Jales Naves
Especial para A Redação
Goiânia - Didático e mostrando profundo conhecimento da obra de Bernardo Élis Fleury de Campos Curado, o escritor Geraldo Coelho Vaz destacou um aspecto pouco divulgado do grande autor goiano: foi, na época de sua mocidade, um reconhecido poeta, que muito contribuiu para a poesia moderna de Goiás. A revelação está em seu discurso de agradecimento ao ser agraciado na manhã de sexta-feira, dia 7, em solenidade no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, com o Troféu Cariama, a mais alta honraria concedida pelo Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado. A indicação foi acatada por unanimidade e é o sexto a ser distinguido com a comenda.
A homenagem, iniciativa da escritora Maria Carmelita Fleury Curado, anual, é entregue a pesquisadores que, por sua produção cultural, ou por sua atuação frente a instituições culturais, sejam referência na cultura de Goiás, explica o presidente do Instituto, Nilson Jaime. “Novembro é o mês em que se celebra o nascimento e a morte de Bernardo Élis”, afirmou.
Nilson disse de sua satisfação em homenagear uma pessoa tão generosa, que acolhe a todos com grande carinho, é um incentivador da cultura, admirado como gestor público e que produz incansavelmente, já com 30 obras publicadas. Líder, presidiu as principais entidades culturais goianas, como o IHGG, a Seção de Goiás da União Brasileira de Escritores e a Academia Goiana de Letras, foi Secretário de Cultura no Governo de Maguito Vilela e Presidente da Fundação Cultural Pedro Ludovico.
O Presidente do Icebe explicou que inicialmente o Troféu se chamava Seriema, fora criado pelo próprio Bernardo Élis, mas depois se descobriu que o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia já tinha uma premiação com esse mesmo nome. Por isso, decidiram por nova denominação, pegando o nome científico dessa ave, encontrada em território brasileiro.
Bernardo Élis
Em seu pronunciamento, Coelho Vaz lembrou “com saudades os dois primeiros premiados: o extraordinário escritor, letrista e folclorista de renome nacional, Waldomiro Bariani Ortêncio, e o escritor, cronista e honrado deputado Eurico Barbosa; ambos nos deixaram depois de cumprir e registrar importante legado para a memória e para a história de Goiás”. Vieram, depois, os escritores e defensores do meio ambiente, professores Orieste Gomes e Altair Sales, “nomes representativos e reconhecidos nacionalmente em defesa dessa importante bandeira”. Em 2024, “por mérito”, foi homenageado o dr. Jales Guedes Coelho Mendonça, “brilhante historiador e homem público, que revolucionou e dinamizou o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, instituição mais antiga do nosso Estado, responsável e guardiã da historiografia goiana”.
Nascido em 15 de novembro de 1915, em Corumbá de Goiás, filho do poeta Erico Curado e Marieta Fleury de Campos Curado, ambos descendentes de tradicionais famílias goianas, “dono de senso de observação – conforme relatou – firmou sua presença literária no tema social, casando-se com o regional, seguindo, assim, o caminho iniciado pelo goiano Hugo de Carvalho Ramos”. Surgiram outros livros com mais força que os primeiros, “demonstrando sua inteligência, aprimorando o processo criativo e técnico do seu trabalho e focalizando, com apuro, os hábitos, o folclore, os animais, os causos da região, com beleza de linguagem e estilo”.
Em sua mocidade, num lampejo de uma década, foi poeta. “E poeta dos bons, sendo que a primeira e única edição de “Primeira Chuva” aconteceu em 1955. O autor do consagrado “Veranico de Janeiro”, em seu único livro de poesias publicado, trouxe para a literatura goiana uma grande contribuição dentro do alvorecer do modernismo. “Não quis seguir o pai pelo caminho do cunho clássico do simbolismo. Preferiu a verdejante estrada do movimento de 1922, da Paulicéia brasileira”.
Assumiu os passos de Léo Lynce, ‘Príncipe dos poetas goianos’ e introdutor do modernismo em Goiás, “um dos incentivadores da poesia moderna dentro da literatura produzida pelos goianos”, e vem à luz a publicação de seus poemas em diversos jornais e revistas da época; depois, em um volume, surge “Primeira Chuva”.
Mais tarde, em 1965, Bernardo Élis, em dados biográficos para a Editora José Olympio, comenta a respeito de um de seus poemas publicados:
“Dentro desse reflexo de criança confessa o nosso poeta que: A mim, que faço anos no dia 15 de setembro, meu pai contava uma lorota. Como nesse dia, em Corumbá de Goiás, a banda saísse pela rua em matinas, arrebentavam foguetes no ar, hasteavam a Bandeira Nacional na cadeia e no telégrafo, meu pai dizia que os festejos eram por minha causa e por minha honra.
Certamente que eu ficava encabuladíssimo, pois era uma das únicas pessoas a ter seu aniversário tão festejado. Digo uma das únicas porque meu irmão mais velho era do dia 13 de maio e também ele ganhava banda e bandeira.
Mais tarde tive conhecimento da verdade, isto é, que 15 de novembro e 13 de maio eram datas nacionais. Parece que tal conhecimento não trouxe complicações. Pelo menos, por mais que rebusque, nenhum sinal descubro na alma; contudo, em 1939, escrevi um poema, no qual aflora, talvez inconsciente, um certo amargor por esse fato de infância”.
Eis o poema “O homem que fazia anos no dia sete de setembro”:
No dia de meus anos
a bandinha saía pra rua de madrugada,
tocando matinas.
A gente acordava com o estrondo dos foguetes,
espantando os morigerados pombos da torre da igreja.
Botavam bandeira na Prefeitura,
no correio,
na cadeia.
Havia discursos, passeatas etc.
– Tudo por sua causa – dizia meu pai.
Eu ficava intrigadíssimo,
porque ninguém mais era igualmente festejado.
Hoje, como conheço história do Brasil,
mudei a data de meus anos,
que é o dia mais triste do mundo.
A temática de Bernardo Élis, que diz respeito aos seus poemas, refere-se comumente ao quotidiano regional. A maioria de suas poesias tem como cenário a centenária Vila Boa. Recorda a antiga capital do Estado, a cantilena dos vendedores de bolo de arroz, canta as ruas da Abadia, da Fundição, Casa de Pólvora, a Bica do Rei, o Palácio Conde dos Arcos, os morros, a Serra Dourada, o Lago da Forca, onde aparecem assombrações, e outras partes pitorescas da cidade de Goiás.
Assim é o poema “O Poço do Bispo”:
Não bole uma só folha de mangueira.
O sol cai vertical,
sufocante de calor.
Que vontade de tomar banho no poço do Bispo,
dar um de-ponta no tope da gameleira
e depois ficar olhando as lavadeiras bater roupa
nas pedras polidas do rio.
Ao final desse poema, o poeta Bernardo Élis maliciosamente deixa uma interrogação de desejo, quanto às lavadeiras bonitinhas:
Que vontade ...
Tanta lavadeira bonitinha.
“Assim, efetivamente, Bernardo Élis Fleury de Campos Curado, que tinha foguetes, bandeiras e discursos pelo seu aniversário, bom brasileiro e bom contista, foi também, na época de sua mocidade, um reconhecido poeta, que muito contribuiu para a poesia moderna de Goiás”, concluiu.