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Rodrigo Fiume
Rodrigo Fiume

Jornalista formado pela UFG e radicado em São Paulo há 16 anos / rfiume@gmail.com

São Paulo

A nova capital e os jornais paulistas

| 24.10.12 - 11:10

São Paulo - O leitor me permite não falar de São Paulo hoje? Obrigado. Se bem que há um viés paulista na coluna... Chega o 24 de Outubro e eu sempre me lembro do aniversário do escritor Yuri V. Santos, velho amigo paulistano com coração goianiense, e, claro, de minha cidade natal.
 
Pensando nela, fiquei curioso em saber o que os jornais da Pauliceia noticiaram na época do lançamento da pedra fundamental de Goiânia —nem nome a cidade tinha. Hoje, ficou bem mais fácil pesquisar. Folha e Estadão, os dois principais diários paulistas, já tornaram disponíveis em seus sites todo o seu acervo. 
 
Os textos são até engraçados. Há trechos bem semelhantes. Parece até que foram retirados da mesma fonte. 
 
Achei a reportagem da Folha da Noite —uma das publicações que deram origem à atual Folha de S.Paulo— um pouco dura com o Estado e sua então capital. Diz um trecho: "A situação sanitaria da cidade de Goyaz é, infelizmente, precaria. A cidade vive sob um montão de ruinas e lixo, jogado ás ruas sem o menor escrupulo, por parte da população, sem que a fiscalização sanitaria e municipal a isso dê attenções. Muares e outros animaes domesticos vivem soltos pelas suas ruas desalinhadas. As ruas e calçadas, juncadas de detritos só são limpas pela natureza: varridas pelo vento ou lavadas pela chuva."
 
Mas, já que ainda existem hoje cidades brasileiras nessa situação, não duvido que o que está descrito ali tenha sido algo próximo do real. 
 
O texto do Estadão foi mais simpático. "Com a construcção da nova capital, a velha Goyaz estará fadada a ser, como Ouro-Preto, um precioso relicario da arte colonial de nossos avós".
 
Eu reproduzi as duas reportagens abaixo, mantendo a grafia original da época. Pode haver um ou outro erro de digitação meu; ou do próprio jornal (sei lá, é tudo tão diferente de hoje). E algumas datas citadas também podem ter alguma incorreção, pois foi difícil decifrar os números.
 
 
Twitter: @rfiume

FOLHA DA NOITE
Quarta-feira, 24 de outubro de 1933


A nova capital de Goyaz
 
O lançamento da pedra fundamental — O programma de construcção da nova capital — Sua situação — A velha capital
 
 
Uma das maiores aspirações do povo goyano, concretiza-se hoje, com o lançamento da pedra fundamental de sua nova capital, no municipio de Campinas, proximo á cidade do mesmo nome.
 
A nova capital de Goyaz, realidade graças aos esforços do dr. Pedro Ludovico Teixeira, interventor federal naquelle Estado, ideada segundo as normas do moderno urbanismo, será dotada de todos os requisitos necessarios á tornal-o uma cidade confortavel. Nada foi esquecido, mesmo em seus minimos detalhes.
 
Sua expansão, suas obras futuras, o grau de progresso a que atingirá, infallivelmente, em um futuro não remoto, tudo isso foi previsto.
 
Situada quasi no centro do Estado, zonas das mais ricas e promissoras, bem proxima do Planalto Central onde se pretendeu e ainda se pretende erguer a futura capital do Brasil, gosa de um clima magnifico, e poderá desenvolver-se rapidamente.
 
A nova capital de Goyaz será ligada á Estrada de Ferro Goyaz, em Leopoldo de Bulhões, por uma optima estrada de rodagem que resolverá os problemas de transporte.
 
A construcção da nova capital, obedece ao seguinte programma:
 
Um centro civico com os edificios publicos, palacio do governo, etc; um hotel de 60 quartos; 100 casas para funccionarios publicos; abastecimento de agua potavel e esgotos; luz e força. 
 
A cidade se desenvolverá segundo um plano préviamente estabelecido e o governo do Estado effectuará novas obras de accôrdo com as necessidades da época e condições financeiras.
 
A vella capital, situada num local improprio ao seu desenvolvimento, foi visitada pela 1.a vez por Bartholomeu Bueno da Silva, o "Anhanguera" (Diabo Velho), que em 1632 [?] partiu de S. Paulo com numerosa bandeira, levando em sua companhia um filho de 12 annos, de nome identico ao seu. Foi este quem, mais tarde, em 26 de julho de 1725 fundou o arraial de Sant'Anna, nas proximidades do qual veio a fallecer em 19 de setembro de 1740, na mais completa indigencia.
 
Em uma velha rua ali existente, denominada Cambau'ba, ainda existem as antigas casas construidas pelos bandeirantes paulistas.
 
Pela carta regia de 11 de fevereiro de 1736, que mandava crear uma villa na povoação mais importante de Goyaz, foi o arraial de Sant'Anna elevado á categoria de villa e installado a 25 de julho de 1739, sob a denominação de Villa Bôa de Goyaz, em homenagem ao seu fundador Bueno e aos primitivos habitantes da localidade, os indios guayazes.
 
Em 1758, a igreja matriz de Villa Bôa foi elevada á categoria de parochia.
 
Pela alvará de 25 de maio de 1815 foi creado ali uma justiça provincial, composta do governador da provincia Fernando Delgado Freire de Castelhos, do ouvidor da comarca Desor [?], Joaquim Ignacio Silveira da Motta, e do juiz de fóro da villa.
 
A carta regia, de 17 de setembro de 1818 concedeu á Villa Bôa de Goyaz os fóros da cidade, sob a denominação de Cidade de Goyaz.
 
No censo de 1920, apuraram-se mais de vinte mil habitantes.
 
O sólo em que repousa a velha capital de Goyaz é muito pedregoso, sendo quasi que materialmente impossivel a abertura de uma rêde de esgotos. Numerosas casas não possuem poços de agua e raras são as que possuem assoalho e estuque, pois a maioria tem o tecto de lona pintada e mesmo de telha vá [?]. Ainda hoje, as novas construcções são feitas no estylo antigo.
 
Enfim faltam á cidade todos os requisitos modernos para ser a capital do Estado. A topografia da actual não a ajuda a engrandecer-se, visto ser o seu terreno, muitíssimo accidentado, pois está encravado entre montanhas, tendo como berço o rio Vermelho.
 
Necessario se tornou assim escolhe um local adaptavel á construcção de uma cidade inteiramente nova, tomando-se por base as modernas construcções do nosso seculo, para em breves annos, alcançado um maior mumero de população que é diminuta na actual, possa tomar o seu lugar de pioneira no progresso do Estado, estando á altura de ser a sua capital. A escolha de um local onde a cidade tenha probabilidades de infinitas expansões tendo em vista futuros aerodromos e estradas de ferro e rodagem.
 
Para a velha capital de Goyaz, no ponto em que está situada, é meramente impossivel o progresso. Da velha cidade nada se aproveita. Para demolil-a e refazel-a se gastaria fatalmente mais do que com a construcção de uma nova cidade. Por isso tornou-se necessario a sua mudança para o engrandecimento de um povo que até agora quasi não sentiu effeitos do progresso.
 
A situação sanitaria da cidade de Goyaz é, infelizmente, precaria. A cidade vive sob um montão de ruinas e lixo, jogado ás ruas sem o menor escrupulo, por parte da população, sem que a fiscalização sanitaria e municipal a isso dê attenções. Muares e outros animaes domesticos vivem soltos pelas suas ruas desalinhadas. As ruas e calçadas, juncadas de detritos só são limpas pela natureza: varridas pelo vento ou lavadas pela chuva.
 
Considerações, pois, de toda a ordem, desde a conservação dos interesses dos turistas, que constituem uma fonte de prosperidade e intercambio intellectual, á necessidade de proteger a agricultura e a população, militaram em favor da mudança da capital.
 
 
 
 
O ESTADO DE S. PAULO
Quarta-feira, 24 de outubro de 1933

 
A NOVA CAPITAL DE GOYAZ


Realisa-se hoje, solennemente, o lançamento da pedra fundamental da nova capital do Estado de Goyaz, no Município de Campinas, proximo á cidade do mesmo nome.

Graças aos esforços do actual Interventor Federal nesse Estado, terá o povo goyano realisado uma das suas maiores aspirações.

A nova capital foi projectada segundo as normas do mais moderno urbanismo e será, pois, dotada de todos os requisitos que a tornarão uma cidade confortável e salubre.

Situada proximo ao Planalto Central do Brasil e, aproximadamente, no centro de gravidade da zona mais rica e productiva do Estado de Goyaz, ella gosará de um clima excelente e poderá, com facilidade, se desenvolver rapidamente.

A nova cidade estará ligada á E. F. Goyaz, em Leopoldo de Bulhões, por uma optima estrada de rodagem que resolverá as necessidades de transporte.

Consta do programma de construcção da nova capital o seguinte:

Um centro cívico com os edifícios publicos, palacio do governo, etc; um hotem de 60 quartos; 100 casas para funcionarios publicos; Abastecimento de agua potavel e esgotos; luz e força.

A cidade se desenvolverá segundo um plano préviamente estabelecido e o governo do Estado effectuará novas obras de accôrdo com as necessidades da época e condições financeiras.

A velha capital, situada num local impróprio ao seu desenvolvimento, foi visitada pela primeira vez por Bartholomeu Bueno da Silva, o "Anhanguera" (Diabo Velho), que em 1682 [?] partiu de S. Paulo com numerosa bandeira, levando em sua companhia um filho de 13 [?] annos de edade, de nome identico ao seu. Foi este quem, mais tarde, em 26 de Julho de 1725, fundou o arraial de Sant'Anna, nas proximidades do qual veiu a fallecer em 19 de Setembro de 1740, na mais completa indigencia.

Pela carta regia de 11 de Fevereiro de 1736, que mandava criar uma villa na povoação mais importante de Goyaz, foi o arraial de Sant'Anna elevado á categoria de villa e installado a 25 de Julho de 1739 [?], sob a denominação de Villa Bôa de Goyaz, em homenagem ao seu fundador Bueno e aos primitivos habitantes da localidade, os indios goayazes.

A lei de 3 [?] de Dezembro de 1750 criou ali uma casa de fundição que, a partir de 1752, começou a fundir todo o outro pago pela capitação no anno anterior.

Em 1753 a casa de fundição rendeu de imposto 202:836$000 [?]; em 1767, 984:196$ [?] e em 1807, época da decadência da mineração na capitania, o quinto rendeu apenas 14:272$000.

Em 1758, a egreja matriz de Villa Bôa foi elevada á categoria de parochia.

Pelo alvará de 25 de Maio de 1815 foi criada ali uma justiça provincial, composta do governador da província, Fernando Delgado Freire de Castelhos, do ouvidor da comarca, Desor [?], Joaquim Ignacio Silveira da Motta, o do juiz de fóra da villa.

A carta regia de 17 de Setembro de 1818 concedeu á Villa Bôa de Goyaz os fôros de cidade, sob a denominação de "Cidade de Goyaz".

Actualmente a velha capital tem uma população de cerca de 8.000 habitantes e um aspecto genuinamente colonial, com seus antigos casarões provincianos, alguns delles ameaçando ruir. A população de Goyaz, porém, foi de 10.000 habitantes, tendo havido, pois, nestes ultimos annos, um sensivel decrescimo.

A velha capital conta presentemente com varios institutos de ensino secundario e superior. A porcentagem de analphabetos na capital é mínima, insignificante. Além de varios grupos escolares municipais e estaduaes, possue uma Escola Normal do Estado e outras das Irmans Dominicanas, um Lyceu, uma Faculdade de Direito e uma Escola de Pharmacia e Odontologia.

Com a construcção da nova capital, a velha Goyaz estará fadada a ser, como Ouro-Preto, um precioso relicario da arte colonial de nossos avós.


Comentários

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  • 29.10.2012 14:08 Jaísa Gleice

    Muito interessante a visão que os jornais tinham da antiga e da nova Capital, Goiânia. Continue contribuindo com ricos textos no A.R. Grande abraço, Jaísa

  • 29.10.2012 08:39 Vassil Oliveira

    Ótima pauta, ótimo artigo, Rodrigo! Interessante que, pelo visto, já naquela época o release tinha seu espaço garantido (rs). Abs

  • 25.10.2012 16:04 Yuri Vieira

    Obrigado por me incluir na sua lembrança, Rodrigo. Queria apenas citar, à guisa de contribuição, um comentário de Claude Lévi-Strauss sobre a cidade (desculpe, meu ebook está em espanhol): « Visité Goiánia en 1937. Una llanura sin fin con algo de terreno baldío y de campo de batalla, erizada de postes eléctricos y de estacas de agrimensura, que dejaba ver unas cien casas nuevas dispersas en todas direcciones. La más importante era el hotel, paralelepípedo de cemento que, en medio de semejante llanura, parecía un aeropuerto o un fortín. De buen grado se le hubiera podido aplicar la expresión «baluarte de la civilización» en un sentido no figurado sino directo, que así empleado tomaba un valor singularmente irónico, pues nada podía ser tan bárbaro, tan inhumano, como esa empresa en el desierto. Esa construcción sin gracia era lo contrario de Goiás; ninguna historia, ninguna duración, ninguna costumbre había saturado su vacío o suavizado su dureza; uno se sentía allí como en una estación o en un hospital, siempre pasajero, jamás residente. Sólo el temor a un cataclismo podía justificar esta casamata. En efecto, se había producido uno y su amenaza se veía prolongada en el silencio y la inmovilidad que reinaba. Cadmo, el civilizador, había sembrado los dientes del dragón. Sobre una tierra desollada y quemada por el aliento del monstruo se esperaba que los hombres avanzaran.» Mais detalhes, aqui: http://blogdo.yurivieira.com/2010/12/levi-strauss-goiania/ Abração!

  • 25.10.2012 07:23 jules rimet

    grande coluna, Fiume, o melhor e mais original texto de aniversário de Goiânia de todos os jornais

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Rodrigo Fiume
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Jornalista formado pela UFG e radicado em São Paulo há 16 anos / rfiume@gmail.com

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