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José Osório Naves

Goiás, no epicentro do faroeste brasileiro, desperta desbravador do cerrado

| 16.07.20 - 10:25
 
O western ou faroeste remontam histórias ambientadas, primordialmente, no Velho Oeste dos Estados Unidos do século XIX, centrado na vida dos cowboys ou pistoleiros armados com revólveres e rifles da época, em cima dos seus cavalos, na conquista das terras daquele território americano. Com toda brutalidade promoveram a disseminação de raças indígenas em ocupação desordenada. Mas resultou no desenvolvimento de uma área até então inóspita.
 
Inspirado nessa aventura histórica, mais pelo lado ideológico, sem a violência resultante, mas usando tratores e escavadeiras, o governo Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo, na década de 1940, promoveu a chamada Marcha para o Oeste.
 
O projeto foi criado com o intuito de promover a integração econômica e o crescimento populacional das regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, áreas da menor densidade demográfica, ermos perdidos no coração do Brasil consumindo mais de 2/3 do território nacional. Era a forma visionária de diversificar a base produtiva congestionada nas regiões litorâneas, a partir da integração rodoviária e do desenvolvimento agropecuário.
 
Seu foco principal era Goiás, rincão fértil, especialmente pela sua recém inaugurada capital, Goiânia, que serviria como epicentro dessa jornada histórica progressista. Getúlio Vargas precisava, para comandar essas tarefas de desenvolvimento, de uma pessoa com visão, coragem e arrojo para a mirabolante missão.
 
Isso despertou em Getúlio o talento de um emblemático líder aventureiro, chamado Bernado Sayão Carvalho Araújo, moldado ao espírito do desbravador de seu projeto. Era o homem que implantava as coisas, fazia acontecer e que tinha deixado sua marca no interior do Rio de Janeiro, no Mato Grosso, no Paraná. Getúlio o nomeou para a missão, no embalo da “Marcha para o Oeste”, de implantar em Ceres, GO, uma Colônia Agrícola que, de certa forma, seria o embrião do surgimento de Brasília.
 
Com imagem bastante associada ao Brasil Central, muita gente até hoje acha que o gigante pioneiro era goiano. Nunca foi. Carioca do bairro Tijuca, remador do Botafogo de Futebol e Regatas, jogador de peteca dos bons no Posto 2 da praia de Copacabana, dono de uma rede de pesca no Posto 6, formado em 1923 na Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte.
 
Bernardo Sayão fincou raízes na terra de Bernardo Élis e Cora Coralina por opção. Chegou às plagas goianas nos anos 40. Para riscar o chão da história goiana, que foi marcada pela imponente Transbrasiliana (BR 153, Belém-Brasília), que é uma dentre as muitas marcas feitas no solo central do Brasil.
 
Um dos primeiros trabalhos que Sayão realizou, naquela ocasião, foi a estrada de 142 km ligando a colônia agrícola, no município de Ceres, à cidade de Anápolis. Na época, esse tipo de trabalho significava desbravar, apalpar o terreno, improvisar condições para transpor rios, às vezes aguardando, durante semanas, que mantimentos chegassem até aos canteiros, lançados por via aérea. Ficou conhecido como o homem que literalmente riscou o chão do oeste brasileiro abrindo estradas nas matas selvagens de Goiás.
 
Construiu a Rodovia Goiânia-Brasília, cujos trabalhos de terraplenagem começaram em 3 de novembro de 1956. Sob seu comando foram asfaltados ainda o trecho de 120 km entre Brasília-Anápolis e os 280 km que passam por Brasília-Cristalina-Paracatu. Também as saídas para São Paulo e Belo Horizonte, além de levantamento do traçado para rodovia do Nordeste rumo a Barreiras (BA).
 
A identificação de Sayão com o povo e com o ambiente de Goiás levou-o a ser eleito vice-governador do Estado. Na verdade Sayão foi o Gigante do Oeste que deu contorno a Brasília.
 
É enaltecido no livro de Costa Couto como “o Bandeirante moderno que deu a luz a estradas e pontes, unindo o sangue que faz pulsar o coração do Brasil. Foi o Capitão desbravador que fez as primeiras margens do progresso no rio das Almas, derrubando árvores e construindo estradas ligando povoados para a vinda e estadia do progresso. Se hoje o coração do Brasil palpita e faz circular o comércio e as grandes negociações do agronegócio nacional é graças ao Sayão do Povo, que derramou lágrimas, suor e sangue nas matas virgens de Goiás. Sayão do Povo, Gigante do Oeste, Capitão Desbravador, Bandeirante Moderno e Chefe”.
 
Em 1956 foi nomeado para integrar a equipe, formada por Israel Pinheiro, Ernesto Silva e Iris Meinberg, que organizou os trabalhos para a construção de Brasília, uma promessa que Juscelino Kubitschek fizera ao País, na época da campanha à Presidência da República, na cidade de Jataí, no interior de Goiás. Simultaneamente às obras de Brasília, JK precisava de uma liderança para dirigir a construção da rodovia Transbrasiliana, a Belém-Brasília. Era um audacioso projeto para ligar o Norte ao resto do País, resgatando a cidade de Belém de um isolamento secular, uma vez que só era possível chegar àquela capital por via aérea ou marítima. E a estrada, com 2.772 km de extensão, avançou 450 km dentro de mata fechada, cortando os estados de Goiás, Tocantins (que não existia à época), Maranhão e do Pará.
 
Sayão conduziu a construção da estrada até o dia 15 de janeiro de 1959. Nesse dia, a queda de uma árvore de grande porte sobre o alojamento que ele ocupava provocou-lhe a morte. E, por se tratar de Bernardo Sayão, foi uma morte épica. Esmagado por uma árvore gigantesca, poucos dias antes dele e sua equipe de bravos homens concluírem a confluência das frentes de desbravamento norte e sul da rodovia Belém-Brasília, lá na fronteira entre o Pará e o Maranhão, no limite entre as regiões Norte e Nordeste. Parecia o fim do mundo, mas era o Brasil. O Brasil de Juscelino Kubitschek e aquele distante 15 de janeiro de 1959 entraria para a história da cidade, do país.
 
Para JK – que nutria por Bernardo Sayão uma amizade fraterna, apesar de se conhecerem há pouco tempo, “o temperamento ativo, diligente desse bandeirante moderno com ares de Tarzan de uma selva de pedra que emergia do nada, sintetizava o ritmo da construção de Brasília, andava na cadência acelerada das obras. Rosto queimado de sol, suor escorrendo pela pele morena, passos acelerados sempre em movimento, em constante atividade, o pioneiro era a síntese do Brasil grande. Em Brasília, naqueles anos seminais, o rastro do trator na terra vermelha do cerrado significava rastros de Bernardo Sayão” – disse o Presidente.
 
Sayão foi sepultado em Brasília. O seu enterro inaugurou o Cemitério da Esperança que ele mandara construir, simultâneo e ao lado ocorreu o sepultamento de seu motorista Benedito Segundo que morreu ao saber de sua morte.
 
O mundo repercutiu sua morte.
 
Os feitos de Bernardo Sayão como desbravador arrojado, tocador de obras e construtor de estradas correu os quatro cantos do Brasil. Mais do que isso, alcançou o mundo. Na prestigiada revista “Life”, o americano John dos Passos destacou seu estilo enérgico. Nas páginas das “Seleções”, da Reader’s Digest, a jornalista e compatriota Virginia Prewett salientou o porte físico de Hércules do pioneiro. A escritora Rachel de Queiroz era uma admiradora confessa e, anos mais tarde, em 1967, no romance “Quarup”, o escritor Antônio Callado criaria um personagem inspirado em Sayão.
 
Bernardo Sayão, o “Desbravador de Floresta”, dá nome ao diploma com o qual a revista “O Empreiteiro” homenageou as empresas do Ranking da Engenharia Brasileira.
 
 
*José Osório Naves é jornalista e escritor. 

 

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