Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 14º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Organização Urbana

Tentativas de limpar fachadas históricas de Goiânia já duram 22 anos

Mabel prometeu executar a lei | 24.08.25 - 07:56 Tentativas de limpar fachadas históricas de Goiânia já duram 22 anos Fachadas no Centro de Goiânia (Foto: Anna Stella/jornal A Redação)

Samuel Straioto

Goiânia - As tentativas de limpar as fachadas dos prédios históricos de Goiânia do excesso de letreiros publicitários completam 22 anos sem efeitos práticos. Agora, o prefeito Sandro Mabel (União) promete finalmente aplicar a Lei das Fachadas, em vigor desde 2020, mas nunca executada. O anúncio foi feito durante evento recente sobre preservação arquitetônica.
 

(Foto: Anna Stella/jornal Redação)
 
Criada para proteger os edifícios Art Déco da capital, que formam o segundo maior acervo mundial do estilo, a legislação enfrenta obstáculos desde o primeiro projeto em 2003. Mesmo sancionada há mais de cinco anos pelo então prefeito Iris Rezende, a norma segue sem execução efetiva e volta a ser compromisso da atual gestão.
 
Histórico
2003 - Apresentação do Projeto Cara Limpa na Câmara Municipal, primeira iniciativa para regulamentar a limpeza de fachadas em Goiânia
 
2016 - Aprovação da Lei 9.857/16 (projeto Eco Goiânia) estabelecendo diretrizes gerais para qualidade visual urbana
 
2018 - Criação de programa piloto para adesão voluntária de comerciantes durante governo Iris Rezende
 
2018 - Prefeitura estuda concessão de desconto no IPTU para proprietários que adequarem fachadas
 
2020 - Sanção da atual Lei das Fachadas Limpas pelo prefeito Iris Rezende em janeiro
 
2021 - Prazo original para adequação dos estabelecimentos expira sem resultados
 
2023 - Último prazo de prorrogação do programa de adesão expira sem implementação
 
2025 - Prefeito Sandro Mabel anuncia intenção de aplicar a lei existente
 
Histórico
As primeiras discussões sobre uma legislação específica para limpeza de fachadas em Goiânia remontam ao início dos anos 2000, quando urbanistas e arquitetos começaram a alertar sobre a deterioração visual do centro da cidade. O projeto Cara Limpa foi apresentado em 2003 na Câmara Municipal, inspirado em experiências de São Paulo e outras capitais brasileiras.

(Foto: Anna Stella/jornal Redação)
 
Durante o governo de Iris Rezende, diversas tentativas foram feitas para regulamentar a questão. Em 2018, chegou a ser criado um programa piloto para adesão voluntária de comerciantes, mas a iniciativa não prosperou devido à baixa adesão e falta de fiscalização efetiva. O prazo para adesão ao programa foi prorrogado diversas vezes, chegando até 2023, sem resultados concretos.
 
A atual lei foi sancionada em janeiro de 2020 pelo então prefeito Iris Rezende, estabelecendo parâmetros para a preservação das fachadas históricas e criando mecanismos de incentivo para proprietários de imóveis comerciais adequarem suas propriedades às normas urbanísticas. No entanto, a gestão anterior não publicou o decreto regulamentador necessário para detalhar procedimentos e penalidades, travando a fiscalização.
 
Promessas
O prefeito Sandro Mabel anunciou a intenção de finalmente aplicar a lei das fachadas em Goiânia. Durante o evento “Art Déco em Debate”, realizado no início da semana no Teatro Goiânia, Sandro Mabel afirmou que “vai limpar as fachadas” para valorizar o Art Déco, sem detalhar prazos ou metodologia para implementação.
 
“A implementação dessa lei seria um avanço enorme para a preservação do acervo Art Déco de Goiânia. Precisamos retirar a poluição visual que esconde essas belezas arquitetônicas e devolver o protagonismo ao patrimônio da cidade”, explica o urbanista Miguel Correia.
 

(Foto: Anna Stella/jornal Redação)
 
O especialista destaca que “com a correta aplicação de leis de preservação e limpeza visual, Goiânia pode não apenas valorizar seu acervo, mas também atrair mais investimentos no turismo cultural”. Correia enfatiza o potencial da capital goiana: “O potencial de Goiânia é imenso. Estamos falando do segundo maior acervo do mundo em Art Déco. Isso deveria ser um cartão de visitas da cidade, e não algo que fica escondido.”
 
Desafios
A poluição visual é um dos maiores desafios para a preservação do patrimônio Art Déco em Goiânia. As fachadas históricas de edifícios icônicos são frequentemente encobertas por letreiros comerciais, o que compromete a visibilidade e o reconhecimento dessas construções como parte importante da história da cidade.
 
Mais de cinco anos depois da sanção da lei, fachadas dos setores Central e Campinas continuam tomadas por placas despadronizadas. A poluição visual esconde construções Art Déco, patrimônio reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
 
Uma caminhada pelas principais vias do centro histórico revela a dimensão do problema: a maioria dos edifícios históricos possui suas fachadas comprometidas por publicidade irregular. Os principais pontos críticos estão concentrados nas avenidas Goiás, Anhanguera e no entorno da Praça Cívica, onde se encontram os mais importantes exemplares da arquitetura Art Déco goianiense.
 
A resistência do setor comercial também representa um obstáculo significativo. Empresários temem custos elevados sem contrapartidas, alegando que a retirada de letreiros e faixas poderia prejudicar a visibilidade de seus negócios. A falta de campanhas educativas e de um plano de transição gradual contribui para essa resistência.
 
A Lei das Fachadas Limpas: a solução para Goiânia?
A experiência de outras capitais brasileiras demonstra que leis similares podem ser eficazes quando bem implementadas. São Paulo, por exemplo, conseguiu transformar significativamente a paisagem urbana com a Lei Cidade Limpa, aprovada em 2006. A norma paulistana proibiu a publicidade externa e estabeleceu critérios rígidos para comunicação visual, resultando em uma melhoria substancial na qualidade visual da cidade.
 
No Rio de Janeiro, a Lei de Fachadas também trouxe resultados positivos, especialmente na zona central e em bairros históricos como Santa Teresa e Lapa. A combinação entre fiscalização rigorosa e incentivos fiscais foi fundamental para o sucesso da implementação.
 
O Programa de Ordenação dos Engenhos Publicitários de Goiânia estipula área máxima de 0,15 m² de anúncio para cada metro linear da testada do lote, altura mínima de 2,10 m e proíbe faixas ou banners fora do local de atividade. Totens sobre o passeio só são permitidos a partir de 2,50 m, e edifícios com mais de quatro pavimentos podem instalar um segundo letreiro no topo.
 
Tributário
Do ponto de vista tributário, especialistas defendem que incentivos fiscais seriam fundamentais para viabilizar a implementação da lei. O advogado tributarista Carlos Eduardo Martins explica que “a concessão de benefícios como redução do IPTU, isenção de taxas municipais ou até mesmo créditos tributários para empresas que adequarem suas fachadas seria um estímulo poderoso para a adesão voluntária”.
 
A lei original concedia isenção de IPTU no exercício seguinte aos lojistas que se adequassem até janeiro de 2021; o benefício poderia chegar a dois anos caso a reforma incluísse pintura e revitalização da fachada. No entanto, esses incentivos nunca foram oferecidos devido à falta de regulamentação.
 
Segundo o especialista, modelos similares já são aplicados em outras cidades brasileiras com sucesso. “Em São Paulo, empresas que investem na preservação do patrimônio histórico podem obter reduções de até 50% no IPTU. Em Goiânia, esse tipo de incentivo poderia acelerar significativamente o processo de limpeza visual”, argumenta Martins.
 
O tributarista também destaca a possibilidade de criação de um programa municipal de incentivos específico para o setor: “A prefeitura poderia estabelecer parcerias com o setor privado, oferecendo contrapartidas tributárias para investimentos em restauração e adequação de fachadas. Isso geraria um ciclo virtuoso, onde a cidade ganha em qualidade urbana e os empresários têm retorno financeiro”.
 
Outra proposta seria a criação de um fundo municipal alimentado por parte da arrecadação do IPTU de imóveis comerciais, destinado exclusivamente ao financiamento de projetos de restauração de fachadas históricas. “Esse modelo já funciona em cidades europeias e poderia ser adaptado à realidade goianiense”, sugere o advogado.
 
Patrimônio
O acervo Art Déco de Goiânia é considerado patrimônio cultural de valor inestimável. Construída na década de 1930 como capital planejada de Goiás, a cidade foi projetada seguindo os preceitos urbanísticos da época, resultando em um conjunto arquitetônico único no Brasil. Edifícios como o Palácio das Esmeraldas, o Grande Hotel, o Cine Teatro Goiânia e dezenas de outros imóveis representam marcos dessa herança arquitetônica.
 
O Projeto Cara Limpa já demonstrou resultados positivos em algumas intervenções, onde foram restauradas os revestimentos em argamassas, ornamentos e esquadrias das fachadas. As intervenções danosas tais como grandes letreiros e outras intervenções que descaraterizavam ou escondiam as fachadas foram retiradas.
 
A degradação visual desse patrimônio afeta não apenas a estética urbana, mas também o potencial turístico e econômico da cidade. Estudos realizados pela Universidade Federal de Goiás apontam que o turismo cultural poderia ser uma importante fonte de receita para a capital, especialmente considerando o interesse crescente por roteiros arquitetônicos e patrimoniais.
 
A preservação das fachadas Art Déco vai além da questão estética. Trata-se de manter viva a memória urbana de Goiânia e garantir que as futuras gerações possam conhecer e valorizar essa herança cultural única.
 
Fiscalização
Um dos principais gargalos para a implementação da Lei das Fachadas é a estrutura de fiscalização municipal. Sem a etapa formal do decreto regulamentador, os incentivos fiscais também nunca foram oferecidos e comerciantes permanecem sem orientação clara.
 
Atualmente, a Secretaria Municipal de Fiscalização conta com apenas 12 fiscais para atender toda a região central da cidade, número considerado insuficiente para garantir o cumprimento efetivo da legislação. Quem não se enquadrasse nas normas ficaria sujeito a multas de R$ 500 a R$ 2 mil por metro quadrado de publicidade irregular, mas sem a regulamentação, essas penalidades não podem ser aplicadas.
 
Especialistas defendem a necessidade de criação de uma equipe especializada em patrimônio histórico, com formação técnica adequada para avaliar projetos de comunicação visual em edifícios Art Déco. Não se trata apenas de retirar letreiros irregulares, mas de orientar comerciantes sobre como adequar sua comunicação visual respeitando as características arquitetônicas dos imóveis.
 
A utilização de tecnologia também poderia auxiliar na fiscalização. Sistemas de monitoramento por câmeras e aplicativos para denúncias de irregularidades já são utilizados com sucesso em outras cidades. Em Goiânia, a implementação de ferramentas digitais poderia otimizar o trabalho dos fiscais e aumentar a eficiência do controle urbano.
 
Perspectivas
O anúncio do prefeito Sandro Mabel sobre a implementação da lei representa uma nova oportunidade para que Goiânia resgate sua identidade visual. A Prefeitura estuda se as intervenções serão diretas, exigidas dos proprietários ou apoiadas por novos incentivos. A inclusão da Lei das Fachadas entre as pautas da atual gestão municipal pode representar um avanço, mas especialistas alertam para a necessidade de planejamento detalhado e recursos adequados.
 
A criação de um cronograma de implementação gradual, começando pelas vias mais importantes do centro histórico, poderia ser uma estratégia eficaz. "É fundamental que a aplicação da lei seja feita de forma educativa e progressiva, dando tempo para que os comerciantes se adequem sem prejudicar suas atividades", sugere o urbanista Miguel Correia.
 
O sucesso da implementação dependerá do engajamento da sociedade civil e dos empresários locais. Campanhas de conscientização sobre a importância do patrimônio Art Déco e os benefícios da limpeza visual urbana são essenciais para criar um ambiente favorável à aplicação da lei.
 
A parceria com universidades locais, especialmente os cursos de Arquitetura e Urbanismo, poderia contribuir com estudos técnicos e propostas de intervenção específicas para cada edifício histórico. Essa colaboração acadêmica agregaria conhecimento científico ao processo de implementação da lei.
 
Futuro
Para Correia, o futuro da Lei das Fachadas em Goiânia está diretamente relacionado à capacidade da gestão municipal de transformar anúncios em ações concretas. Ele analisa que após 22 anos de tentativas frustradas, a cidade precisa de uma abordagem diferenciada, que combine vontade política, recursos adequados e participação social.
 
“A experiência acumulada ao longo dessas duas décadas pode ser aproveitada como aprendizado para evitar os erros do passado. A análise dos motivos que levaram ao insucesso das tentativas anteriores é fundamental para construir uma estratégia sólida e duradoura”, disse.
 
O urbanista analisa que o envolvimento do setor privado através de incentivos fiscais e parcerias estratégicas pode ser o diferencial desta nova tentativa. Para ele, a criação de um ambiente favorável aos negócios, combinada com a preservação do patrimônio histórico, representa um modelo de desenvolvimento urbano sustentável e economicamente viável.
 
Correia completa destacando que a implementação efetiva da Lei das Fachadas pode redefinir a paisagem urbana de Goiânia, reduzir a poluição visual e ressaltar o acervo arquitetônico da capital. O desafio permanece, e os próximos meses serão decisivos para determinar se desta vez a lei sairá definitivamente do papel.
 
 
 

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
  • 24.08.2025 09:15 Valeria Malta segurado

    Gostaria de saber onde posso fazer denúncia de fachada.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351