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Somos obrigados a pagar?

Flanelinhas em Goiânia: ilegais e permanentes

Saiba o que fazer quando se sentir coagido | 15.11.15 - 10:20 Flanelinhas em Goiânia: ilegais e permanentes (Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
Kamylla Rodrigues

Goiânia -
Em pontos com grande aglomeração de pessoas em Goiânia, seja bar, restaurante, estádio, igreja ou show, pode faltar até a atração principal, menos o 'guardador de carros', conhecido como ‘flanelinha’. Depois de mais de um ano de sanção da lei municipal que regulariza a profissão, nenhum guardador de veículos procurou se adequar à lei e persiste no trabalho irregular nas ruas da capital.  
 
A lei municipal 9.495, de 12 de novembro de 2014, dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos. Os parágrafos primeiro e segundo colocam que o trabalhador, uma vez regulamentado, pode vigiar e/ou lavar os carro, além de auxiliar na manobra em estacionamentos. 


(Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
 
Até ai tudo bem. Mas para exercer essas atividades, com direito a crachá e colete, o flanelinha tem pagar uma taxa anual e se cadastrar na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SEDEM), que nunca recebeu um único registro em Goiânia.
 
O motivo da falta de interesse estaria nas condições impostas pelo cadastro, entre elas, ter bons antecedentes criminais. “Muitos já possuem passagens pela polícia e isso os impede de ter o registro”, afirmou o diretor de desenvolvimento econômico, Hamilton Ferreira da Silva. 
 
Além disso, a lei impõe o pagamento de uma taxa anual para o exercício da profissão, a certidão negativa dos cartórios criminais de Goiânia ou de seu domicílio, se residir fora da capital, prova de estar em dia com as obrigações eleitorais e prova de quitação com o serviço militar, quando a ele obrigado. “Entendemos que a legalização é burocrática, mas isso é para trazer segurança à população”, disse Hamilton.
 
Somos obrigados a pagar?
Não, segundo o diretor Hamilton. Mesmo se algum guardador fosse regularizado, a resposta continuaria a mesma. A lei municipal é omissa quanto ao pagamento ou valor que o flanelinha poderia cobrar. Não há artigo que trate do assunto.
 
Então por que pagamos? “Por medo de algum prejuízo material, agressão ou por às vezes acreditar que realmente meu carro está sendo vigiado”, responde a terapeuta Mariline Santos, frequentadora assídua de bares no Setor Marista aos finais de semanal. Ela disse já ter sido ameaçada ao se recusar a pagar R$ 40 pela vaga na rua, durante a realização da Exposição Agropecuária de Goiânia.  “Eu ouvi do flanelinha que meus prejuízos seriam maiores do que o valor cobrado. Preferi pagar”, afirma. 
 
Segundo Hamiton, a população que utiliza o espaço público, como as ruas, não é obrigada a pagar qualquer valor pelo serviço e casos como o de Mariline devem ser levados à polícia. 
 
Situação comum
O delegado Adriano Souza, adjunto da delegacia de Furtos e Roubos de veículos, coordenou uma operação no começo do ano, que resultou na prisão de 17 flanelinhas envolvidos em diversos crimes. Ele enfatiza que ameaças, constrangimento, agressão física ou verbal, além de extorsão devem ser denunciados do momento do fato. “Acionem a Polícia Militar, relatem o fato. A população tem que denunciar. É crime”. 
 
Mas para o delegado isso pouco acontece. "Recebemos pouquíssimos casos porque as pessoas acabam desistindo de denunciar. E é justamente isso que alimenta a permanência dos flanelinhas. Enquanto tiver gente que paga, teremos flanelinhas", ressalta. Ele explica que a vítima pode utilizar como provas uma testemunha, imagem ou vídeo. 
 
Segundo o coronel Divino Alves de Oliveira, responsável pelo Comando de Policiamento da Capital (CPC), a corporação atua em situações em que há danos materiais ou físicos. O trabalho é embasado no flagrante ou na representação da vítima, que, segundo o coronel, é o maior problema em casos mais simples. "Muitos motoristas acionam uma viatura para relatar uma situação de extorsão, por exemplo, mas quando a equipe chega ao local, a vítima se recusa a ir até uma delegacia para formalizar a ocorrência. Isso acontece em 80% dos casos. Sem representação e sem flagrante não podemos fazer nada", explica.
 
Relacionado à atuação de flanelinhas, a PM também combate a reserva irregular do espaço público com cones, fitas e outros materiais, além de conversar com os guardadores. "Nós fazemos patrulhamento diário e alguns correm quando nos vê, mas logo depois voltam. Não há como a PM prender o flanelinha simplesmente por ele estar na rua. Isso é função da prefeitura, que determina como o espaço público deve ser explorado", ressalta. 


(Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
 

(Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
 


(Foto: Letícia Coqueiro/A Redação)
 
Fiscalização 
Qualquer pessoa física ou jurídica que presta algum tipo de serviço precisa ser autorizado por meio de alvarás ou licença, mesmo que transitório. Quem fiscaliza se esse prestador de serviço está regularizado é a Secretaria Municipal da Ordem Pública.
 
O superintendente da pasta, Allen Viana, afirma que é responsável pela fiscalização dos flanelinhas, mas que isso é feito ainda com dificuldade. "Nós fazemos fiscalização todos os dias, durante o dia e noite. Temos duas equipes que fazem esse trabalho em Goiânia, mas uma das nossas grandes dificuldades é lavrar o auto de infração. Quando abordamos um guardador e solicitamos a licença, ele corre. Por isso às vezes atuamos em conjunto com a PM ou guarda civil", disse. 
 
O auto de infração é baseado no artigo 112 do código de posturas do município, que também trata da atuação dos comerciantes ambulantes. O flanelinha que é flagrado pelas equipes de fiscalização é multado em R$ 242 e quando utiliza algum instrumento - cones, fitas, balcões - precisa pagar mais R$ 200. Caso o pagamento não seja feito em dez dias, o CPF é encaminhado à Secretaria Municipal de Finanças, que lança os dados na dívida ativa do município. 
 
O outro lado
A equipe de reportagem visitou quatro pontos em Goiânia e conversou com alguns flanelinhas. O valor cobrado varia de acordo com a localização. 
 
Nos arredores de um shopping da capital, o flanelinha Adriano, que não quis revelar o sobrenome, não estabelece valor. "Posso vigiar moça?", perguntou assim que a repórter estacionou. Na volta, ele auxiliou a retirada do carro da vaga e, mesmo sem receber pela vigilância, foi gentil: "Vai com Deus". 
 
Após observar que a mesma atitude era empregada com as outras pessoas, me identifiquei como repórter e ele, com os olhos arregalados, confirmou que não obriga o cliente pagar. "Eles dão se quiser, se der. Eu não estabeleço valor aqui", disse. 
 
Segundo Adriano, o trabalho começa às 10 horas da manhã e termina às 10 horas da noite, de terça a domingo. "Dá para tirar uns R$ 1.500 por mês. Acho suficiente. Pago as escolas dos meus dois filhos e ajudo em casa", disse.
 
Durante conversa de alguns minutos, ele revelou que existe mesmo a venda de pontos de guardador de veículos. "Já me oferecem 50 mil por essas duas ruas aqui, mas eu não saio". 
 
O flanelinha sabe que trabalha na ilegalidade e justifica. "Tem que ter ficha limpa e eu tenho duas tentativas de homicídio. Não me orgulho de disso, mas tenho que ser verdadeiro. Hoje sou uma pessoa mudada. Já tentei outros trabalhos, mas sempre rola o preconceito com gente que já foi presa. É bem difícil e as contas chegam", afirmou. 
 
No setor Marista, próximo aos badalados bares e restaurantes, tem um flanelinha em cada esquina. O valor para estacionar na rua de sexta a domingo começa em R$ 5 em lugares mais distantes e chega a R$ 20 quando a vaga é quase na porta do estabelecimento. 
 
Um deles, que pediu para não ter o nome revelado, afirmou que também não estabelece valor, mas nas duas vezes que interrompeu a entrevista para abordar os motoristas que saiam ele reclamou do pouco que recebeu. "Só 70 centavos, brother?. Tá de brincadeira. Não tem R$ 2?". O motorista disse que não e foi embora. Na outra ocasião, o guardador devolveu a moeda de 25 centavos que recebeu de uma moça. "Eu estou trabalhando. Não mereço micharia". 
 
Pergunto se ele já foi denunciado por extorsão. "Já, uma vez. Eu estava em um evento grande e a mulher, que ficou de pagar no final, não quis me pagar. Eu fui grosso. Mas não faço isso mais. A pessoa dá o que ela quer ", disse, ao correr para atender outro motorista. 
 
O flanelinha que está na região há 7 anos disse que não se regulariza porque também já foi preso. "Tenho uma tentativa de homicídio, mas eu estou pagando pelo meu crime. Eu preciso trabalhar, não tem como ser de forma legal, então vai na ilegalidade mesmo". 
Quando questionados se realmente vigiam os carros, os dois disseram que sim. "Assim que eu vejo alguém tentando mexer, eu ligo pra polícia", disse Adriano.  "Já impedi vários furtos aqui", garantiu o flanelinha do Setor Marista. 
 
Rua tem dono? 
Os dois guardadores de veículos mencionaram o "dono da rua". Segundo eles, o dono é o guardador mais antigo e os pontos podem ser vendidos. "Há uma negociação entre nós mesmo", contou o flanelinha Adriano. 
 
Para o superintendente Allen, isso não existe. "O espaço público é de todos. Não pode ser vendido, comercializado". 
 
O que fazer? 
"Se recuse a pagar. Há um certo temor de que todo enfrentamento não resulte em nada, mas só se constrói cidadania agindo de acordo com a lei. Dar esmola alimenta esse tipo de serviço e, consequentemente, todos os problemas que estão acontecendo", finalizou o superintendente Allen Viana.

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