Em tempos de aplicativos, rastreamento em tempo real e dados sendo gerados a cada passo, um dilema ético e legal tem povoado as discussões no âmbito da Justiça do Trabalho: até que ponto a geolocalização do celular pode ser usada como prova em demandas entre empregador e empregado?
Essa tecnologia, que já vem sendo usada na instrução de demandas trabalhistas, pode ser aliada de ambos os lados, desde que usada com responsabilidade e dentro de limites éticos e legais muito claros.
Para o trabalhador, a geolocalização pode ajudar a comprovar, com precisão, deslocamentos e horários, especialmente em funções externas, como vendedores, técnicos de campo e motoristas. Para a empresa, ela reforça a fidelidade dos registros de jornada e evita alegações genéricas sobre serviços não prestados.
A Lei Geral de Proteção de Dados exige transparência total. O trabalhador tem o direito de saber quando e por que seus dados estão sendo coletados. E mais: precisa ter acesso a eles e poder corrigi-los, se necessário. Já a empresa deve limitar o monitoramento ao período de trabalho, com base legal adequada (consentimento ou legítimo interesse) e elaborar relatórios de impacto sobre o uso dessas informações.
A intenção do legislador é impor limites, o que vai ao encontro de princípios constitucionais. Afinal, monitorar o colaborador fora do expediente ou em locais sem relação com a função exercida é abuso, e a Justiça do Trabalho não tem perdoado excessos e ilegalidades.
Um aspecto interessante é que o uso de tecnologias como a geolocalização pode ter um papel preventivo e até educativo, reduzindo a pressão sobre a Justiça trabalhista. Isso porque provas objetivas desencorajam ações infundadas e ajudam a esclarecer os fatos com maior precisão. Essa transparência gera um ambiente mais justo e equilibrado, no qual tanto o empregador quanto o empregado sabem que os registros falam por si.
Por outro lado, quando há má-fé – de qualquer das partes –, a Justiça também já mostrou que está preparada. Um trabalhador que move ação com base em informações falsas pode ser condenado por litigância de má-fé, com multas de até 10% do valor da causa, além de ter de arcar com honorários e eventuais indenizações. E mais: dependendo do caso, a conduta pode extrapolar a esfera trabalhista e se transformar em problema criminal, com acusações de falsidade ideológica ou uso de documento falso.
Para evitar esse cenário, as empresas devem investir em políticas internas claras, formalizar o uso de aplicativos e sistemas de controle de jornada e informar seus empregados sobre direitos e deveres. Já os trabalhadores precisam estar atentos aos seus próprios registros e ter consciência de que a tecnologia, hoje, tanto protege quanto responsabiliza.
O ponto central é simples: a tecnologia no trabalho não é inimiga, desde que usada com transparência, equilíbrio e respeito mútuo. Afinal, justiça só se faz com verdade. E, agora, com dados também.
*Ana Luiza Santos é advogada especialista em Direito do Trabalho.