”, avalia Maria Cristina de Oliveira, assistente social com experiência em políticas públicas.

Ela reforça que a ausência de estrutura tem efeito direto na invisibilidade dos casos: “É comum que municípios menores tenham uma equipe mínima, muitas vezes formada por apenas um ou dois profissionais. Isso compromete o fluxo de encaminhamentos e o acompanhamento social.”

Maria Cristina ainda destaca outro ponto: a dificuldade de articulação intersetorial. “O enfrentamento ao trabalho infantil não é só um problema da assistência social. Precisamos de envolvimento das escolas, da saúde, da Justiça e da sociedade civil.”

Acidentes e riscos à vida
De 2007 a 2024, 1.859 acidentes graves de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos foram notificados em Goiás. Em 2024, 186 novos casos foram registrados.

O auditor fiscal Luiz Henrique Andrade explica que muitos desses acidentes acontecem em ambientes clandestinos. “São oficinas sem condições mínimas de segurança, terrenos baldios usados para reciclagem de lixo, ou mesmo pequenas fazendas sem qualquer proteção contra riscos químicos e físicos.”

Ele destaca que, além das lesões físicas, o impacto psicológico é profundo. “Estamos falando de crianças que sofrem amputações, queimaduras ou intoxicações. O trauma é permanente.”

Segundo Andrade, um dos maiores desafios é a subnotificação. “Os números que temos são apenas a ponta do iceberg. Muitos casos sequer chegam ao sistema público de saúde ou à assistência social.”

Políticas públicas com execução limitada
Mesmo com a existência do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), a cobertura no estado ainda é limitada. Desde 2019, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) denuncia a falta de repasses federais para o AEPETI (Ações Estratégicas do PETI).

“A falta de recursos impede que os municípios desenvolvam ações educativas, de fiscalização e de apoio psicossocial”, critica a assistente social Aline Daniela Pedroso Martins, especialista em desenvolvimento social.

Ela destaca que, mesmo nos municípios com estrutura, as equipes estão sobrecarregadas. “Temos um número reduzido de técnicos para uma demanda crescente. Isso compromete o acompanhamento, a busca ativa e a elaboração de diagnósticos territoriais.”

Aline também reforça a necessidade de atuação conjunta entre assistência social e fiscalização trabalhista: “Sem um trabalho articulado, os casos vão continuar surgindo e desaparecendo na mesma velocidade.”

A aprendizagem como alternativa
Goiás tem bons índices de aprendizagem profissional, com destaque para Goiânia, que possui 12.097 aprendizes ativos, superando a meta de cotas disponíveis.

Para o advogado trabalhista Rafael Junqueira, a aprendizagem é uma ferramenta importante, mas ainda restrita aos grandes centros. “Enquanto em Goiânia e Anápolis há oportunidades, o interior segue sem acesso real a programas de qualificação.”

Ele ressalta que as cotas de aprendizagem precisam considerar o perfil socioeconômico de cada município. “É nas cidades com maior índice de vulnerabilidade social que as empresas deveriam ter um incentivo extra para contratar jovens aprendizes.”

Junqueira ainda chama atenção para a falta de interiorização dos programas: “É fundamental que o governo estadual e o Ministério do Trabalho incentivem a expansão dos cursos de aprendizagem para o interior. Sem isso, vamos continuar reproduzindo a desigualdade regional.”

Por fim, o advogado alerta para a informalidade: “Muitos adolescentes acabam em trabalhos informais porque não enxergam alternativas. E quando a porta de entrada para o mundo do trabalho é a informalidade, o risco de exploração é altíssimo.”

Um desafio proporcional ao crescimento populacional
Com 7,1 milhões de habitantes em 2022, Goiás teve um crescimento de 17,53% desde 2010, segundo o IBGE. Municípios como Senador Canedo, com aumento de 84,3%, e Valparaíso de Goiás, com 49,5%, são exemplos de cidades que hoje enfrentam pressão sobre os serviços sociais.

“Esse crescimento populacional, sem o reforço da rede de proteção, só agrava o problema”, reforça Maria Cristina de Oliveira.
Sandra Gomes Ramos conclui: “Enquanto não houver uma mudança de mentalidade e um investimento real nas políticas públicas, vamos continuar vendo essas crianças trabalhando onde deveriam estar aprendendo, brincando e se desenvolvendo.”

Para o auditor Marcelo Nogueira, a solução passa por mais fiscalização e maior responsabilização de empregadores. “Não podemos tratar o trabalho infantil como uma fatalidade. É uma violação de direitos que exige ação imediata.”


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