Aline Mil
Aos 68 anos, o goiano Luiz Fernando Teixeira Cruvinel é reconhecido como um dos principais nomes da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Conhecido no meio pelo apelido de “Xibiu”, adquirido ainda na infância, Luiz Fernando tem, em seu prestigiado portfólio, projetos importantes como o urbanístico de Palmas (TO) e diversos planos diretores de cidades goianas e do Entorno do Distrito Federal.
Em visita ao AR, Luiz Fernando teceu análises sobre o que deve pautar as eleições municipais de 2012, sobretudo em relação ao gargalo da mobilidade na capital. Ele ressalta que o carro, hoje prioridade nas vias de Goiânia, não deve reinar sobre as decisões dos governantes caso haja vontade, de fato, de evitar o caos pelas ruas. Com o pensamento rápido e antenado a elementos do cotidiano que afetam a dinâmica da cidade, o arquiteto não abre mão da simpatia ao defender o tratamento da cidade como um organismo vivo e completo, sem setorizar ou aplicar soluções pontuais, meramente paliativas.
Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UNB) em 1967, Xibiu se especializou em Estudos Tropicais, Planejamento e Desenho Urbano em Londres, onde também exerceu a profissão no início da década de 1970. Durante a entrevista, as referências aos projetos de sucesso aplicados nas cidades europeias são inevitáveis. Segundo Xibiu, as soluções existem e são possíveis. Para isso, basta priorizá-las na agenda de discussões dos gabinetes e não somente no discurso político.
Confira abaixo os principais tópicos da entrevista:
“Só quando o caos se instalar por completo é que vão
começar a pensar em transporte público de qualidade”
Mobilidade como prioridade
Dizer que o trânsito é o problema na capital é uma referência da classe média, daqueles que têm automóvel, ar condicionado, música boa para ouvir dentro do carro. O cara que pega o ônibus apertado é quem deve ter prioridade e não o automóvel. O transporte, do ponto de vista da mobilidade, é que deve receber atenção e não o trânsito. Nós temos vários problemas na cidade, mas, se não tivermos mobilidade, como é que ela vai pulsar economicamente? As pessoas precisam circular, comprar, ir ao médico. É legítimo querer comprar seu automóvel, a indústria incentiva isso. O trânsito é parte da mobilidade urbana, mas não é o centro da questão e sim a logística urbana. Hoje, a tendência no Brasil é abrir espaço para o automóvel. E não se percebe que quanto mais se abre espaço para o automóvel, mais carros haverá. Só quando o caos se instalar por completo é que vão começar a pensar em transporte público de qualidade. É preciso repensar a matriz de circulação urbana.
"O metrô é impossível em Goiânia"
Veículo leve sobre trilhos (VLT)
As cidades francesas investiram com sucesso nessa solução. O VLT é muito limpo e, principalmente, ajuda a contaminar positivamente o território ao seu redor. A Avenida Anhanguera precisa de algo de muita qualidade urbana como o VLT porque o projeto com os ônibus deteriorou esse eixo leste-oeste. A avenida perdeu seu caráter, identidade, qualidade. O comércio foi fechando. Isso tudo é muito ligado ao que vai ser feito também no entorno do projeto. O que não pode ser feito é pensar o projeto só onde o VLT vai passar. Para que funcione, é necessário melhorar a qualidade do passeio, pensar uma iluminação correta, plantio correto, sinalização em um espaço de 300 metros ao redor da avenida. Se for possível implantar esse projeto dessa forma, acredito que haverá um bom resultado.
Metrô
O metrô é impossível em Goiânia pelo custo. Até as cidades européias estão usando o mínimo possível. É um projeto muito caro tanto para implantação quanto manutenção. E isso implica num repasse maior para a tarifa do usuário. Não é viável para nossa capital.
Plano diretor
Os planos diretores de Goiânia foram concentrando áreas, setorizando a cidade, dividindo, e essa não é uma solução que leva em conta a mobilidade. O uso do solo tem que ser absolutamente compatível com o transporte. É necessário criar adensamentos ao longo dos eixos de transporte, para que haja eficiência do sistema. O transporte pontual não é eficiente. É necessário pensar na garantia de clientes para o transporte e durante muito tempo, os planos foram concentrando as grandes densidades sem apoio do transporte. No plano diretor que fizemos em 2008, havia cerca de 100 mil lotes vazios. Montamos uma estratégia de cidade mais compacta, que aproveitava o vazio urbano, preenchendo os espaços. Mas, durante a elaboração, empresários do ramo imobiliário aprovaram mais de dois mil projetos na lei anterior e isso desequilibra muito uma estratégia de mobilidade urbana, criando grandes concentrações, centralidades. Não faltaram planos diretores, mas a cidade continua a mesma. Os planos ou as gestões são ruins? Esse debate é importantíssimo. Como é que você consegue que as diretrizes, os projetos, que vão dar sustentabilidade econômica, social e ambiental estejam na agenda dos governantes? Mas não na agenda política e sim na agenda de discussões, que é esquecida.
“Há uma distância grande naquilo que é produzido nos
projetos daquilo que é realizado pelos governos municipais”
Ciclovias em Goiânia
A ciclovia é um dos modais do transporte urbano. O último plano diretor já estabeleceu vários quilômetros para implantar as ciclovias, principalmente para ligar os terminais aos grandes centros urbanos. Mas os gestores não olham os planos diretores como deveriam. Há uma distância grande naquilo que é produzido nos projetos daquilo que é realizado pelos governos municipais. A ciclovia é um modal importantíssimo para a circulação. Mas é preciso tomar cuidados. Há técnicas excepcionais para manter a segurança dos ciclistas, mesmo num sistema de trânsito caótico. É preciso tirar a prioridade do carro. O carro é o rei do espaço público hoje em Goiânia. Para implantar a ciclovia em Goiânia, só basta querer. Uso como exemplo a Oxford Street, na área de Westminster, em Londres. Lá passavam toneladas de carros. Depois do diagnóstico feito nos anos 1960, agora só passam ônibus, bicicletas e táxis. Mas e os carros? Eles que se virem. Cada vez mais precisamos pensar em outros modais mais eficientes para a sustentabilidade, para a saúde da cidade, tornando-a mais agradável. Senão, o automóvel vai tomar conta. Mais uma vez, o que falta é prioridade. Afinal, o que é tirar dois metros de uma rua para fazer uma ciclovia? O Rio de Janeiro é hoje a cidade que tem o maior número de quilômetros de ciclovias no Brasil. Tiraram espaço de quem? Do automóvel.
"O carro é o rei do espaço público em Goiânia"
Aeroporto
Eu acho o Aeroporto Santa Genoveva pior que nossa rodoviária. Acho que chegamos nesse ponto porque os governos não pressionaram a Infraero como deveriam. Isso funciona na base da pressão. A Infraero vai naqueles aeroportos que dão mais retorno e Goiânia não dava tanto retorno há alguns anos, não havia tantos passageiros pagando taxa de embarque. Mas isso mudou em uma velocidade incrível. E o aeroporto ficou incapaz de receber essa demanda. É impossível transitar por ali. Sem estacionamento, sem lugares para sentar. Quando a Infraero resolveu se movimentar, houve supervalorização dos orçamentos, TCU trancando a obra e mais atrasos para o novo aeroporto. Vamos ver o caos na Copa do Mundo. Os aeroportos do país não terão como atender à demanda. Ainda há tempo para correr atrás das metas propostas pela Fifa, que é muito exigente, mas não na velocidade em que estamos vendo as coisas acontecerem.
"Os candidatos têm que ter uma postura mais abrangentes sobre as questões urbanas. O marketing político vai distorcendo os bons projetos para a sociedade"
Eleições 2012
Como há um momento de eleição se aproximando, é preciso discutir a cidade de forma mais ampla. O transporte, a sustentabilidade e a mobilidade deveriam pautar essa próxima eleição. Não podemos pegar subtemas e tratar a cidade de forma setorizada, sem pensar nesses pontos. Saúde, transporte, trânsito, isso tudo integra um espaço denso, que a comunidade tem vivido intensamente e precisando se deslocar. Não é fazendo um postinho 24 horas aqui, resolvendo uma problemática alí, que a cidade vai pulsar. Isso não resolve mais. O discurso da política tem de ser abrangente, integrado, democrático, para que se possa ter esperança para nossos filhos e netos. Nossos espaços públicos estão deteriorando. Os candidatos têm que ter uma postura mais abrangente sobre as questões urbanas. O marketing político vai distorcendo os bons projetos para a sociedade. Ter mote é o que atrapalha. É preciso refletir qual a metrópole que nos gostaríamos de ter no futuro? Goiânia será uma metrópole de serviços? De logística? Vai equilibrar os municípios vizinhos como metrópole mãe? Como vai ser a mobilidade? Isso me preocupa muito, a falta do debate e os pequenos projetos que não incorporam o grande pensamento dos centros urbanos.