Samuel Straioto
Goiânia - Cerca de 30% dos municípios goianos correm o risco de perder a complementação federal do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em 2026, caso não regularizem, até 31 de agosto de 2025, o envio de dados fiscais e educacionais de 2024. A falha impede o cálculo do investimento por aluno e desabilita o município para receber a parcela da União. A situação de Goiás preocupa, pois é superior à média nacional. Em todo o Brasil, 926 municípios estão hoje inabilitados ao Valor Anual Total por Aluno (VAAT), o equivalente a 16,6%.
Dos 246 municípios goianos, 76 não transmitiram dados obrigatórios aos sistemas federais de controle orçamentário e educacional, segundo levantamento atualizado pelo Ministério da Educação (MEC). Com isso, estão temporariamente inabilitados a receber a complementação-VAAT, parcela da União destinada a redes de ensino com menor capacidade de investimento por aluno. A complementação-VAAT representará 10,5% da receita total do Fundeb em 2026.
“A habilitação ao VAAT é o ponto de partida para assegurar a equidade no financiamento educacional. Sem isso, municípios pequenos, especialmente os mais dependentes de transferências federais, entram em colapso orçamentário na educação”, alerta Luciana Pires, consultora técnica em financiamento educacional.
A falha está ligada ao não envio da Matriz de Saldos Contábeis (MSC) ao Siconfi, da Secretaria do Tesouro Nacional, e à omissão ou inconsistência de dados no Siope (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação). Ambas as obrigações são previstas pela Lei nº 14.113/2020, que regulamenta o novo Fundeb.
A situação atinge 30,8% das cidades goianas, muitas delas de pequeno porte, como Amaralina, Bonópolis, Itapirapuã, Simolândia, Taquaral de Goiás e Vianópolis. Nessas localidades, o Fundeb é, frequentemente, um dos principais meios de sustentar as despesas básicas com a educação infantil e o ensino fundamental.
O que é o Fundeb e como ele funciona
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é a principal política de financiamento da educação básica pública no Brasil. Criado por emenda constitucional e regulamentado pela Lei 14.113/2020, o Fundeb reúne recursos vinculados à educação provenientes de impostos estaduais e municipais, e conta com complementações da União, distribuídas de forma a equilibrar os investimentos entre as redes.
O fundo é composto por três modalidades de repasse federal:
VAAF – Valor Aluno Ano por Fundamento: complementa redes que não atingem o valor mínimo com os próprios impostos
VAAT – Valor Anual Total por Aluno: considera todo o investimento por aluno, incluindo outras fontes
VAAR – Valor Aluno Ano Resultado: vinculado a metas de aprendizagem e gestão eficiente
A complementação Valor Anual Total por Aluno (VAAT), que será responsável por 10,5% de toda a receita do Fundeb em 2026. Para ter acesso a essa fatia, o município precisa comprovar, por meio dos sistemas oficiais, o volume de investimentos próprios e os dados contábeis do exercício anterior. Se o VAAT municipal ficar abaixo do mínimo nacional estabelecido e os critérios forem cumpridos, a União complementa o valor por aluno.
Dependência
Em cidades pequenas, onde a arrecadação local é baixa e há dificuldade de manter uma estrutura educacional completa, o Fundeb representa, muitas vezes, mais de 80% da receita da educação. Quando o município se torna elegível ao VAAT, os recursos federais complementam essa lacuna, permitindo manter escolas abertas, pagar professores e oferecer transporte e alimentação escolar.
“O VAAT é o instrumento que impede que uma criança do interior de Goiás tenha menos investimento educacional que uma criança de uma capital. Sem a complementação federal, a equidade entre redes desaparece”, explica Luciana Pires, especialista em financiamento educacional e pesquisadora da Repp (Rede de Estudos em Políticas Públicas).
Segundo ela, a exclusão de um município dessa complementação afeta diretamente os estudantes mais vulneráveis.
“Não é uma perda abstrata. São escolas que deixam de ser reformadas, profissionais que não são contratados, materiais que não são adquiridos. E isso se reflete em defasagem de aprendizagem”, afirma.
De acordo com a consultora, a exclusão da complementação afeta diretamente os estudantes mais vulneráveis:
“Não é uma questão contábil. Estamos falando de escolas que deixam de ser construídas ou reformadas, professores não contratados, merenda que não chega. E tudo isso impacta o direito à educação com qualidade.”, argumentou Luciana Pires.
Consequências
A exclusão da complementação-VAAT não compromete o recebimento da parte estadual e municipal do Fundeb, mas diminui significativamente a capacidade de investimento educacional nas cidades afetadas.
Para as redes que dependem majoritariamente da complementação da União, essa perda pode resultar em: Suspensão de contratações e nomeações de professores; redução de turnos escolares ou fechamento de escolas; atrasos em obras e reformas; comprometimento do transporte e da merenda escolar e estagnação em programas de alfabetização e combate à evasão escolar.
Regularização
A regularização é possível, mas exige providências rápidas. O prazo final para envio dos dados é 31 de agosto de 2025, conforme os §§ 4º e 5º do artigo 13 da Lei 14.113/2020. O FNDE publica, desde abril, listas mensais com os entes inabilitados e intensificará os alertas a partir de agosto, com atualizações semanais.
A falta de regularização até a data limite tornará definitiva a exclusão do município no cálculo do VAAT, comprometendo não só a complementação, mas também o acesso a outras políticas públicas federais vinculadas à educação.
“A transparência fiscal é um dever legal, mas também uma ferramenta de justiça social. Um município que deixa de cumprir essa obrigação compromete as oportunidades educacionais da próxima geração”, reforça Luciana Pires.
Goiás entre os estados mais afetados
O cenário não é exclusivo de Goiás. Em todo o Brasil, 926 municípios estão hoje inabilitados ao VAAT. A Bahia lidera o ranking, com 99 cidades. Tocantins, Paraná e Goiás aparecem empatados, cada um com 76 municípios na lista de risco.
Embora a situação ainda seja reversível, especialistas alertam que a falta de estrutura técnica nas administrações locais pode dificultar a regularização. Para Luciana Pires, é fundamental que estados e entidades federativas prestem assistência aos gestores municipais.
“Não é só uma questão de responsabilidade local. O sistema federativo precisa oferecer suporte aos entes mais frágeis, sob pena de ampliar o abismo educacional que o próprio Fundeb tenta corrigir”, ressalta a especialista. Luciana conclui explicando que é necessário ajudar os municípios a resolver a pendência. “Não basta apontar a falha. Caso contrário, estaremos apenas penalizando os estudantes por erros administrativos.”
Municípios goianos com pendências no VAAT 2026
Indicador
|
Dado
|
Total de municípios em Goiás
|
246
|
Municípios inabilitados ao VAAT
|
76
|
Percentual de municípios afetados
|
30,8%
|
Prazo final para envio de dados
|
31 de agosto de 2025
|
Modalidade afetada
|
Complementação-VAAT da União
|
Percentual do Fundeb representado (2026)
|
10,5% da receita total do fundo
|