Vi e gostei da série “Bolivar” (“Bolívar: Una lucha admirable”, no original), contando a vida e os amores do general venezuelano Simón Bolívar, que ajudou diversos países da América Latina a se libertarem do domínio da Espanha monarquista. Baseada em fatos, essa produção da Caracol Televisión, da Colômbia, em parceria com a Netflix, com direção e roteiro de Andres Beltran, Luís Alberto e Juana Uribe, tem 60 episódios, com duração aproximada de 50 minutos cada, e foi lançada em junho de 2019. Nos papéis principais, José Ramón Barreto (Bolívar, jovem), Irene Esser (Maria Teresa), Luís Gerônimo Abreu (Bolívar, militar) e Shany Nadan (Manuela Sáenz).

É uma biografia romantizada, referindo-se a fatos do século XIX, mostrando Bolívar como visionário, herói e libertador, que pegou em armas e liderou a expulsão dos espanhóis para implantação do regime republicano. Íntegro, idealista e revolucionário, espírito irrequieto e que teve na Espanha em crise seu aprendizado político, quando participou de discussões ásperas, sempre se posicionando de forma contundente na defesa dos princípios democráticos, ele viveu intensamente seus 47 anos de vida.
Simpático, inteligente, crítico e firme em suas opiniões, foi um jovem impetuoso, um militar rigoroso e vitorioso em suas batalhas campais e um administrador criterioso, gerindo com rigor e justiça, sendo sensato e prudente nas decisões. Mostrou-se um estadista. Rico, desprendido e honesto, utilizou seus bens para fazer revoluções. Ocupando posições chave em momentos delicados de dois países, a Colômbia e a Venezuela, procurou dar solução aos muitos problemas que enfrentou, provocou o ciúme dos políticos e lideranças econômicas e pagou caro por essa ousadia, de ser e de viver de forma independente.
Bolívar nasceu em Caracas, em 1783. Seu pai, Juan Vicente Bolívar, faleceu quando ele tinha três anos. Sua trajetória começa com ele ainda criança, brincando com o negro Dionísio, com quem caminha na longa e difícil jornada de lutas. Depois, acompanha o sofrimento da mãe, Maria de la Concepción Palácios, que tanto admirava, a luta dela contra a tuberculose e seu falecimento, quando ele tinha apenas nove anos. É levado para a casa do avô materno, que também logo morre e vai morar, por pouco tempo, com o tio Carlos Palácios, mau caráter, que tenta administrar como seus os bens do sobrinho e família. Como era um menino inquieto, não dado a rotinas, o tio o leva para morar na casa do pedagogo Simón Rodriguez, por quem foi muito influenciado e com quem voltou a se encontrar na Europa. Aos 14 anos ingressou como cadete no Batalhão de Milícias de Blancos de los Valles de Aragua, no qual seu pai tinha sido coronel, destacando-se pelo desempenho.
A elevada tributação e a severa fiscalização espanhola foram motivos para ele se decidir buscar um título de nobreza, para conseguir mais força em seus pleitos. Viaja para a Espanha, em 1799, e ali melhora e consolida sua formação (História, Literatura e Matemática), afina seu discurso político e aprende a língua francesa. Nesse país é recebido por dois tios sem estrutura e sem condições financeiras, mas que acabam por aproximá-lo de um professor bem quisto na sociedade, que lhe abre oportunidades. Inclusive, encontra a bela jovem Maria Teresa Rodriguez del Toro y Alaysa, por quem passa a se interessar e a disputa com um nobre espanhol, batalha que vence por sua astúcia e inteligência. Enamorou-se por ela e se casaram quando ele tinha 19 anos, em 1802; retornam para a Venezuela – ele para cuidar de seus bens, em especial a fazenda, mas sem o título, e ela o acompanha, revelando-se uma pessoa ativa, determinada, sensível, uma grande companheira e conselheira, que acabou contraindo malária, e não resistiu. Tiveram uma convivência intensa e curta, e a morte dela deixou-o desesperado, quando Bolívar promete viver seu espírito de luta e não mais se casar.
E por aí vão acontecendo as batalhas campais, as longas e cansativas caminhadas das tropas, as travessias consideradas impossíveis, as discussões políticas, os encontros com mulheres guerreiras e prontas a lutar por ele, os desencontros e as maldades do jogo político, o ciúme e a vaidade dos personagens, nos diversos níveis. Essa dinâmica tornou a série atrativa, deixando a todos cativos, logo querendo ver o episódio seguinte.
Uma questão salta aos olhos dos brasileiros, como afirmou o jornalista Sérgio Vilar, em artigo no site “Papo cultura”: a série escancara a falta de heróis no Brasil. “Não sou historiador, mas tampouco uma ilha isolada do senso comum. E se perguntar a qualquer transeunte na Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador (talvez Peru, não sei), eles têm um herói em comum na ponta da língua: Simón Bolívar. A Argentina, libertada por San Martin, tem lá seu Che, sua Evita Peron. E o Brasil?”, indaga.
Conforme ressaltou, “Bolívar não foi um ídolo, como Ayrton Senna e outros mais confundidos com heróis (ultimamente também na seara política). Mas um herói de fato, repleto de conquistas, feitos e atos dignos do status. Bolívar libertou nada menos que seis nações do domínio espanhol em nossa América: Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Panamá”.
Outro aspecto importante que destaco foi o investimento feito pela rede de TV Caracol, que decidiu produzir a série e a fez de uma forma grandiosa, envolvente, mostrando competência e compromisso com o país. O que ainda não vimos no Brasil com essa dimensão, de resgatar a história, valorizar personagens e fortalecer o espírito nacionalista, o sentimento de amor pelo país. Não essa veneração que momentaneamente as pessoas sintam por um ou outro ator da política, todos passageiros, mas um estadista, uma pessoa que saiba administrar, construir e unir.
*Jales Naves é jornalista e escritor, presidiu a Associação Goiana de Imprensa (AGI) em dois mandatos consecutivos (1985-1991).