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Educação no trânsito

Tecnologia mostra, na prática, os efeitos da embriaguez ao volante

Simulador vai ajudar a formar novos motoristas | 30.09.13 - 00:39

Adriana Marinelli e Mônica Parreira
 
Goiânia - "Muita coisa mudou desde o dia em que um cidadão que resolveu dirigir alcoolizado cruzou meu caminho. Tive que alterar minha rotina e o dia a dia de toda a minha família também." Esse é o resumo do que aconteceu na vida do vendedor Donizete Pimenta Faleiros, de 58 anos. Ele integra a extensa lista de vítimas que sofrem a consequência da imprudente mistura entre álcool e direção.
 
Era dezembro de 2012. Ao lado de familiares, Donizete (foto) seguia rumo a Goiânia e viu seu destino mudar. "Voltávamos de um velório quando sofremos o acidente, entre Caldas Novas e Piracanjuba. Um homem totalmente alcoolizado, que conduzia um Ford Fusion, bateu na nossa caminhonete", lembra Donizete. 
 
"Ele fez uma série de ultrapassagens, sem a menor prudência, o que acabou resultando na colisão. Nosso carro capotou cinco vezes."

Ter sobrevivido é motivo de alegria para Donizete, ainda que as sequelas físicas o acompanhem. O vendedor ficou tetraplégico e, desde então, depende da esposa e dos filhos para quase tudo. No início, ele precisava de ajuda até para as tarefas mais simples, como se alimentar.
 
Depois de algum tempo de tratamento no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), ele alcançou uma considerável evolução. "Com algumas adaptações, o Donizete já consegue se alimentar, escrever e vestir uma camiseta sozinho. Essa é a função da terapia ocupacional: fazer com que o paciente dependa cada vez menos de outras pessoas", ressalta o terapeuta ocupacional Sávio Araújo.
 
"Alcoolizado, ele fez uma série de ultrapassagens sem a menor prudência, o que acabou resultando na colisão. Nosso carro capotou cinco vezes."
(Donizete Pimenta Faleiros, 58 anos)
 
Donizete representa várias outras histórias de pessoas que, de uma forma ou de outra, lidam todos os dias com as consequências de acidentes provocados pelos efeitos do álcool. Com o intuito de conscientizar os novos condutores, para que estes entendam antes mesmo de conquistarem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) os perigos de se dirigir alcoolizado, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) determinou o uso dos simuladores veiculares.

Conforme está previsto, a partir de 31 de dezembro deste ano o uso dos simuladores de direção veicular na formação do condutor será obrigatório em todos os Estados e no Distrito Federal. 
 

Simulador será obrigatório em todos os Estados e no Distrito Federal (Foto: Adriana Marinelli/A Redação)
 
Com a nova medida, os Centros de Formação de Condutores (CFCs) de todo o Brasil terão de oferecer as atividades de simulação aos candidatos à CNH (categoria B). 

Serão cinco aulas de 30 minutos com conteúdo didático, como conceitos básicos de condução, marchas, aprendizado de circulação em avenidas, curvas, estradas, vias de tráfego, regras de segurança, congestionamento e em situações de pista molhada e outros riscos. Cada aula vai custar ao aluno em média R$ 50.
 
Entenda como funcionará o simulador:
 

A principal intenção do Detran com a implantação da nova tecnologia é fazer com que casos como o de Donizete não sejam mais registrados. Pai de quatro filhos, ele precisou se adaptar à nova vida depois do acidente. "Eu morava em um apartamento, tive que me mudar para uma casa e largar o emprego. Essas são apenas algumas das mudanças. Minha vida virou de ponta cabeça."

Sobre o responsável por toda essa reviravolta, Donizete é direto ao afirmar: "Não sei nem onde ele está hoje. Ele nunca me procurou para saber se eu estava sentindo dor ou se eu precisava de um comprimido, por exemplo."
 

Terapeuta ocupacional Sávio Araújo auxilia Donizete nos exercícios (Foto: Adriana Marinelli/A Redação)
 
O simulador veicular chega para ajudar a mudar uma realidade preocupante. O Ministério da Saúde divulgou, no primeiro semestre deste ano, um estudo inédito, realizado pelo programa Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), confirmando os perigos da relação entre álcool e direção. O levantamento aponta que uma em cada cinco vítimas de trânsito, atendidas nos prontos-socorros brasileiros, ingeriram bebida alcoólica. A faixa etária que mais aparece foi de 20 a 39 anos (39,3%).
 
Também para reverter esse quadro, em janeiro deste ano houve reforço na fiscalização e novas regras para os motoristas. Foi adotada a Tolerância Zero na Lei Seca, que define como crime dirigir com a capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebidas alcóolicas ou de outras substâncias químicas. A multa para este tipo de crime é de R$ 1.915,40, sendo que o valor dobra em caso de reincidência.

Presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás (OAB-GO) , o advogado e gerente de Controle Regional do Detran-GO, Assis Silva Netto, acha válido o aprimoramento das leis, mas vai além. "O trânsito é tratado em três colunas: informação, engenharia de tráfego e punição. O trabalho de conscientização está sendo feito e muito já foi melhorado, mas ainda está longe de ser o ideal", diz. "Infelizmente não é possível mudar uma realidade como essa do dia para a noite", conclui.

Criada em setembro de 2011, a Operação Balada Responsável tem contribuído para a redução de ocorrências relacionadas à combinação álcool e direção em Goiás.

Em entrevista exclusiva ao jornal A Redação, o tenente Augusto Sampaio de Oliveira, chefe de planejamento do Batalhão de Trânsito e supervidor do Balada Responsável, detalhou os números positivos durante uma blitz acompanhada de perto pela reportagem.
 
Segundo informações do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO), repassadas pelo tenente, entre janeiro e setembro de 2011, 11.561 acidentes com vítimas, envolvendo pessoas alcoolizadas, foram registrados em Goiânia. Neste ano, diante do intenso trabalho de conscientização, durante o mesmo período, o número reduziu para 5.630.


Tenente Sampaio apresenta balanço positivo da Operação Balada Responsável (Foto: Mônica Parreira/A Redação)

"Trata-se de uma redução de 61%", destaca. "Também diminuíram os acidentes com mortes envolvendo pessoas sob efeito de álcool. Em 2011, entre janeiro e setembro, foram 63 acidentes assim. Neste ano, foram 36, o que representa redução de 48%."
 
O tenente Sampaio ressalta ainda a importância educacional das blitze realizadas diariamente em Goiânia. "Em cada bloqueio, são abordadas, em média, 400 pessoas. Ainda flagramos muitas pessoas embriagadas, mas é nítido que o número reduziu muito de 2011 para cá."

Ainda que encaradas pelos imprudentes como vilãs, as blitze evitam situações como a que Flávio de Jesus (foto), de 33 anos, viveu. Em novembro de 2011, o trabalhador voltava para casa depois de beber com os amigos em um bar.

“Eu não me lembro de nada. Só sei que bebi e acordei dias depois”, relata ele, com dificuldades na fala. Flávio perdeu o controle da moto que pilotava sem habilitação e colidiu com o meio fio. “Estava de capacete, mas não travei ele direito”.

Sua mãe, Edinalva de Jesus, recebeu a notícia do acidente e, ao chegar no local, presenciou o filho sofrer duas paradas cardíacas.

"Ele ficou oito dias respirando com a ajuda de aparelhos e um mês internado", relembra. A falta de oxigênio no cérebro comprometeu os movimentos de Flávio que, mesmo às vésperas de completar dois anos pós acidente, ainda precisa de cadeira de rodas para se locomover.

 
"Eu não lembro de nada. Só sei que bebi e acordei dias depois."
(Flávio de Jesus, 33 anos)

Toda semana Flávio vai ao Crer para uma série de atividades que o ajudam, aos poucos, a recuperar os movimentos. "Eu agradeço a Deus por estar vivo. Se Ele me permitir voltar a andar, eu nunca mais vou pilotar uma moto. Quero voltar a trabalhar para comprar um carro", planeja, garantindo que o álcool nunca mais fará parte da sua vida.

"Cachaça não é bom, não é bom. Eu queria ter escutado e seguido os conselhos da minha mãe. Bebida nunca mais me pega", garante.

Mesmo depois de inúmeros sustos e prejuízos, há quem ainda insista em pegar o carro ou a moto depois de tomar "algumas". É o que acontece com R. S., de 24 anos.

Amante de música eletrônica e apaixonado por uma boa balada, o rapaz não abre mão de uma ou duas doses ou de alguns chopes "de vez em quando". Mesmo que ele já tenha sentido no bolso o valor do prejuízo após ter batido o carro alcoolizado, a prática de beber e dirigir ainda é presente na vida de R. S.
 
"Saio para beber de três a quatro vezes na semana e nunca vou de táxi, dirijo meu próprio carro. Já bati algumas vezes, mas nada sério. Já houve colisão, inclusive, com um motociclista, mas ninguém saiu machucado", conta.

"Sei que não é legal beber e dirigir! Vários familiares e amigos já me alertaram, mas eu fico dois ou três dias pensando nisso e logo volto a repetir o erro", completa o jovem, que não esconde o medo de provocar um acidente sério.
 
"Saio para beber de três a quatro vezes na semana e nunca vou de táxi, dirijo meu próprio carro."
(R.S., 24 anos)

 

R. S. insiste em combinar bebida e direção (Foto: Aline Mil/A Redação)
 
A reincidência do erro de Alexandre (nome fictício), de 29 anos, é ainda pior. Ele é irmão de Flávio de Jesus e, mesmo acompanhando diariamente suas dificuldades e sendo bombardeado pelos conselhos da mãe, não deixa de beber e pilotar.

"Nos primeiros meses ele via o sofrimento do Flávio e até parou de beber, mas depois de um tempo a coisa ficou ainda pior", lamenta dona Edinalva que, no começo deste ano, precisou até pagar fiança para tirar o filho da delegacia, quando foi detido por meio da Lei Seca.

"Agora fica aí sem habilitação, com problemas na justiça e praticando o mesmo hábito. Ele diz que, quando dá vontade de beber, ele bebe. A gente aconselha, mas não tem como mandar em um homem que já tem quase trinta anos, né?".
 
Coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), a psicóloca Susie Amâncio Gonçalves de Roure (foto) analisou o comportamento de R. S. e de Alexandre e garante:

"Quanto mais as pessoas vivem reféns das demandas internas, dos próprios desejos,  mais difícil fica andar dentro do que determinam as leis."

De acordo com Susie, os perfis de R. S. e Alexandre se enquadram nos casos de Personalidade Narcísica, que é a necessidade de ser admirado. São pessoas muito preocupadas com elas mesmas, com ambições elevadas.

"Eles pensam 'estou bêbado, mas me garanto', têm uma sensação de onipotência e acabam colocando em risco a própria vida e a vida de outras pessoas", explica ela.

"Eles não têm noção de riscos. Não enxergam vantagem em abrir mão de um prazer, no caso a bebida, em função de um possível desprazer, no caso o acidente", acrescenta a psicóloga.

Antes mesmo da ideia de implantar o simulador veicular, nos últimos anos o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) tem aprimorado o processo de formação de novos condutores, aumentando a carga horária das atividades obrigatórias.

Atualmente, o candidato precisa assistir a 45 horas/aula teóricas e realizar 20 horas/aula práticas antes das avaliações. Esses números em 2008 eram de 30 e 15, respectivamente, e a tendência é que aumentem nos próximos anos.

O sistema local deve ficar ainda mais eficaz a partir do dia 1º de outubro, quando começa a implantação do leitor biométrico nos Centros de Formação de Condutores (CFC's). Além de agilizar o processo de obtenção da CNH, a tecnologia promete maior segurança e fiscalização, evitando riscos de fraude ou negligência na presença dos alunos durante o curso.
 

Para professor Gregório, aulas teóricas são fundamentais (Foto: Mônica Parreira/A Redação)
 
Para Gregório da Silva, diretor de ensino da Cooperativa dos Profissionais de Formação de Condutores do Estado de Goiás (Coopertran), a importância do curso vai muito além das exigências legais.

"O candidato adquire informações e conhecimentos que vai levar para vida toda. É um trabalho de educação e conscientização", diz o diretor, que também é professor de Direção Defensiva.
 
Além de novos condutores, o alvo do Detran é trabalhar na reinserção daqueles que, por motivos diversos, perderam o direito de dirigir. É o caso da Reciclagem: curso obrigatório para quem deseja resgatar a CNH.

Dados do departamento mostram que são atendidas no Estado, em média, 160 pessoas todo mês. Pelo menos 40% delas tiveram a CNH retida por consequência das fiscalizações realizadas pela Balada Responsável.

O curso possui 30 horas/aula de duração, acompanhadas de uma prova. No caso da retenção pela Lei Seca, além da aprovação no Reciclagem, a pessoa precisa aguardar o período de um ano a partir da data da punição.

"O processo educativo é indispensável. Acidente não existe, isso é um paradoxo. O que existe é falha humana. Então a pessoa que bebe e dirige, por exemplo, foi negligente com sua condição. A sala de aula é o ambiente certo para o indivíduo conhecer a realidade do trânsito, e isso gera a mudança de comportamento", conclui Gregório da Silva.
 

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