Fernando Dantas
Especial para o jornal A Redação
Goiânia - Em 2021, aos 35 anos de idade, a professora goiana Iêda Fonseca chegou a pesar 160 quilos. Desde jovem, ela sempre enfrentou desafios com o peso, mas nunca havia alcançado esse nível na balança. O susto foi maior porque a obesidade chegou a ser de grau III, considerada mórbida, resultando em problemas de saúde como hipertensão, pré-diabetes, esteatose hepática (gordura no fígado), ácido úrico alto, além de limitações para realizar atividades consideradas rotineiras, como subir escadas, calçar sapatos, vestir roupa e até passear.
Entretanto, na época, o que mais a preocupou foi a pandemia da Covid-19. “Estava em uma fase de muito medo por causa da doença. Falavam bastante que o obeso teria poucas chances de sobrevivência se pegasse a Covid. Como eu lecionava, chegou um momento que precisava voltar ao trabalho presencial e, por causa dessa comorbidade, não foi possível”, relata.
Para melhorar a qualidade de vida, Iêda decidiu se submeter à cirurgia bariátrica. Ela já estudava o procedimento há anos, mas quando realmente tomou a decisão, passou primeiro por todas as etapas pré-operatórias, que demandaram a realização de atividade física e dieta para perder 10% do peso – necessários antes do procedimento cirúrgico – e de exames para obter laudos médicos de profissionais como cardiologista, endocrinologista, pneumologista, cirurgião, fisioterapeuta, nutricionista e até psicóloga. “É preciso estar tudo certo para passar pela cirurgia, inclusive a mente. Em 2004, houve a possibilidade de eu realizar o procedimento, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), mas o medo me impediu. Deixei a fila, porque não tive coragem de fazer a cirurgia. Depois, em 2018, novamente tive a oportunidade, mas não me senti segura. Tinha medo até mesmo da minha imagem pós-cirurgia, porque nunca fui magra”, destaca.
Já nos primeiros meses após o procedimento cirúrgico, houve melhoras nos índices clínicos da professora, desde queda na glicemia até redução da gordura no fígado do grau 3 para 1. “Inclusive, pude parar de tomar remédio para pressão alta”, lembra. Hoje, aos 39 anos de idade, Iêda celebra quatro anos da cirurgia, mas alerta que, apesar dos resultados positivos, quem opta pela bariátrica precisa ter consciência da necessidade de atenção e acompanhamento por toda a vida. “É todo um cuidado com a alimentação, com o que pode ou não comer, reposição de vitaminas e minerais, entre outros. Quem me pergunta, falo que a bariátrica não é mágica, não é fácil. É algo que exige cuidado para sempre”, orienta.
Professora Iêda Fonseca antes da cirurgia, com 160 quilos, e após o procedimento (Fotos: Divulgação)
A experiência dela mostra como a cirurgia bariátrica vai além da estética, promovendo melhorias na saúde e devolvendo qualidade de vida para a população que enfrenta a obesidade ou associada com outras doenças. De acordo com informações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), a bariátrica é o único tratamento capaz de promover perda de peso significativa e sustentada a longo prazo, além de ser altamente eficaz no controle, estabilização e até na remissão de doenças associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, apneia do sono, gordura no fígado e fibrose hepática.
Pesquisas apontam também que pode trazer alívio em relação a dores articulares, melhora do refluxo gastroesofágico e redução notável do risco de alguns tipos de câncer e de doenças cardiovasculares, como infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC). “Estudos mostram que a bariátrica reduz em torno de 50% os eventos cardiovasculares em comparação com cerca de 20% das melhores medicações disponíveis. Isso significa que a cirurgia não apenas emagrece, mas salva vidas. Pacientes relatam mais energia, mobilidade e autoestima, o que impacta também no convívio social e na saúde mental”, explica o diretor da SBCBM e cirurgião bariátrico Leonardo Sebba, que atua há mais de 20 anos em Goiânia e já realizou mais de seis mil cirurgias.
Apesar dos benefícios, é importante destacar que a cirurgia bariátrica não é indicada e permitida para todas as pessoas. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério da Saúde definem critérios claros e rigorosos em relação a quem pode passar pelo procedimento, inclusive sobre o Índice de Massa Corporal (IMC) – peso em quilos dividido pela altura ao quadrado –, e o local onde deve ser feito o procedimento. Em maio deste ano, o CFM publicou a Resolução nº 2.429/25, com mudanças para a realização da cirurgia bariátrica e metabólica em adultos e adolescentes no país. A autorização estabelece novos parâmetros para o tratamento cirúrgico da obesidade e da doença metabólica.
Segundo o cirurgião Leonardo Sebba, a principal mudança foi ampliar as indicações, permitindo o acesso para pacientes com IMC a partir de 30 kg/m², desde que apresentem doenças associadas e não tenham obtido sucesso com o tratamento clínico. “Isso aproxima o Brasil das recomendações internacionais e reconhece a cirurgia como tratamento precoce e preventivo. Permite ainda que pacientes que antes precisavam esperar agravar sua condição agora possam ser tratados antes, evitando complicações graves. Isso é fundamental, porque quanto mais cedo se intervém, maiores são os benefícios e menor o risco de sequelas irreversíveis. Não se justifica esperar a piora da doença para tratá-la”, enfatiza.
Arte: Fernando Salazar
O fundador do Instituto Francisco Rebouças de Cirurgia Bariátrica e chefe do Serviço de Cirurgia Bariátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Francisco Rebouças, afirma que a procura pela cirurgia bariátrica no Brasil começou a crescer exponencialmente a partir dos anos 2000, impulsionada principalmente pela consolidação da técnica laparoscópica – cirurgia por vídeo, menos invasiva – e pelo reconhecimento da cirurgia como um tratamento eficaz e seguro para a obesidade. “De lá para cá, o perfil do paciente mudou. Se antes a maioria buscava a cirurgia em estágios avançados da obesidade, hoje vemos mais pessoas buscando o procedimento antes de chegar a um grau extremo, o que aumenta as chances de sucesso e reduz os riscos”, explica.
O cirurgião bariátrico, que atua na área há 15 anos, acrescenta que a prática médica também evoluiu, com a exigência de equipes multidisciplinares – endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos etc. – e foco maior no acompanhamento de longo prazo do paciente. Hoje, são dois tipos principais de cirurgia: o Bypass Gástrico (ou ponte gástrica) e a Sleeve (Gastrectomia Vertical). Os tratamentos também passam por avanços tecnológicos notáveis, que contribuem para a segurança e eficácia cirúrgica, envolvendo robótica, melhoria de instrumentos cirúrgicos e técnicas endoscópicas minimamente invasivas.
Arte: Fernando Salazar
Com o passar dos anos, o Brasil se tornou o segundo país do mundo em número de cirurgias bariátricas realizadas anualmente, atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo levantamento da SBCBM, entre 2020 e 2024, o Brasil realizou 291.731 cirurgias bariátricas, sendo 260.380 por meio de planos de saúde e 31.351 procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O número de cirurgias particulares gira em torno de 10 mil procedimentos por ano.
Isso significa que, no acumulado dos últimos quatro anos, houve um crescimento de 42,4% no número de cirurgias bariátricas no país. Em Goiás e, especificamente, em Goiânia, a procura acompanha a tendência nacional de crescimento, relata o cirurgião Francisco Rebouças. “Isso reflete não apenas o aumento da prevalência da obesidade na população, mas também uma maior conscientização sobre os benefícios da cirurgia como uma solução duradoura para essa condição e suas doenças associadas”.
Divulgado em março deste ano, o Atlas Mundial da Obesidade 2025, da Federação Mundial da Obesidade, revela que 68% da população brasileira adulta possui excesso de peso, sendo 31% com obesidade e 37% com sobrepeso. Já dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, apontam que 34,66% da população está com algum nível de obesidade, de acordo com dados de 2024.
“Esses números são alarmantes e têm um impacto direto na demanda por cirurgias bariátricas. Uma parte significativa dessa população com sobrepeso e obesidade evoluirá para a obesidade grave, necessitando de intervenção. A cirurgia bariátrica se torna, portanto, uma ferramenta vital e cada vez mais procurada para conter o avanço das doenças crônicas e degenerativas ligadas à obesidade, que representam um enorme desafio para a saúde pública”, destaca o cirurgião Francisco Rebouças.
Diretor da SBCBM, cirurgião Leonardo Sebba destaca que o tratamento bariátrico representa ganhos para saúde, social e economia (Foto: Divulgação)
Diretor da SBCBM, Leonardo Sebba acrescenta que cada vez mais pacientes buscam a cirurgia não apenas para emagrecer, mas para prevenir complicações graves. “É um movimento inevitável, pois quanto maior a prevalência da obesidade, maior a necessidade de tratamentos eficazes como a bariátrica. Infelizmente, o número de pessoas que são operadas é muito baixo. Em torno de 1% da população elegível para o procedimento se beneficia da cirurgia”, revela.
Além de benefícios à saúde, a cirurgia bariátrica traz impacto positivo para a economia, já que a obesidade impõe uma grande carga financeira ao sistema público brasileiro. “Sobrecarrega o sistema de saúde com custos elevados, principalmente pelo tratamento de doenças associadas, como diabetes, infartos e AVCs. A bariátrica, ao reduzir peso e comorbidades, diminui internações, uso de medicamentos e invalidez precoce. Portanto, é um investimento em saúde pública que gera retorno econômico e social”, defende Sebba.
Arte: Fernando Salazar
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia bariátrica. No entanto, o acesso para a população mais carente ainda é um desafio significativo. De acordo com especialistas da área, as principais dificuldades incluem longas filas de espera, número insuficiente de hospitais credenciados com equipes especializadas e limitação de recursos. Atualmente, em todo o Brasil, existem 7,7 mil hospitais em 5.568 municípios. Desse total, apenas 98 serviços realizam cirurgia bariátrica e metabólica. “A fila é longa e muitas vezes ultrapassa anos. Existe um esforço para ampliar a oferta, mas ainda há gargalos, principalmente relacionados à estrutura hospitalar e à limitação de equipes habilitadas”, reforça o diretor da SBCBM, Leonardo Sebba.
Ele também lista avanços. “Em alguns estados houve ampliação de serviços e maior capacitação de profissionais, o que mostra que estamos caminhando na direção certa”. Um exemplo é o Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), filiado à Rede Ebserh [Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares], que, no fim de agosto, realizou a primeira cirurgia bariátrica pelo SUS em Dourados, no estado de Mato Grosso do Sul. A paciente Cláudia Barros, de 45 anos, que era acompanhada desde 2017 pela área de endocrinologia do HU, foi a beneficiada pelo procedimento.
O cirurgião Marcos Alexandre de Souza, da Unidade de Clínica Cirúrgica do HU-UFGD/Ebserh, foi o responsável pelo tratamento. Segundo ele, no HU há uma equipe multiprofissional que acolhe e acompanha todos os pacientes encaminhados pelo sistema de regulação durante a jornada bariátrica. “O acompanhamento multiprofissional é importante, porque estamos tratando uma doença complexa, multifatorial e que não tem cura, mas tem controle. Dessa forma, é importante associar o tratamento cirúrgico ao cuidado integrado do paciente”, afirma.
O cirurgião espera que a unidade agora possa contribuir de forma efetiva ao disponibilizar o tratamento aos pacientes de Dourados, que antes eram referenciados para outras cidades, como Campo Grande e até Três Lagoas. “Nosso próximo passo é expandir o serviço e acolher os pacientes na nossa macrorregião. Além disso, numa próxima etapa, pretendemos trabalhar com campanhas educativas sobre obesidade, incluindo prevenção e tratamento”.
HU-UFGD/Ebserh tem a meta de realizar cerca de 100 cirurgias por ano (Foto: HU-UFGD)
O superintendente do HU-UFGD/Ebserh, Hermeto Paschoalick, acrescenta que a unidade é referência em alta complexidade, conseguindo concentrar tecnologia e força de trabalho para as ações especializadas em saúde. “A ampliação do atendimento especializado atende às demandas da população em tempo oportuno, além de formar novos especialistas já fixados no território, por meio dos programas de residência”.
A meta da unidade é a realização de cerca de 100 cirurgias por ano. Para alcançar esse objetivo, Hermeto informa que foi construído um protocolo que vai da avaliação da elegibilidade até o cuidado pós-operatório. “A jornada do usuário se inicia na atenção primária, passando pelo serviço de tratamento da obesidade do município, onde já se inicia a transição para os ambulatórios especializados no hospital, preparo cirúrgico, o procedimento propriamente dito e consultas iniciais do pós-operatório. O seguimento a longo prazo volta a ser pela atenção primária, que deverá coordenar todo o processo do tratamento, em articulação com os serviços especializados do HU, também com uso da telemedicina”, orienta.
Há ainda planos de ampliar a estrutura ou equipe para atender à demanda crescente, formando mais profissionais especialistas para trabalhar na região. “Nosso trabalho conjunto com as Secretarias Municipais e Estadual de Saúde atinge toda a Macrorregião Cone-Sul do estado, com 33 municípios e população de quase 1 milhão de pessoas. O cuidado especializado no interior e nas regiões mais remotas ainda é deficiente, entre outros fatores, pela escassez de profissionais. Temos aderido aos programas do Governo Federal não só na intenção de atrair profissionais, mas também de formá-los na própria região onde residem, e onde podem se estabelecer definitivamente para exercer seu trabalho”, complementa.
Enquanto o HU-UFGD/Ebserh celebrou a primeira cirurgia bariátrica, em Goiás, o Hospital Estadual Dr. Alberto Rassi (HGG) comemorou, em agosto, o milésimo procedimento bariátrico realizado nos últimos seis anos (2019–2025), por meio do Programa de Controle e Cirurgia da Obesidade (PCCO). Segundo informações divulgadas pela unidade, o número representa quase o dobro do alcançado nos seis anos anteriores (2012–2018), quando foram realizadas 533 cirurgias.
O HGG também encerrou o mês de agosto com 350 cirurgias metabólicas, técnica similar à bariátrica, mas direcionada a pacientes diabéticos obesos. O procedimento é reconhecido e aprovado pelo CFM e passou a ser realizado pela unidade goiana em 2018. No hospital, as cirurgias bariátricas e metabólicas são realizadas por vídeo, tecnologia de ponta que garante procedimentos minimamente invasivos e permite recuperação mais rápida aos usuários do SUS. Só em 2025, o hospital realizou 154 dessas cirurgias, uma média de 19 cirurgias por mês.
Paciente atendida pelo HGG, unidade que celebrou, em agosto, mil procedimentos bariátricos realizados nos últimos seis anos (Foto: Iroz Braz/SES-GO)
O Programa de Controle e Cirurgia da Obesidade (PCCO) desenvolvido pelo HGG oferece atendimento especializado aos pacientes, com equipe multidisciplinar formada por psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogos, enfermeiros, nutricionistas, além de médicos cirurgiões bariátricos, pneumologistas, cardiologistas, psiquiatras e profissionais de outras áreas. De 2020 até 2025, o PCCO foi responsável por mais de 60 mil consultas ambulatoriais.
De acordo com o hospital, os usuários do SUS que desejam ser encaminhados ao Programa de Controle e Cirurgia da Obesidade precisam procurar uma unidade básica de saúde (CAIS, CIAMS, PSF, Unidade Básica de Saúde - UBS, Centro de Saúde da Família, Postos de Saúde) do município onde residem e consultar-se com o médico da unidade, que avaliará as condições físicas do paciente e, se for o caso, o encaminhará ao médico especialista no tratamento da obesidade.
O encaminhamento é conduzido pela Secretaria de Saúde do município do solicitante e dependerá da disponibilidade de vagas no SUS. A Central de Regulação poderá encaminhar o paciente ao HGG ou a outra unidade que ofereça atendimento às pessoas com obesidade.
Por se tratar de uma mudança no estilo de vida, que exige preparo físico, emocional e social, a decisão de fazer o procedimento bariátrico envolve mais do que o ato cirúrgico. É necessário acompanhamento clínico, tanto antes quanto depois da cirurgia, além de uma rede de apoio formada por familiares, amigos e equipe multidisciplinar de saúde. “A cirurgia impõe grandes mudanças nos hábitos alimentares, no estilo de vida e na forma como o paciente se relaciona com a comida e consigo mesmo. O apoio emocional e social ajuda o paciente a se adaptar a essa nova realidade, a lidar com os desafios e a manter a motivação para um sucesso duradouro”, afirma o cirurgião Francisco Rebouças.
Cirurgião bariátrico Francisco Rebouças defende a importância da rede de apoio aos pacientes (Foto: Misley Rodrigues)
Quando decidiu passar pela cirurgia bariátrica, o engenheiro agrônomo, Thiago Ramos, de 39 anos, sabia que não seria apenas uma questão de perder peso. Antes mesmo da operação, ele precisou se adaptar a uma rotina de consultas e exames. “Fiz todos e, sinceramente, nunca mais deixei de acompanhar minha saúde bem de perto. Acompanhamento psicológico eu já tinha há três anos, por vários fatores, inclusive para cuidar dos motivos da obesidade. Na área nutricional, sempre tive mais dificuldade em seguir dietas, mas mudar a qualidade e a quantidade da comida foi fundamental. Atividade física comecei um ano antes também”, recorda. A rede de apoio fez total diferença na vida dele. “A família e os amigos me apoiaram firmemente. É muito importante essa rede de apoio familiar, principalmente nos primeiros 60 dias após a cirurgia”, diz.
Thiago conta que optou pela cirurgia Bypass Gástrico e fez por meio de plano de saúde, em 2022. Naquele ano, ele chegou a pesar 142 quilos. “Minhas principais queixas eram relacionadas à qualidade de vida: sono ruim, baixa mobilidade, gordura no fígado e baixa autoestima. Mas a gota d’água para decidir pelo procedimento foi quando eu não consegui caminhar um dia no campo, visitando uma lavoura. Sentia dores nas pernas”, relata.
Ele lembra que até tentou dietas, medicamentos para reduzir a fome – moderadores de apetite – e até chip hormonal. Como não surtiram o efeito desejado, fez o tratamento bariátrico. “Eu tinha muita expectativa de que minha vida mudasse completamente e minha saúde ficasse regular. Hoje, três anos após a cirurgia, não tenho mais nenhuma doença associada à obesidade”. Além disso, Thiago revela que, após o procedimento, foi promovido no trabalho, passou a fazer atividade física de quatro a cinco vezes por semana, saiu do manequim de calça 62 para 40 e até as relações afetivas mudaram de forma positiva. “Atualmente, na saúde, me sinto disposto. É muito bom isso. Acordar e querer viver. Nem sei como eu vivia antes. Sinceramente, amo quem sou hoje e como estou evoluindo. Aprender a se acolher é tudo de bom”, celebra.
Engenheiro agrônomo Thiago Ramos antes da cirurgia, com 142 quilos, e após o procedimento (Fotos: Divulgação)
O professor Diego Diniz, de 34 anos, afirma que a família também foi fundamental para enfrentar o medo de fazer o procedimento bariátrico. “No início, eles também estavam com receio devido ao nosso histórico familiar, porque minha mãe havia morrido por complicações após a cirurgia, porém todos me apoiaram e disseram que foi a melhor decisão que tomei”.
Ele fez o procedimento em julho de 2024, quando estava com 121 quilos, e apresentava problemas como alteração na pressão arterial, pré-diabetes, gordura no fígado grau 3, dificuldades para tomar banho e se higienizar após o uso do banheiro, extremo cansaço em qualquer situação de esforço, dores nos joelhos, entre outros. “Sem sombra de dúvida, o excesso de peso impactava a minha vida. Não poder sair e ir a alguma loja comprar uma roupa bonita que serve na gente é muito frustrante. A autoestima estava muito baixa e, na vida profissional, eu ficava sentado o dia todo na minha mesa de trabalho, como uma forma de esconder o corpo e as roupas, que já estavam todas apertadas”, destaca.
Como vários pacientes que optaram pela bariátrica, Diego diz que, antes de decidir pelo ato cirúrgico, também tentou vários tratamentos para emagrecer. “Fiz acompanhamento com nutricionista, tomei remédio como Ozempic, pratiquei atividade física regularmente e todos os resultados foram positivos. Entretanto, logo após terminar cada iniciativa, eu retornava para o ponto zero, ou seja, engordava mais do que já estava pesando”, informa.
Diego revela que buscou o máximo de informações sobre o processo cirúrgico, desde relatos de pessoas que tinham feito o procedimento até vídeos, além, é claro, de orientações de especialistas da área. “Percebi que, antes da cirurgia, precisava mudar hábitos necessários ao sucesso do tratamento, como atividade física, a forma de se alimentar e, o primordial, a mudança da mente. Emagrecer é sobre a mente, e não sobre comida”, ressalta.
De acordo com ele, o procedimento cirúrgico obteve êxito, porém confessa que a recuperação nos primeiros dias foi bem sensível e desafiadora. “Não podemos ultrapassar o limite do que é estabelecido pela nutricionista, que é a dieta líquida. Isso pelos primeiros sete dias e em doses pequenas. Com 15 dias de cirurgia, você pode voltar a comer comidas de consistência amassada, como purê, carne moída e tudo em pequenas porções. Logo percebi as mudanças no corpo, principalmente quando ia me alimentar, sentia que ficava cheio rapidamente”, cita.
Hoje, ele celebra os resultados alcançados em apenas um ano e dois meses de cirurgia. “Sai de uma calça tamanho 54 para tamanho 40. Camisetas, eu estou usando tamanho P. Na minha saúde, sinto mais disposição para fazer algumas atividades que não fazia antes. O que mais gosto, e que não fazia antes, era sentar com as pernas cruzadas, por exemplo”. Além disso, o quadro clínico e a autoestima dele também mudaram. “Realizei exames de sangue recentemente para o retorno com o cirurgião e houve normalização de todos os problemas de saúde que eu tinha antes do procedimento. A cirurgia impactou de forma muito positiva, pois agora eu vou a uma loja e sinto prazer de comprar uma roupa. Fazer a bariátrica foi a melhor escolha que fiz”, comemora.
Professor Diego Diniz antes da cirurgia, com 121 quilos, e após o procedimento (Fotos: Divulgação)
A diferença fundamental entre as duas cirurgias está no foco: a bariátrica é voltada principalmente para a perda de peso, enquanto a metabólica é focada no tratamento de doenças metabólicas. Entretanto, em 2006, a SBCBM mudou a nomenclatura da cirurgia de bariátrica para “bariátrica e metabólica”, devido à crescente importância da cirurgia metabólica no tratamento de doenças como diabetes tipo 2, não se limitando apenas à perda de peso. “A mudança na nomenclatura pela SBCBM reflete a compreensão de que os procedimentos bariátricos têm um impacto significativo no controle de doenças metabólicas, indo além da simples redução de peso e promovendo a cura de condições como o diabetes”, informa o cirurgião Francisco Rebouças.
Em sua indicação formal mais aceita, a cirurgia metabólica é principalmente indicada para o controle do diabetes tipo 2, especialmente quando a doença não é bem controlada com os tratamentos clínicos convencionais e o paciente tem um IMC a partir de 30 kg/m². No entanto, os mecanismos metabólicos que ela ativa também beneficiam outras condições, como dislipidemia (colesterol alto) e hipertensão.
O cirurgião Francisco Rebouças orienta que os pacientes que podem se beneficiar da cirurgia metabólica sem ter obesidade grave (ou seja, com IMC entre 30 e 35 kg/m²) são aqueles que possuem diabetes tipo 2 de difícil controle, mesmo com tratamento clínico otimizado. “Para esses indivíduos, a cirurgia oferece uma chance significativa de remissão ou controle muito superior da doença, prevenindo complicações graves”.
Ele enfatiza que o impacto da cirurgia metabólica é revolucionário. “Em pacientes com diabetes tipo 2, a cirurgia metabólica, usando técnicas como o Bypass Gástrico, pode levar à remissão completa da doença em muitos casos. Isso significa que o paciente deixa de precisar de insulina e de medicamentos orais para controlar o açúcar no sangue. Essa melhora ocorre não apenas pela perda de peso, mas também por alterações hormonais rápidas, que otimizam a sensibilidade à insulina e a produção de hormônios gastrointestinais importantes para o metabolismo da glicose”, ressalta.
Em relação ao tipo de procedimento, o cirurgião bariátrico Rennel Paiva — coordenador do Instituto de Cirurgia Bariátrica do Hospital Mater Dei, em Goiânia — relata que ambas as cirurgias (bariátrica e metabólica) utilizam basicamente as mesmas técnicas, que são Bypass Gástrico e Gastrectomia Vertical, mas diferem no objetivo primário: perda de peso, na bariátrica, e controle de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2, na metabólica. “É importante salientar que as cirurgias metabólicas também têm um perfil anatômico diferente das técnicas citadas anteriormente. Elas se baseiam na fisiologia hormonal intestinal, mais especificamente em uma parte do intestino delgado chamada íleo, onde há produção de hormônios sacietógenos e estímulo ao pâncreas para produzir insulina com muito mais eficiência”.
Cirurgião bariátrico Rennel Paiva defende que a cirurgia bariátrica e metabólica é considerada a melhor opção para vários pacientes (Fotos: Divulgação)
Segundo ele, há indícios de que o Bypass Gástrico é mais eficaz para controle de colesterol, triglicérides e maior perda de peso comparado à Gastrectomia Vertical. “Faltam comparações diretas sistemáticas nos dados brasileiros, mas a literatura mundial sugere que ambos são eficazes quando bem indicados. Ainda não há dados científicos concretos, mas existem evidências fortes de superioridade das cirurgias metabólicas, especialmente as ileais [intervenções que envolvem a porção final do intestino delgado]”, avalia.
Mas, assim como estabeleceu a SBCBM, o cirurgião Rennel Paiva afirma que a cirurgia bariátrica e metabólica hoje é considerada a melhor opção para muitos pacientes com obesidade, pelo impacto suplementar na reversão de comorbidades, ganho de qualidade de vida e segurança comprovada. “As novas normas do CFM, de 2025, ampliaram o acesso, flexibilizaram critérios e reforçaram exigências estruturais. O Brasil lidera quase globalmente em números absolutos, mas ainda há grandes desafios para atender à demanda, especialmente pelo SUS. O futuro promete inovações técnicas e tecnológicas, mas o acompanhamento médico e o apoio contínuo permanecem essenciais para o sucesso duradouro”, reforça.

Para os especialistas, o maior avanço em termos de tecnologia ocorreu com a consolidação da cirurgia por videolaparoscopia, que reduziu dor, tempo de internação e complicações. No entanto, a medicina caminha a passos largos e incorpora, a cada ano, inovações que surgem no mercado. É o caso da robótica, que passou a ser utilizada nas cirurgias para trazer mais precisão aos procedimentos, assim como o uso frequente de softwares de simulação, bioimpedância avançada e acompanhamento digital do paciente, proporcionando maior conhecimento sobre a doença, os efeitos metabólicos da cirurgia e o acompanhamento pós-operatório.
O cirurgião bariátrico Rennel Paiva informa que o Brasil é hoje o maior mercado de cirurgia robótica da América Latina, com cerca de 200 plataformas instaladas, tendo iniciado em 2008, com expansão além do eixo Rio–São Paulo. “Houve um aumento de 417% no número de cirurgias robóticas entre os primeiros 10 anos e, agora, nos últimos cinco anos, de 17 mil para 88 mil operações, além da entrada de novos fornecedores, que contribuíram para reduzir os custos de 30% a 50%”, explica.
De acordo com ele, entre os benefícios clínicos observados pelo uso da robótica nas cirurgias estão melhor visualização tridimensional e movimentos mais precisos, o que reduz trauma tecidual. “É especialmente útil em casos de superobesidade ou cirurgias revisionais, assim como para recuperação mais rápida, menos dor e menor risco de infecção nos pacientes operados”.
Para o médico do Einstein Goiânia, Leonardo Emílio, a bariátrica se beneficia da robótica principalmente nos casos mais complexos e em revisões de cirurgias anteriores. “Nos procedimentos primários, ou seja, na primeira cirurgia, os resultados da robótica e da laparoscopia são semelhantes. Mas em revisões, a robótica tem mostrado menos complicações e recuperação mais rápida, com maior segurança. Ela oferece visão 3D, instrumentos mais precisos e movimentos delicados, facilitando suturas e dissecações em regiões difíceis. Isso aumenta a segurança e a padronização da cirurgia, além de reduzir significativamente o trauma cirúrgico e acelerar a recuperação e o retorno às atividades dos pacientes”, explica.
Cirurgião do Einstein Goiânia, Leonardo Emílio diz que a robótica pode ser vantajosa para cirurgia revisionais e em casos com muita aderência ou anatomia complexa (Fotos: Einstein Goiânia)
Cirurgião geral especialista em Cirurgia Bariátrica e Metabólica, com Certificação Internacional em Cirurgia Robótica, Leonardo Emílio destaca que, de forma geral, o tempo de internação e a dor pós-operatória são semelhantes entre robótica e laparoscopia. “O que realmente influencia é o protocolo de recuperação acelerada (ERAS). Mas, em cirurgias revisionais, a robótica pode reduzir sensivelmente o tempo de internação hospitalar e permitir retorno mais precoce às atividades do paciente no pós-operatório”.
A Inteligência Artificial (IA) também já é uma realidade no planejamento e otimização das cirurgias bariátricas, embora ainda não esteja diretamente envolvida na execução do procedimento. O cirurgião Leonardo Emílio exemplifica que, na análise de risco, existem algoritmos que conseguem prever chances de complicações, trombose ou readmissão hospitalar. “Isso ajuda a personalizar o preparo e a escolha da técnica cirúrgica para cada paciente, mas o cirurgião continua indispensável para tomar decisões, lidar com imprevistos e garantir segurança”.
Ele ainda cita que tecnologias como robótica e IA fazem parte da formação de novos cirurgiões. “Hoje, além do treinamento em centro cirúrgico, há simuladores robóticos, realidade virtual e inteligência artificial, que permitem treinar de forma segura e objetiva. O Einstein é um centro autorizado de certificação em robótica. Em muitas universidades e hospitais, os residentes já aprendem em simuladores virtuais e plataformas robóticas, garantindo mais segurança antes de operar pacientes reais”, finaliza.
Arte: Fernando Salazar