Pega ladrão

| 20.10.20 - 11:48

Quando criança, eu e meus irmãos, primos e vizinhos costumávamos brincar de polícia e ladrão. Naquele tempo uma conhecida brincadeira de rua. O curioso é que essa brincadeira nos dizia, desde lá, que de boa intenção o inferno está cheio, isso para dizer que não há nada de inocente no brincar infantil, mas uma incógnita a decifrar.

Freud bem que nos ensinou a ver nas brincadeiras da infância o jogo simbólico por excelência. Nessa brincadeira presumia-se o risco. A possibilidade dos ladrões vencerem estava dada. À polícia caberia capturá-los num curto espaço de tempo, e aos ladrões apenas serem espertos o suficiente para não serem pegos. Quanta desvantagem nesse jogo, não?! Os ladrões utilizavam todos os meios de engambelar seu grupo oponente, metamorfoseavam em ambientes e esconderijos, e tudo dependia do mundo dos espertos.

Até, então, tudo não passaria de uma diversão, se não fosse o fato de crescermos e sofrermos a amnésia das justaposições, acreditando em super-heróis, e fingindo que o diabo não veste “prada”. E daí, depois de uma geração inteira de brincadeiras de ruas, assistimos estarrecidos, num clima malcheiroso, aos ladrões borrarem suas cadeiras, bem debaixo do nosso nariz!

O ladrão é aquele que ri da nossa cara, goza do espanto do outro, de se ver tão arbitrariamente enganado, e nos diz: você é um tolo! Enquanto eles ladroam nosso tempo, nossos sonhos, uma claque inteira mimetiza, brinca de “macaco viu, macaco faz”! Os ladrões de plantão distraem-nos com suas performances grosseiras e nos chocam com seus bagos à vista!

Dessa história toda, podemos dizer que algo fica: o dito pelo não dito!

*Denise Fleury.

Comentários

28.10.2020 11:30 Tatiana Mendonça Travassos

Parabéns Denise! Tenho ótimas lembranças das brincadeiras de infância e esse seu texto nos faz refletir e compreender melhor a importância disso para os dias de hoje.
26.10.2020 10:34 Júlia Fleury

Essa crônica me fez refletir bastante, retrata um assunto serio de forma cômica e chocante.
26.10.2020 08:06 Isabella Castro

Esta crônica só poderia ter sido escrita por uma psicanalista, que além de descrever a importância do brincar infantil, ainda revela com destreza e elegância “os bagos de fora” de tantas entranças relacionais! Parabéns amiga. Continue
25.10.2020 17:42 Tânia

Adorei o texto. Muito bem colocado. Retrata A realidade que estamos vivenciando.
25.10.2020 14:57 DANIELA ASSIS FLEURY CURADO

Texto enriquecedor, trazendo uma reflexão dos significados das brincadeiras. Parabéns.
24.10.2020 14:30 Rodrigo

A leitura nos faz refletir sobre o mal que aprendemos desde a infância... Daí a importância de uma boa educação como forma de respeito ao cidadão. Assim, a maioria da sociedade iria colaborar mais com as leis de forma espontânea, pois foram respeitados como cidadãos. Parabéns Denise!
23.10.2020 20:21 Kellen cardeal

Que escrita top viu? Como consegue em poucas linhas expressar tamanha mensagem!!! Deve ser uma porta essa escritora!!! Parabéns!!!
23.10.2020 17:43 marcello

Leitura excelente com um discurso inteligente e de certa forma cômico.
23.10.2020 17:18 Luisa fleury Ribeiro

Texto muito rico, adorável de ler, quanto talento!!
23.10.2020 14:02 Lilian Goulart

Muito bom ler os escritos de Denise Fleury! Espero que sua garra, pitadas de humor responsável e poético contaminem esse mundo!
23.10.2020 13:56 Andreia

Denise, os ladrões faziam chacotas nas brincadeiras de infância, o que era parte importante no componente lúdico. Na vida real, as chacotas não têm graça nenhuma, deixam um gosto amargo na boca e um sentimento de impotência que nos adoece. E hajam nádegas! Parabéns, minha amiga, você sempre dando voz aos que não têm talento para dizer do que os entristece ou alegra.
23.10.2020 11:35 Leandro Luiz Fleury Rosa

Parabéns Denise, artigo bem contextualizado para os momentos estranhos que vivemos.
23.10.2020 09:48 Luiz de Aquino Alves Neto

Muito bom!! Tema oportuno e muito bem tratado!
23.10.2020 09:12 Marina rosa

Otimo! Gostei! Parabens , menina!!!

Denise Fleury

Pega ladrão

Comentários

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