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Fazendinha do Senhor Jesus II

Poesia e solidariedade contra as drogas

Agora poeta, ela irá lançar um livro | 16.03.12 - 10:39 Poesia e solidariedade  contra as drogas Rhafrezzia vai encarar agora os novos desafios de uma vida sem drogas (Fotos: Catherine Moraes)

Catherine Moraes

Nove meses em recuperação em uma chácara para dependentes químicos. É o período de uma gestação e também o tempo que a droga leva para sair do organismo. E quando esse tempo chega ao fim, como voltar para as ruas? Como arrumar um novo emprego e encarar de perto o mundo aqui fora, que não parou de girar? É possível estar perto das drogas de novo e dizer não, por uma vida “limpa”? Será que alguma empresa vai garantir emprego para alguém com extensa ficha criminal? São estas perguntas e medos que martelam na cabeça de 14 mulheres abrigadas na Fazenda do Senhor Jesus II, em Goiânia.
 
Rhafrezzia Alves de Freitas, de 31 anos, vai lançar um livro de poesias em breve pela Editora Kelps. Os textos foram todos escritos no período em que esteve na casa e os nove meses terminam no próximo dia oito de abril. “Tenho medo do mundo louco que existe lá fora. Sei que em muitos lugares não serei bem vinda. Tenho uma ficha criminal extensa e 65% do meu corpo é queimado. Ou seja, minha aparência também não é das melhores. A principal preocupação não deveria ser retirar os moradores da rua, mas como devolvê-los”, completa. 
 
A mãe é evangélica, o pai alcoólatra e está sem beber há 20 anos e o padrasto é policial. Três dos irmãos são adictos e um é alcoólatra. A poeta conta que aprendeu a beber em casa, ainda na infância. Em busca de uma “falsa liberdade”, ela saiu de casa, foi morar na rua, onde viveu a lei do mais forte. Com maturidade, ela conta que por muito tempo culpou os pais pela vida que teve, mas que, hoje sabe que foi responsável pelos próprios atos.
 
"As drogas e o crime andam lado a lado. É impossível viver nas ruas sem praticar crimes"
 
“As drogas e o crime andam lado a lado. É impossível viver nas ruas sem cometer crimes. Alguns escolhem roubo, outros tráfico e muitas mulheres optam pela prostituição. Eu me voltei para o tráfico e cheguei ao mais fundo do poço que alguém poderia estar. Matei uma pessoa e fui presa várias vezes, até que vim para esta chácara”, recorda.
 
Primeira gravidez em visita, segundo parto na CPP e fogo no próprio corpo
Rhafrezzia usou drogas por mais de dez anos, engravidou do primeiro filho quando visitava o marido na prisão e teve a segunda criança enquanto estava presa na Casa de Prisão Provisória. O primeiro filho, hoje com 10 anos, ela amamentou mesmo consumindo drogas e, com remorso da atitude unida à depressão pós parto, jogou perfume no próprio corpo e colocou fogo. O marido a socorreu e a levou ao Hospital de Queimaduras, em estado gravíssimo. 
 
“Eu estava sob efeito de merla quando fiz isso, tive queimaduras de terceiro grau e meu pulmão ficou muito afetado,  já que eu consumia drogas. Fui desenganada pelos médicos, mas um anjo, como nome de Mônica Piccolo, me ajudou”, se emociona. As marcas, entretanto, permanecem por todo o corpo, começando no queixo e descendo até as pernas, o que, para ela, é motivo de vergonha.
 
O primeiro milagre 
“Um dia eu estava na Avenida Independência à espera de um traficante mas tive um pressentimento esquisito. Me vi baleada com tiros na cabeça, nas nádegas e na coxa. O traficante não apareceu e vários policiais chegaram ao local. Eu me escondi atrás de uma moita, rezei muito pedindo um sinal de Deus e acabei dormindo. Quando acordei, estava algemada e fui colocada em uma viatura. Já tinha dado muito trabalho para a polícia. Achei que iam me levar para algum lugar e me matar, mas acordei na porta da casa da minha mãe. Era um milagre, o sinal imediato de Deus”, completa. 
 
"Achei que iam me levar para algum lugar e me matar, mas acordei na porta da casa da minha mãe. Era um milagre, o sinal imediato de Deus"
 
Segundo Rhafrezzia, os policiais pediram que a mãe dela a convencesse a aceitar o tratamento. Ela aceitou e foi encaminhada ao Núcleo de Apoio ao Toxicômano e Alcoólatra (Nata), onde passou por triagem e foi transferida para a Fazenda do Senhor Jesus II, no Recreio dos Bandeirantes. Orgulhosa, ela onta que nunca pediu para sair e teme o mundo que terá de enfrentar, hoje sóbria. 
 

Fazenda do Senhor Jesus II, onde moram 14 mulheres em reabilitação 
 
Abandonar os filhos: uma prova de amor
Com maturidade, ela conta que tinha medo de voltar para casa, vergonha dos pais, dos amigos. A culpa adiou sua volta para casa e a procura por ajuda especializada. A convivência com os filhos também não existiu, mas, com lágrimas, ela conta que o abandono dos filhos com a mãe foi uma prova de amor, a maior que ela conseguia oferecer. 
 
"O medo de ver meus filhos envolvidos com droga dói muito. A ausência era minha maior prova de amor"
 
“Sofri muito com os exemplos que tinha em casa e não queria isso para os meus filhos. A convivência comigo não proporcionaria nada de bom para ele, nada mesmo. O medo de ver meu filho envolvido com drogas dói muito. Fui super ausente porque quando não estava presa, estava foragida. A ausência era minha maior prova de amor. Hoje eles me visitam e meu filho mais velho garante que sou a melhor mãe do mundo. Ele precisou amadurecer muito cedo, e é consciente da minha situação, mas me ama, isso é o que importa. Agora quero cuidar deles, mas tenho medo de ser permissiva porque tenho medo de não ser amada”, reflete. 
 
Deus que castiga x  Deus que ama
A poeta revela que conhecia apenas o deus do castigo, e quando fazia algo de errado, esperava o castigo para se sentir melhor. Na casa descobriu que podia ser amada de forma incondicional. “Até amor de mãe é condicional, porque ela pode te amar só pelo fato de ser sua mãe. Com as voluntárias que conheci aqui, era diferente, elas me amavam sem pedir nada em troca.”
 
"Até amor de mãe é condicional. As voluntárias me amaram sem pedir nada em troca"
Escrevendo poesias
Uma das voluntárias, a psicóloga Elizabeth Alves de Souza Ribeiro, de 71 anos, levou uma poesia para as mulheres da casa darem uma olhada. Rhafrezzia gostou demais e a Beth, como é conhecida, sugeriu que ela escrevesse um poema. “Quando retornei para mais uma sessão, ela me entregou um grande volume de papéis com poemas lindos. Fiquei apaixonada e não podia deixar aquilo parar por aí’, completa. A psicóloga brinca com a hoje amiga: “com tudo isso dentro de você, é difícil não adoecer”. 
 

À esquerda, psicológa Elizabeth e à direita a diretora-geral da Fazendinha, assistente social Ana Maria Camilo abraçam Rafrezzia
 
Elizabeth digitou os poemas, montou um livro com o nome Resgate e se dirigiu às Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) para tentar uma publicação. O livro foi aceito e a festa de lançamento acontecerá em breve. Rhafrezzia  diz que não imaginou que toda a podridão que existia dentro dela poderia ser transformada em arte. “Hoje sei que em mim não há espaço para ódio, minha essência é divina”, finaliza.
 
“Hoje sei que em mim não há espaço para ódio, minha essência é divina”
 
 A culpa é de quem?
As manchetes continuam as mesmas
As drogas já não causam espanto.
E o problema não é somente social,
É mais grave,é humano. 
 
Pessoas que se amontoam nas calçadas
Atrapalham a circulação.
São sujeiras nas avenidas da classe alta, 
E já foram reportagens de televisão.
 
Outro qualquer marginal, 
Conformado em receber moedas, 
Pedintes de feira ou de sinal,
Disputam uma vaga na miséria. 
 
Competentes em driblar a morte, 
Autores de histórias violentas, 
Seguem sem rumo, sem fé, sem sorte, 
Limpam o rosto com mãos sangrentas.

Rhafrezzia Alves

Leia mais:
A luta de mulheres que querem deixar as drogas

Comentários

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  • 11.09.2013 19:53 Francisco mauriene de souza pires

    A deus ao seu amor A jamilia,sua atenção,Ao proximo diga assim: VIDA SIM,DROGAS NÃO.

  • 29.05.2012 11:32 euterpy

    Sou advogada, defensora pública em acreúna, cidade com 30 mil habitantes em goiás, sou portadora de necessidades espeicias, tenho sequelas graves de poliomielite, tenho uma estória de vida com final feliz. Me casei aos 35 anos com um alcoolatra de final de semana, também bebia. Foram 15 anos de perigo, não perdi minha vida por deus. Meu marido surtava quando bebia exageradamente e tentava me matar, não me recordo quantas vezes dormi fora da minha casa, por medo. Procurei solução por todo canto, cheguei ajustar uma pessoa para matá-lo, desisti. foi quando busquei a igreja videira, mais pelo apelo do nome videira, lá chegando conheci estporias iguais a minha, lutei pela libertação do meu marido durante dois anos, até que um dia deus enviou um homem na minha casa que me disse que deus escutou o meu choro, viu minhas lágrimas, que o tempo era de vitórias. De fato meu esposo naquele dia foi liberto, nunca mais bebeu. Hoje evangelizo as pessoas e conto minha estória que teve um final feliz. Obrigada senhor!!!.

  • 13.05.2012 12:10 Danilo da Silva Azevedo

    Glória a Deus!!

  • 06.04.2012 10:37 christiane de paula rodrigues

    A VOÇE TODA SORTE DE BENÇÃOS! O DEUS DE AMOR ESTÁ A SEU LADO,E QUANDO VOLTAR PRA CASA,ENTRE EM CONTATO.BJSSSS

  • 04.04.2012 09:01 Mariana Stipp

    A vida que nos uniu um dia nos separou ... escolhas ... O tempo passou mas no meu coração, na minha recordação você sempre será a Rhafrezzia amiga das suas amigas, protetora, próxima. Não acompanhei tudo o que aconteceu com você, sei muito pouco pra ser sincera, mas te conhecendo, sei que a pessoa que mais prejudicou foi a si mesma. A vida passa e muitas pessoas ficam para traz, o mundo se encarrega disso, mas saiba ... você pra mim sempre será muito importante, eu Mariana senti a sua amizade e acho que foi recíproco. Desejo pra vc toda a paz desse mundo,espero que Deus te de forças para seguir em frente, e mais que te encha de coragem e amor para ser a mãe, filha, irmã e amiga que vc pode ser e certamente será. Nada na vida é por acaso, somos fruto de nossas escolhas, mas o mais importante é que enquanto vivos, sempre podemos mudar o rumo das coisas, fazer novas escolhas e trilhar outros caminhos. Parabéns !!!!

  • 22.03.2012 12:13 Chymenya Alves de Freitas

    Que Deus te ilumine cada dia mais , pois você merece e coisas melhores estão por vir

  • 21.03.2012 11:41 Minha filhota é uma guerreira! Graças a Deus e pessoas maravilhosas como a Ana e a Bethe!

    Estou orgulhosa pela filha que Deus me presenteou. A felicidade da gente nunca é completa, hj está com 8 dias que Deus levou a minha mãe, antes dela partir eu a contei do livro que a Rhafrezzya tinha escrito, ela ficou mto feliz! Filha! Deus é contigo hj e sempre! Te amo mtoooooooooo!!!

  • 21.03.2012 05:25 LINDALVA

    Catherine obrigado pela linda matéria e uma historia com muitas historias triste mais quem sabe com um final diferente o ser humano quando encontra o amor ele encontra a esperança que as vezes a vida lhe nega .beijos

  • 21.03.2012 06:46 Cejana Di Guimarães

    Excelente matéria. Parabéns! Jornalismo não tem só que informar, mas também distribuir esperança. Somos co-responsáveis pela formação da memória coletiva e e do mundo no qual nossos filhos viverão.

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