O isolamento social tem nos retido em casa, para ajudar na não propagação do novo coronavírus. A procura por uma novidade nos leva para a televisão e ali, em muitos momentos, surgem opções interessantes. Como a oferta de filmes é muito grande e por não acompanhar muito os lançamentos, sempre aparecem alternativas que, mesmo sem a gente saber sobre a obra, acabam nos envolvendo.
Ontem, Heloísa e eu vimos “A esposa”, de 2019, com direção de Björn Runge, escrito por Meg Wolitzer, com Glenn Close (Joan Castleman) e Jonathan Pryce (Joseph Castleman) nos papéis principais.
Uma história simples, de um escritor famoso que conquista o Prêmio Nobel de Literatura e viaja com a mulher e o filho para receber a premiação. A viagem permite conhecer as histórias que se cruzam. Começa quando ele é um jovem Professor de Literatura, simpático e dominador, casado, que se envolve com uma aluna que se destaca pela beleza e pelo estilo de escrever, ele se separa da esposa e a partir daí não se desgrudam mais. Ela, que tinha a intenção de ser escritora, logo se decepciona com a atividade ao conversar com uma autora já famosa, que a desestimula, ao falar das dificuldades que teria pela frente, por ser mulher, num mercado dirigido por homens, machistas em suas atitudes. A partir daí vive o relacionamento: tiveram dois filhos e ela, ao se recolher à casa, passa a cuidar dos filhos e, principalmente, a ser uma consultora dele em seus escritos. Na verdade, diante de sua opinião desfavorável aos textos dele, ela resolve reescrevê-los, o que se torna uma constante daí em diante. Ela cumpriu esse papel e isso, aparentemente, não a incomodava, pois o marido era atraente e um eterno conquistador.
O tempo, no entanto, cobra das pessoas, em especial daqueles que não lutaram por seus projetos, por suas expectativas, e isso acende nela, ao receber o comunicado da premiação do marido, uma chama interior mal conduzida. Outras questões, paralelas, surgem, como o desejo do filho deles de se tornar escritor, que pede a análise e a aprovação do pai ao conto que lhe entrega para ler, e as observações duras que o genitor faz, em sua forma espontânea e às vezes grosseira de falar. E um jornalista meio atrevido que, pretendendo escrever a biografia de Joseph Castleman, escarafuncha a vida do casal, descobre que os trabalhos iniciais dele não eram tão expressivos e que houve uma mudança de qualidade a partir do casamento com a atual mulher. O que foi dito pela própria ex-mulher. A partir da conversa com Joan Castleman e as indiretas que ele faz, a história é recontada na cabeça dela, a dedicação ao marido, o abandono de seus sonhos e a aceitação do próprio estilo dele, prepotente e sedutor, com os casos que ela acaba descobrindo, os pedidos de perdão e ela começa a rever tudo.
Não sou um crítico de cinema, e apenas discorro sobre os filmes que me conquistaram. Gostei muito de “A esposa”, do desempenho dos dois, da história construída e das análises feitas, mostrando-nos que a vida nos cobra o tempo todo cada passo em falso que damos. Serve de lição para a rotina de cada um, do casal e da trajetória que construíram.
É uma obra que nos cativa desde o início, vai nos abraçando em seus questionamentos e nas discussões entre eles – ela, sensata, falando as palavras corretas nos momentos certos e preocupada com a família; ele, logo se exaltando, dizendo palavras inapropriadas e seu descompromisso familiar. Essa dinâmica nos torna, desde o início, partícipes do roteiro, pela forma como nos é contado e como nos estimula a nos colocar em seus papéis.
Foi uma tarde muito agradável entrar nessa história, conviver com eles cada momento, refletir como é a vida a dois e tentar buscar uma outra trajetória.
O filme, na verdade, é a narrativa sobre ela, que tem um desempenho muito elogiado: conquistou o Globo de Ouro, Melhor Atriz: drama, e o prêmio de Melhor Atriz em Cinema da associação dos críticos (Critics Choice Award).
*Jales Naves é jornalista e escritor, foi Presidente de Associação Goiana de Imprensa (AGI) em dois mandatos consecutivos (1985-1991)