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Série: Recrutados pelo crime

Precariedade dos centros de internação para menores em Goiás viola Estatuto

Entrega de novas unidades sofrerá atraso | 06.11.14 - 10:23 Precariedade dos centros de internação para menores em Goiás viola Estatuto Situação dos centros de internação é precária (Foto: Randes Nunes/ A Redação/arquivo)

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
(Artigo 227 da Constituição Federal)
 
Adriana Marinelli e Mônica Parreira

Goiânia -
 Guaritas, muros altos e celas superlotadas. Parece até a descrição de um presídio, mas estas também são as características dos centros de internação para menores infratores em Goiás. Há dois anos, o jornal A Redação visitou duas unidades instaladas em Goiânia e registrou a precariedade da estrutura. Assinado em 2012 entre o Governo do Estado e o Ministério Público de Goiás (MP-GO), um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmava o compromisso de que pelo menos sete novos centros seriam construídos até o final de 2014. Restando pouco mais de um mês para o fim do prazo, a situação é praticamente a mesma. 
 
O acordo é consequência da superlotação e das más condições oferecidas para a ressocialização do menor infrator. Compete ao MP-GO a fiscalização do cumprimento do TAC. “Sabemos que o acordo caminha a passos lentos, mas caminha. A realidade é que o prazo não vai ser cumprido porque o Estado, como sempre, é omisso”, afirma a promotora Karina D’abruzzo (foto ao lado), coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude. 

A promotora explica que o MP-GO deve aguardar o vencimento do prazo estipulado antes de se pronunciar. Caso não seja cumprido, o governo pode ser acionado na Justiça. “É lamentável essa situação, afinal foi um compromisso do Estado. O governo deveria regionalizar esses centros, mas isso não acontece. Acredito que há mesmo uma falta de vontade”, frisa.

Por outro lado, a Secretaria Estadual de Cidadania e Trabalho (SECT) reconhece o atraso, mas garante que o Estado contará com novas estruturas em breve e está atento a essa necessidade. “A regularização do terreno e a adequação do projeto são processos muito burocráticos. Não temos medido esforços para que isso [a construção] ocorra o mais breve possível”, afirma Luzia Dora Juliano Silva, presidente do Grupo Executivo de Apoio à Criança e ao Adolescente da SECT.

A reportagem teve acesso exclusivo ao cronograma de construção dos novos centros previstos no TAC. Com as obras em andamento, a unidade mais adiantada está localizada em Anápolis. A estrutura, prevista para ser entregue em julho de 2015, poderá receber 80 menores infratores em regime de internação. “Também já iniciamos a ampliação do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da capital”, informa Luzia Dora. A unidade, que atualmente pode receber até 60 internos, terá nova ala com mais 48 vagas.
 
Outras duas unidades no interior do Estado, segundo a SECT, já foram licitadas. Itaberaí e Porangatu serão os municípios contemplados. A previsão de conclusão das obras é dezembro de 2015, quando cada centro poderá receber 52 adolescentes. Itumbiara, São Luís de Montes Belos, Rio Verde e Caldas Novas fecham a lista dos sete centros que o Governo promete construir. “A previsão é que as obras sejam licitadas logo no início do próximo ano, e que os trabalhos sejam concluídos em, no máximo, 12 meses”, completa Luzia Dora.
 
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Goiás (OAB-GO), Mônica Araújo acompanha de perto a situação do TAC. “Nós estamos vigilantes. A OAB é guardiã da Constituição Federal”, comenta ao alertar sobre a necessidade de se construir centros que atendam às exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “A situação atual é caótica, são centros que funcionam de forma adaptada. É uma constante violação dos direitos humanos”, completa.

Como a expectativa de contar com novos centros foi adiada, a rotina da precariedade vivida nas unidades da capital continua. O último relatório feito pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) no primeiro semestre do ano passado, que contou com participação da OAB-GO, descreve condições sub-humanas. 

Considerando a capacidade máxima dos três locais, a estrutura poderia receber apenas 180 pessoas, mas o número de internos na ocasião superava a marca dos 198, podendo ter aumentado atualmente. Segundo a SECT, há 417 adolescentes infratores privados de liberdade em centros do Estado. O dado foi colhido no último dia 2 de novembro.

Mais que violar os Direitos Humanos, o problema de superlotação também é agravante porque, segundo a advogada Mônica Araújo, na maioria das vezes os menores infratores do interior do Estado são levados para as unidades de Goiânia. “Trazendo os adolescentes para a capital, eles automaticamente perdem o convívio familiar. Além da distância, os pais precisam faltar trabalho se quiserem visitar os filhos já que, por falta de profissionais, as visitas acontecem apenas durante a semana. São só duas horas dentro de uma sala, em horário de expediente”, diz a advogada.


Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO fala sobre situação dos centros de internação
 
No documento emitido pelo TJ-GO, outros problemas recorrentes são a falta de estrutura (colchões, chuveiros e lâmpadas), a alimentação insuficiente e o excesso de tempo livre nos alojamentos. “Não há espaço nem banho de sol adequado. Muitas vezes os adolescentes preferem nem sair dos alojamentos, porque precisam ser algemados para ter direito ao banho de sol”, relata a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO.

Sobre os novos centros, Mônica Araújo alerta que não basta apenas construir as unidades, mas é necessário também remover a aparência sombria dos prédios. “Estamos falando de um lugar que vai abrigar adolescentes em medida socioeducativa, e não de presídios. Torno a falar: precisamos de um espaço adequado para receber o menor infrator, até mesmo para oferecer a ele uma possibilidade de recuperação”.
Apesar da SECT garantir que o número de servidores ativos nos centros de internação é o ideal, na prática a realidade parece ser outra. O psicólogo Altair José dos Santos (foto) realizou um estudo durante três anos, concluído no início de 2014, sobre adolescentes envolvidos em homicídios.

Para produzir o material, o profissional, que também é professor universitário, realizou diversas visitas ao Centro de Internação do Adolescente (CIA), no 1° Batalhão da Polícia Militar, onde constatou a falta de servidores para o trabalho no local.

"Encontrei uma equipe técnica totalmente sobrecarregada, de modo que essas pessoas não têm condições de prestar um serviço adequado, de qualidade", avalia. "A equipe que conheci no CIA era muito dedicada, mas que estava adoecendo em função do excesso de trabalho."

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO compartilha da mesma opinião. "No centro de internação há uma assistente social, uma psicóloga social, uma pedagoga, mas pela quantidade de adolescentes internados hoje, a quantidade de profissionais que temos gera um atendimento insuficiente. As professoras precisam fazer 'mágica' para ministrar as aulas, porque há adolescentes que pararam os estudos no ensino médio e outros ainda estão no fundamental".

A realidade é que o problema é antigo. Conforme foi apurado pela reportagem do AR em 2012, as reclamações de profissionais que atuam nos centros são intermináveis. De lá para cá, pouca coisa teria avançado.

No CIP que funciona no 7º Batalhão da Polícia Militar, no Jardim Europa, funcionários da unidade não escondem o medo de trabalhar em um local que não possui a segurança necessária. Vários relatam agressões verbais e físicas praticadas pelos adolescentes e alguns chegam a abandonar suas funções. "Vivemos em perigo todos os dias. Saímos de casa para trabalhar sem saber se voltaremos para nossas famílias", afima um servidor que prefere não ter o nome divulgado.

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