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Consciência Negra

População negra representa 63% de Goiás, mas enfrenta desafios

Desigualdade persiste em renda e educação | 20.11.25 - 08:00 População negra representa 63% de Goiás, mas enfrenta desafios (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)Samuel Straioto

Goiânia -
A população negra (pretos e pardos) representa 63,37% dos goianos, totalizando 4,47 milhões de pessoas, segundo o Censo 2022 do IBGE. Em 227 dos 246 municípios do estado — 92% do total — pardos são maioria. Apesar da expressividade demográfica, persistem desigualdades estruturais em renda, educação e acesso a oportunidades que marcam o cotidiano dessa população.

O rendimento-hora dos trabalhadores brancos em Goiás é 61,4% maior do que o dos pretos e pardos. Enquanto um trabalhador branco recebe em média R$ 20,00 por hora, pretos e pardos ganham R$ 12,40. Em Goiânia, 54% das pessoas negras inscritas no Cadastro Único não têm o ensino fundamental completo. Dados nacionais apontam que 70% dos negros relatam experiências de preconceito, e a informalidade atinge 47,3% da população negra no mercado de trabalho.

Goiás tem 54,18% da população que se declara parda e 9,19% preta. Os brancos representam 36,24%, amarelos 0,24% e indígenas 0,15%. A presença demográfica expressiva da população negra contrasta com indicadores sociais que revelam desigualdades persistentes.

A remuneração média dos pretos em Goiás é 78,38% da dos brancos. Enquanto um trabalhador branco percebe salário médio de R$ 1.343,58, o da raça preta é de R$ 993,47 e o da parda de R$ 974,02. O índice de alfabetização dos goianos da raça amarela chega a 91,80%, mas cai para 85,79% entre pretos.

Mercado de trabalho
A população negra é maioria entre trabalhadores desocupados (64,2%) e subutilizados (66,1%), segundo dados do IBGE. A informalidade afeta 47,3% de pretos e pardos, enquanto entre brancos o percentual é de 34,6%.

Negros e pardos têm maior proporção em áreas como serviços domésticos (66,4%), construção (65,1%), agropecuária (62%) e transporte, armazenagem e correio (57%). Já a proporção de trabalhadores brancos é maior nas categorias de administração pública, educação, saúde e serviços sociais (50,23%) e informação, financeira e outras atividades profissionais (56,6%).

Mesmo com ensino superior, a disparidade salarial persiste. Trabalhadores brancos com nível superior recebem R$ 35,30 por hora, enquanto pretos e pardos ganham R$ 25,70 — diferença de 37,6%.

Empreendedorismo negro
Cerca de 57% dos negócios em Goiás são liderados por pessoas negras, segundo estimativas baseadas em dados nacionais do Sebrae. No entanto, 60,1% desses empreendimentos estão na informalidade, enfrentando dificuldades de acesso a crédito e capacitação.

O empresário Roberto Lima, que atua no setor de alimentação em Goiânia, conta sua experiência. “Comecei vendendo quitandas na feira. Hoje tenho uma pequena empresa de produtos regionais. O caminho foi difícil, mas o apoio de programas de capacitação fez diferença. Ainda assim, quando procuro fornecedores ou clientes maiores, sinto a diferença de tratamento”, relata.

Educação e oportunidades
Em Goiânia, 54% das pessoas negras inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) não concluíram o ensino fundamental. A escolaridade baixa reflete na inserção no mercado de trabalho e nas oportunidades de ascensão social.

O professor e sociólogo Rafael Costa, pesquisador de desigualdades educacionais, destaca o desafio. “A baixa escolaridade entre a população negra não é apenas resultado de escolhas individuais, mas de um sistema que historicamente negou acesso à educação de qualidade. As periferias de Goiânia concentram escolas com infraestrutura precária e altos índices de evasão”, avalia.

A estudante universitária Tainara Souza, moradora do Jardim Novo Mundo, conta como chegou à universidade. “Fui a primeira da minha família a entrar na faculdade. Minha mãe é empregada doméstica e meu pai pedreiro. Estudei em escola pública a vida toda e só consegui passar no vestibular depois de três tentativas. Muitos dos meus colegas de escola desistiram no caminho”, relata.

A lei de cotas raciais nas universidades públicas têm ampliado o acesso de estudantes negros ao ensino superior. No entanto, a permanência ainda é desafio. Muitos jovens precisam trabalhar e estudar, enfrentando dificuldades para manter a frequência e o desempenho acadêmico.

Segregação urbana
Estudos acadêmicos sobre periferias de Goiânia apontam que a segregação urbana, a violência e a ausência de políticas públicas impactam especialmente a juventude negra. Bairros como Jardim Novo Mundo, Jardim Guanabara e Novo Horizonte concentram população negra e apresentam indicadores sociais preocupantes.

O assistente social Paulo Henrique Martins, que atua em projetos sociais na periferia de Goiânia, descreve a realidade. “A juventude negra das periferias enfrenta tripla vulnerabilidade: falta de oportunidades, violência policial e ausência de equipamentos públicos de cultura e lazer. Muitos jovens talentosos são perdidos porque não têm onde desenvolver seus potenciais”, afirma.

A violência urbana afeta desproporcionalmente a população negra. Segundo o Atlas da Violência, jovens negros têm 2,6 vezes mais chances de serem vítimas de homicídio do que jovens brancos. Em Goiás, os índices seguem a tendência nacional.

Políticas sociais
O governo estadual implementou programas sociais que beneficiam principalmente mulheres negras. O auxílio de R$ 250 para mães em vulnerabilidade, por exemplo, atende em grande parte famílias negras cadastradas no CadÚnico.

A vendedora ambulante Regina Santos, beneficiária do programa, conta como o auxílio ajuda. “Tenho três filhos e faço bico vendendo doces na rua. O auxílio de R$ 250 não resolve tudo, mas ajuda a comprar comida e material escolar. Sozinha não conseguiria dar conta”, diz.

Especialistas avaliam que, embora importantes, os programas sociais são insuficientes para romper o ciclo de desigualdade. “As políticas de transferência de renda são fundamentais para garantir sobrevivência imediata, mas precisam ser acompanhadas de investimentos em educação, qualificação profissional e geração de emprego”, defende a assistente social Ana Paula Ferreira.

Discriminação institucional
Pesquisa do Instituto Locomotiva e da plataforma QuestionPro, realizada entre 4 e 13 de novembro, revela que sete em cada dez pessoas negras já passaram por algum constrangimento por causa de preconceito ou discriminação racial. O levantamento tem representatividade nacional e coletou opiniões de 1.185 pessoas com 18 anos ou mais.

Os dados mostram que 73% dos negros afirmam que cenas vivenciadas de preconceitos e discriminação afetam a saúde mental. O estudo aponta que a expectativa de experimentar episódios embaraçosos pode tolher a liberdade de circulação e o bem-estar.

O levantamento revela comportamentos motivados pelo medo: 39% das pessoas negras declararam que não correm para pegar transporte coletivo com receio de serem interpeladas. Também por causa de algum temor, 36% dos negros já deixaram de pedir informações à polícia nas ruas.

Do total de pessoas entrevistadas, 68% afirmaram conhecer alguém que já sofreu constrangimento por ser negro. Entre os brancos, 36% admitem a possibilidade de terem sido preconceituosos contra negros, ainda que sem intenção.

A advogada trabalhista Fernanda Almeida relata situações que observa na Justiça do Trabalho. “Vemos casos de discriminação velada em processos seletivos, diferenças salariais injustificadas e assédio moral motivado por questões raciais. A discriminação no ambiente de trabalho ainda é realidade, embora muitas vezes seja difícil de comprovar”, explica.

O bancário André Luiz Silva, que atua há 15 anos no setor financeiro, compartilha sua vivência. “Entrei no banco por concurso público, mas percebi ao longo dos anos que as promoções para cargos de gerência sempre passavam por mim. Colegas brancos com menos tempo de casa eram promovidos. Quando questionei, sempre tinha uma desculpa técnica, mas a gente sente o que é”, relata.

Comunidades quilombolas
Goiás abriga comunidades quilombolas importantes, como o Quilombo Kalunga, em Cavalcante, o maior do Brasil. A comunidade preserva tradições culturais e luta por acesso a políticas públicas básicas.

Cavalcante tem 35,14% da população autodeclarada preta, o maior percentual do estado. A cidade fica a cerca de 500 km de Goiânia e concentra população quilombola que mantém vivas práticas culturais e religiosas afro-brasileiras.

Isabel Francisca Maia, liderança da Comunidade Kalunga, destaca os desafios. "Preservamos nossas tradições, nossas festas, nossa forma de viver. Mas falta apoio do poder público. Muitas famílias não têm acesso a água tratada, energia elétrica regular e atendimento de saúde adequado. Queremos desenvolvimento, mas sem perder nossa identidade", afirma.

Perspectivas
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, marca reflexões sobre avanços e desafios da população negra no Brasil. Em Goiás, os números revelam uma população majoritária que ainda luta por igualdade de oportunidades e reconhecimento.

Apesar das dificuldades, iniciativas de empreendedorismo, coletivos culturais e movimentos sociais demonstram resistência e busca por transformação. A construção de uma sociedade mais igualitária passa pelo enfrentamento das desigualdades estruturais que marcam a vida da população negra em Goiás.

 

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