A Redação
Goiânia - Nas eleições 2024, 40% dos partidos políticos descumpriram cotas de gênero e de raça no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) em emissoras de televisão, com mulheres sendo majoritariamente preteridas no horário nobre. Dado faz parte do projeto De Olho nas Urnas – candidaturas de mulheres e monitoramento da igualdade de gênero, pesquisa liderada pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
De acordo com a Instituição, o HGPE foi monitorado diariamente, de manhã, à tarde, à noite e de madrugada, nos nove maiores colégios eleitorais brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Recife, Curitiba, Goiânia e Manaus durante o período de propaganda eleitoral do ano passado. Esse monitoramento gerou um banco de dados com 35.989 observações.
A lei brasileira prevê a obrigatoriedade de que o tempo destinado às mulheres e às pessoas negras na propaganda eleitoral – em TV e em rádio – seja proporcional à presença dessas pessoas nas chapas partidárias. Quanto às cotas nas candidaturas, o dispositivo legal prevê que haja no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas para cada gênero, visando equilibrar a participação de mulheres e homens na política. Na prática, essas duas regras em conjunto obrigam os partidos a destinarem o mínimo de 30% das candidaturas e de tempo de propaganda às mulheres.
As pesquisadoras do De Olho nas Urnas descobriram que, se essas leis fossem efetivamente cumpridas, o cenário para as mulheres melhoraria bastante. Para a pesquisadora Najla Frattari, doutora em Ciências Sociais e uma das coordenadoras da pesquisa, os achados científicos demonstram exatamente onde estão os gargalos e revelam em que áreas as políticas públicas podem melhorar.
Najla explica que os dados mostram que o aumento de 10 segundos da presença de mulheres no horário nobre, entre 18 horas e meia-noite, aumenta em 12,8% a probabilidade de uma candidata ser eleita. Já no quadro geral, o aumento de 10 segundos no tempo de propaganda acresce em 0,6% as chances de eleição.
Quando as pesquisadoras ligaram a TV e, de forma sistemática ao longo de um mês, dedicaram-se a assistir aos programas dos partidos, elas descobriram que, dos dezenove partidos nesses municípios, pelo menos doze descumpriram a proporção de tempo em mais de 40% das cidades, com destaque para o PL, PV e MDB (78%, 63% e 56%, respectivamente). Dos partidos representados em todas as capitais focalizadas por essa pesquisa, somente a Rede não descumpriu a proporção de tempo de HGPE nessas cidades.
Brasil negativo
Entre os resultados observados, destacam-se as taxas de sucesso das mulheres e o Índice de Equilíbrio de Gênero (IEG) nos estados brasileiros – esse último, uma formulação pioneira das pesquisadoras e dos pesquisadores da UFG. Os achados demonstraram que, entre 2020 e 2024, as eleições municipais registraram um crescimento modesto na participação feminina.
As mulheres passaram de 34,6% para 35,3% do total de candidaturas a vereadoras. A taxa de sucesso para elas também aumentou de 5,5% para 7,2%. No entanto, os homens mantiveram vantagem expressiva, com taxas de sucesso de 15,2% (2020) e 17,6% (2024). Na prática, eles têm 2,5 vezes mais chances de serem eleitos do que elas, o que reflete a persistência de barreiras estruturais de gênero na política brasileira.
O Índice de Equilíbrio de Gênero (IEG) confirmou a profundidade das disparidades. Em 2024, nenhum estado brasileiro alcançou equilíbrio na representação política feminina. O Rio de Janeiro apresentou o pior IEG entre as candidatas (-0,35) e entre as eleitas (-0,82), enquanto o Amazonas teve o melhor desempenho entre as candidatas, ainda assim negativo (-0,21).
O dado pode ser facilmente explicado: se o valor do IEG for igual a 0, isso indica equilíbrio entre os gêneros feminino e masculino na política. Só valores positivos indicariam maioria de mulheres. Já valores negativos indicam predominância masculina, como é o caso da realidade nacional.
No Brasil não há valores zerados, tampouco positivos.
Sobre o projeto
A pesquisa De Olho nas Urnas – candidaturas de mulheres e monitoramento da igualdade de gênero nas eleições de 2024 foi capitaneada pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e, nos últimos dois anos, chegou a reunir 50 estudiosas e estudiosos no Brasil e fora dele.
Coordenadas pela professora Angelita Pereira de Lima, atual reitora da UFG, as pesquisadoras monitoraram a participação feminina e as ocorrências de violência política de gênero nas eleições municipais de 2020 e 2024. A partir de um método inédito no País, a equipe fez uma análise em tempo real das eleições à vereança do ano passado, colocando-a em uma perspectiva comparativa com o cenário eleitoral para as mulheres em 2020.
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