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Ana Lúcia Amorim Boaventura

Moderna governança hospitalar

Segurança do paciente deve ser buscada | 18.06.13 - 20:34
 
Goiânia - As discussões sobre danos causados a pacientes na atenção médico-hospitalar têm ocorrido há mais de um século, porém com pouca visibilidade, até mesmo entre os profissionais da saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2004, lançou a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, fazendo com que esse tema ganhasse o destaque mundial merecido.
 
Recentemente, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançaram o Programa Nacional de Segurança do Paciente, com o objetivo de evitar eventos adversos como queda de paciente, administração incorreta de medicamentos, falhas na identificação do paciente, erros em procedimentos cirúrgicos, infecções e mau uso de dispositivos e equipamentos médicos.
 
Tais eventos adversos têm sido objeto constante de embates judiciais. A população está mais consciente de seu estado de saúde e em busca de novas informações, a Medicina tem se profissionalizado e os problemas inerentes ao exercício desta profissão começam a ser encarados de frente, não só pelos que laboram diretamente com os pacientes, mas também pelos administradores e advogados de hospitais.
 
Sendo assim, os problemas que, antes não passavam das portas dos centros cirúrgicos, ganham repercussões em toda gestão da organização de saúde, no Poder Judiciário, e por que não dizer, na mídia. Médicos e hospitais estão sendo, não raramente, julgados pela mídia e sociedade de maneira prematura e dramática, pois, geralmente os casos de insucesso trazem consigo uma carga emocional forte, uma vez que envolvem lesões corporais e mortes.
 
O que antes era visto como uma fatalidade inerente à prática assistencial, hoje é visto como erro passível de indenização. Entender que a relação entre risco e cuidados hospitalares é muito próxima, e seu consequente reflexo no Judiciário e na mídia, faz repensar o exercício da própria Medicina. Um exemplo disso é a inexistência de certas especialidades em algumas cidades dos E.U.A.  O custo de um seguro de responsabilidade civil para um neurocirurgião ou um obstetra em Nova Iorque já variou de 160 a 200 mil dólares por ano (Fonte: Segurança do Paciente: orientações para evitar eventos adversos; Charles Vincent; Ed. Yendis; pág. 19;  2010).
 
Segundo estudos da Fiocruz, de cada dez pacientes atendidos em hospitais, um sofre de evento adverso. No Brasil a ocorrência de tais incidentes é de 7,6%, sendo que 66% destes poderiam ter sido evitados através de medidas de segurança do paciente. 
Com o afã de diminuir consideravelmente tais índices, o Programa Nacional de Segurança do Paciente, anteriormente citado, traz seis protocolos. Dentre eles está o de “Segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos”. 
 
Uma vítima de má administração de medicação intravenosa em veia de membro inferior, que por isso teve trombose e precisou amputar a perna, buscou no Judiciário reparações de ordem estética e moral. A condenação foi de R$ 40 mil. (SP 0299686-69.2009.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/11/2012).

Outra condenação foi por danos morais e estéticos a um bebê de sete meses, que teve a amputação parcial de segundo dedo do pé direito e área cicatricial do dorso do pé direito. Foi comprovado o nexo causal entre as amputações e a má ministração ou manipulação dos medicamentos, desde o início do tratamento, por via do pé direito. Neste caso a condenação foi na ordem de R$ 80 mil (994070757899 SP, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/05/2010).
 
Outro protocolo é o de “Prevenção de quedas”. Paciente idosa recebeu de hospital R$ 6 mil por danos morais em razão de queda ocorrida em seu período de internação (70050333988 RS, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: 15/10/2012).
Importante mencionar também é o “Protocolo Cirurgia Segura”. Ele traz 19 passos, organizados em etapas, visando a implementação da prática do checklist. Checar os equipamentos e marcar o local da cirurgia, antes do procedimento, fazem parte deste protocolo.

Quem nunca ouviu falar em retirada de rim errado, cirurgia em perna ou olho errado? A prefeitura de São José dos Campos foi condenada a pagar vinte e cinco salários mínimos, vigentes na época, a título de danos morais, ao paciente que fora atendido em hospital de sua rede municipal, tendo a perna esquerda operada no lugar da direita, a verdadeiramente lesionada (SP 9071016-46.2009.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 17/02/2011).
 
É notório o distanciamento entre o cuidado ideal e o real. O quadro da tradicional e dicotômica governança hospitalar, em que os gestores se ocupavam com os aspectos econômicos e financeiros e, por sua vez, os médicos e, posteriormente os enfermeiros, cuidavam do aspecto assistencial, deve ser superado. A moderna governança hospitalar traz um modelo organizacional multiprofissional e interdependente. São gestores, médicos, enfermeiros, advogados, contadores etc. Todos envolvidos com os problemas da instituição. A credibilidade da instituição hospitalar não passa somente nas mãos dos médicos e administradores. Isso é facilmente percebido se nos lembrarmos do caso da estagiária que aplicou café na veia de idosa em hospital da Baixada Fluminense em outubro do ano passado, por exemplo.
 
Falar em segurança do paciente é discutir problemas que nascem nos hospitais, mas que extrapolam suas portas. Quantas mortes, lesões, gastos de recursos financeiros e processos judiciais poderiam ter sido evitados se medidas de segurança tivessem sido respeitadas? Por isso, é importante que o Programa Nacional de Segurança do Paciente seja de fato uma prática em todos os hospitais no Brasil e que os Núcleos de Segurança do Paciente sejam parte ativa na busca de melhorias, não somente mais uma burocracia a ser tolerada.
 
*Ana Lúcia Amorim Boaventura é Presidente, no Brasil, da Associação Latino-americana de Direito Médico e Professora Convidada da PUC-GO (Faculdade de Medicina). boaventura.ana@uol.com.br  
 
 

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