Em 1819 o naturalista francês Saint-Hilaire (Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire, 1779-1853) empreendeu uma antológica viagem pela Capitania (a partir de 1822, Província) de Goiás.
O Brasil estivera proibido aos viajantes estrangeiros por 300 anos, crime que era punido com a condenação à morte.
Com a chegada de Dom João VI e sua corte ao Rio de Janeiro as portas da nação foram abertas aos viajantes naturalistas, dentre eles Saint-Hilaire.
As descrições de suas viagens – em que pese as ácidas críticas aos costumes brasileiros ante a ótica de um europeu – forneceram elementos que muito contribuíram para o conhecimento da história, etnografia, botânica, geologia, zoologia, sociologia, agropecuária, costumes e religião da Província de Goiás.
Saint-Hilaire escreveu dois livros sobre a jovem província, sendo “Viagem à Província de Goiá” (Belo Horizonte; São Paulo: Itatiaia; Edusp, 1975. 158 páginas) o mais conhecido por essas plagas. A razão, além de sua especificidade sobre o hoje estado de Goiás, talvez seja o próprio título, que desperta a curiosidade do leitor goiano ao fazer referência à terra outrora pertencente aos índios Goiá.
Nesse livro, Auguste de Saint-Hilaire descreve minuciosamente a vegetação, o relevo, o sistema orográfico e os costumes dos arraiais de Meia-Ponte (Pirenópolis), Santa Luzia (Luziânia), Corumbá, Jaraguá, Ouro Fino e Ferreiro (extintos) Caldas Novas, Vila Boa (Goiás) e Santa Cruz. Esse espaço é breve para as surpreendentes revelações do botânico.
O segundo livro (muito menos conhecido) foi publicado originalmente na língua de Balzac, em 1847, como “Voyages dans l'interieus du Brésil”, finalmente traduzido por Clado Ribeiro de Lessa como “Viagem às nascentes do rio São Francisco e pela Província de Goiás”. A publicação é da Companhia Editora Nacional, em dois volumes (vol. 68 e 78), na Coleção Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira – cuja edição na fotografia em espelho é de 1937. Os dois volumes perfazem 650 páginas.
Posteriormente (1975) um consórcio das editoras Itatiaia e Edusp publicou uma nova edição, suprimindo do título a referência a Goiás. Talvez isso explique por que esse importante livro não seja tão conhecido quanto o primeiro.
“Viagem às nascentes...” é o mais revelador livro sobre a história de Goiás, escrito por um cronista isento, crítico e que esteve nessas terras apenas 90 anos após a descoberta do Sertão dos Goyazes pelos Anhanguera, pai e filho.
No primeiro tomo, e em pouco mais de 60 páginas, Auguste de Saint-Hilaire dá luz à história da formação da Capitania e da Província de Goiás.
A grande injustiça é que muitos historiadores contemporâneos citam cronistas posteriores, que consultaram Saint-Hilaire, mas olvidam-se de buscar os originais traduzidos do viajante francês.
Leitura imprescindível.
* Nilson Jaime é mestre e doutor em Agronomia e membro do IHGG, Icebe, AGnL, Aplam, Aplamc e AGI.