A Redação
Goiânia - Nos últimos anos, uma tendência estética específica tem se destacado em diversos segmentos da cultura pop, do design gráfico à moda, passando por jogos e redes sociais: o visual açucarado. Cores vibrantes, formas arredondadas, brilhos exagerados e uma atmosfera que lembra doces, chicletes e sobremesas viraram linguagem própria — uma forma de comunicar humor, ironia e até subversão.
Muito além do simples “fofo”, essa estética evoca uma mistura complexa de nostalgia e exagero. Inspirada por doces infantis, desenhos animados e cultura pop dos anos 90 e 2000, ela se manifesta em clipes de música, vitrines, filtros digitais e, principalmente, no design de produtos voltados a públicos jovens. A doçura visual tornou-se um código afetivo e expressivo que vai muito além da superfície.
Adoçando a crítica
Em um mundo cada vez mais saturado por imagens e estímulos, essa estética colorida funciona como uma resposta sensorial imediata. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, ela nem sempre é sinônimo de superficialidade. Muitos criadores utilizam a aparência açucarada justamente para mascarar — ou destacar — mensagens mais críticas.
É o caso de artistas visuais que usam tons pastéis e personagens “kawaii” para falar de temas como ansiedade, consumo excessivo e solidão digital. O contraste entre o visual doce e o conteúdo amargo cria uma camada extra de leitura: o excesso de doçura funciona como ruído estético que convida à reflexão.
O universo do “candycore”
No TikTok e no Instagram, essa linguagem estética ganhou o nome de “candycore” — uma vertente da chamada cultura “core” que se apropria de elementos infantis, doces e coloridos para construir identidades visuais e experiências sensoriais. É comum encontrar perfis com paletas fixas de rosa, lilás e azul-claro, onde tudo remete a balas, confeitos e gelatinas.
Essa tendência se estendeu ao design de jogos.
Um exemplo claro é o game Sugar Rush, que se apropria intencionalmente desse universo colorido para criar uma experiência visual imersiva e divertida. O apelo estético é parte da proposta — não apenas uma camada superficial, mas um elemento de engajamento emocional e sensorial.
O boom do design lúdico
No design gráfico, a tendência se manifesta em fontes arredondadas, elementos 3D simulando gelatina ou açúcar cristalizado, e paletas que remetem a produtos de confeitaria. Essa linguagem já é adotada por marcas que buscam dialogar com o público Z, que valoriza experiências visuais imersivas e emocionalmente carregadas.
A embalagem de um produto, por exemplo, pode hoje se parecer com uma sobremesa visual. Cores açucaradas são capazes de transmitir uma sensação tátil, quase gustativa, antes mesmo do consumo. Isso não acontece por acaso: o cérebro humano associa tons específicos a sabores, e marcas têm explorado isso de forma estratégica.
Entre o retrô e o hiperdigital
Curiosamente, a estética doce consegue unir o retrô ao hiperdigital. De um lado, ela resgata memórias da infância — de comerciais de TV, chicletes de cor neon, brinquedos com cheiros artificiais. De outro, incorpora elementos gráficos de plataformas digitais atuais, como brilho “glitch”, animações fluidas e transições psicodélicas.
Esse cruzamento cria uma sensação de familiaridade misturada com fantasia, como se estivéssemos dentro de um universo paralelo onde tudo é exageradamente doce — e isso é, por si só, uma forma de escape ou ironia sobre o mundo real.
Doçura como escudo e como manifesto
Para uma geração exposta a crises climáticas, pressões sociais e excesso de informação, vestir-se ou habitar esteticamente o universo doce pode ser uma forma de resistência afetiva. A doçura não é ingenuidade, mas blindagem. É um grito silencioso em cores berrantes. Ao adotar essa estética, jovens criam um ambiente visual onde podem respirar, brincar, satirizar — ou simplesmente existir com leveza.
O doce, nesse contexto, torna-se também linguagem política. Ele desafia normas de seriedade, rompe com o culto à produtividade e propõe uma sensibilidade mais emocional, visual e plural. Cores e brilhos, usados em excesso, falam mais sobre o tempo em que vivemos do que muitos discursos racionais.
Uma tendência que continua se reinventando
Embora muitos apontem para o fim da era “fofa” a cada nova temporada de tendências, o visual açucarado segue se reinventando. Ele se funde com outras correntes estéticas, como o “weirdcore”, o “cybery2k” e o “bubblepunk”, gerando híbridos criativos que exploram o contraste entre doçura e estranheza.
O apelo visual dessa linguagem parece longe de se esgotar — porque ele vai além da estética: é um modo de sentir, narrar e reagir ao mundo. E, no fim das contas, é isso que torna o universo açucarado tão instigante. Não é apenas sobre cor ou forma. É sobre afeto, ironia, memória e imaginação — ingredientes que continuam encantando os olhos e a mente de uma geração visualmente voraz.