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Stênio Marques

Viva o luto para não viver de luto

| 05.06.20 - 11:47
 
Nesse momento sombrio de pandemia, com a chegada da covid-19, pessoas que amamos estão partindo e não temos o tempo necessário para a despedida. É por isso que viver o luto é importante para não viver de luto.
 
Antes de falar em luto, precisamos compreender o que o antecede: a morte. A morte é um acontecimento que faz parte do desenvolvimento e está presente no cotidiano de todos, porém é vista em um contexto sócio histórico de negação. Os sujeitos sociais procuram não entrar em contato com a morte, tentando desconsiderar inclusive seu processo natural, por vários motivos, um deles pelo desconforto da dor e da perda. A tendência é considerar a morte apenas na velhice. O modo como a finitude foi e é encarada pelo homem ao longo do tempo indica que a humanidade caminhou para a negação da morte. A morte hoje é vista como representação de fracasso e uma interrupção nos projetos de vida.
 
Quando se perde alguém que se ama, parece que tudo isso passa a não ter sentido. Talvez dormir alivie, porque dá a impressão de que a dor parece ter adormecido. Momento em que o medo desperta: será preciso enfrentar o dia seguinte. Mas como? Perder quem se ama é morrer um pouco, mesmo que o coração insista em bater. Os seres humanos se constituem na vida por um processo lento, o alívio também não há de ser imediato, uma vez que, demanda tempo. Em um mundo projetado para a felicidade, o luto constrange. Abre um espaço para o mal-estar. A morte é como um espinho, porém, é necessário aproximar-se dela com naturalidade.
 
Se existirem momentos menos solitários, de menos dor, talvez seja a primeira semana, o primeiro mês, enquanto duram as cerimônias de despedida. E que cerimônias! Com a pandemia, essas cerimônias não estão durando mais que três horas. Após o sepultamento, passam os dias e retoma-se a vida novamente. Ninguém mais quer falar sobre o acontecimento, a não ser aquele que vive o luto, que não consegue pensar e falar em outra coisa. Agora, a dor pode aumentar em grande escala e, parece nunca chegar ao fim. Não há certezas, inclusive, pode perdurar por muito tempo: a perda vai se instalando no corpo, até que deixe de lhe causar incômodo. Daqui para frente, é importante reconhecer as fragilidades e procurar auxílio afetivo e/ou profissional, que irá ajudar a alteração dos sentimentos e, assim passa a morar em nós quem se foi, sem que cause dor, mas alívio e conforto.
 
Mas, por outro lado, sem dor é impossível se chegar há algum lugar. Ela abre os olhos, ensina a mudar o rumo. E assim, distraidamente, vai mostrando a vida novamente, porém, uma nova vida, porque sempre é tempo para mudar. Cada sujeito descobre sua forma de colocar a dor para trabalhar em outra direção, de modo particular. Assim, a falta pode ser uma importante categoria, por ser reveladora. Por revelar a importância das pessoas em nossas vidas, e não somente isso, mas por fazer-nos (re)pensar a vida. Lembram-nos a urgência de amar quem está próximo de nós. E ainda, a capacidade de nos ensinar a fazer escolhas leves, sem nos deixar presos no peso da certeza de ser para sempre. Não somos para sempre, somos finitos.
 
Aqui, a reflexão é ter tempo para perceber a vida, e de como esta é curta, e não vem com prazo de validade, muito menos com alguma garantia. Cada dia é uma oportunidade única para afetos reunidos, permeados de riso, mas também de choro. Então, celebre. Invista na vida, em bons momentos, em pessoas, naquilo que lhe faça feliz. Ame hoje, fale hoje, faça hoje. Procure pessoas/profissionais que possam contribuir para seu recomeço, um novo olhar para a vida. Se conheça.
 
Faça psicoterapia, e comece a enxergar um mundo de possibilidades com pessoas que você ama e que estão ao seu lado; para que consiga ter a sensibilidade de enxergar crianças brincando do lado de fora de sua casa, e assim a oportunidade de brindar à vida, porque esta não pode esperar. Viva o luto para não viver de luto. Ah, e o mais importante: faça tudo no seu tempo, afinal, cada pessoa re(age) de uma forma diferente da outra.
 
*Stênio Marques é psicólogo

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