Uma pessoa de fé, determinada, que sempre ajudou as pessoas que a procuraram e que nunca deixou um assunto sem solução, a minha mãe, Maria Luiza Naves, carinhosamente conhecida, ao longo de sua vida, como dona Nenzinha, já conquistados seus 99 anos bem vividos, mantem essa mesma postura. Continua preocupada com todos, com a saúde de cada um e em ajudar, lembrando-se de fatos distantes.
Com as visitas mais restritas, em função da pandemia, ainda nos vemos de vez em quando, e ela sempre reclama se demoro um pouco mais a aparecer, querendo saber os motivos e indagando por todos.
Ontem, quando nos vimos em sua casa, o aparelho de televisão ligado, um assunto redirecionou nossa conversa: o processo de canonização do padre Pelágio Sauter, que ela conheceu ainda jovem, pois sua avó paterna, Maria Luiza de Jesus, conhecida como Vó Iza, que a criou, era quem o acolhia nas visitas de desobriga ao então povoado de São Geraldo, nos distantes anos de 1920 e 1930. Ele, sempre atencioso com todos, estimulava as vocações, e a incentivou na música, a cantar, e tiveram uma convivência próxima.
Quando a nossa família se mudou para o bairro de Campinas, no início dos anos 1950, o sacerdote havia se mudado de Trindade e já atuava na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição; vez por outra, aparecia lá em casa, sempre simpático e atencioso.
Meu pai, José Rodrigues Naves Júnior, foi um político, católico e que sempre atendia aqueles que o procuraram. Era vicentino e se dedicava muito ao atendimento às famílias socialmente desassistidas que adotou, que abrigava nas vilas que ajudou a construir e manter, dando-lhes moradia, comida, vestuário e assistência médico-hospitalar e espiritual.
Foram centenas, milhares de famílias que receberam essa atenção.
Dona Nenzinha se lembrou, naquele momento, de um episódio de que participara: o pedido pela intercessão de Padre Pelágio para que uma criança, que estava sofrendo com incontinência urinária, pudesse ser cuidada e ter esse problema resolvido.
Ao se lembrar desse caso, ela quer incluir o relato no processo para tornar santo católico o padre alemão que adotou Goiás como sua casa e muito deu de si para todos, para confirmar a força espiritual e o trabalho dele pelas pessoas.
Era a segunda metade dos anos 1960 quando recebeu em sua casa, na então Av. Rio Grande do Sul, 519, uma comadre, que estava desesperada com a situação de seu neto, João Batista, que tinha esse problema de saúde e ela já não sabia mais o que fazer. Dona Olímpia morava nos arredores da Matriz de Campinas.
Dona Nenzinha, como sempre, procurou tranquilizá-la, dizer que estava orando por ele e que também tivesse fé, que uma solução iria aparecer. Em seguida, convidou-a a fazerem, com sacrifício, uma novena para Padre Pelágio, para a reza do terço ao lado de seu túmulo, num horário em que o sol estava forte, às 14h, sem utilizar sombrinhas.
Nesse período, o túmulo dele estava sempre com velas acesas.
Imbuídos do espírito vicentino do Papai, na época havíamos criado e estava funcionando o Clube de Castores Goiânia-Oeste, uma agremiação de jovens que se dedicava a ações de assistência social e cultural.
Mamãe comentou conosco o problema e, no nono dia de rezas sob sol quente, como que iluminado, o meu irmão, Sevan Naves, que era presidente dessa entidade, sugeriu enviar o neto de dona Olímpia para São Paulo, onde teria mais possibilidades de atendimento médico. De imediato, ligou para o então secretário-geral da Associação Nacional dos Clube de Castores, José Guilherme Schwam, relatou o caso, e ele solicitou que o enviassem à Capital paulista que iriam tomar as providências necessárias.
A partir daí tudo foi se encaixando.
Um vizinho de dona Olímpia, viajante comercial, estava indo para São Paulo naqueles dias, ofereceu-se para acompanhar a criança, viajaram no dia seguinte e a entregou na Rodoviária da Capital paulista aos jovens castores paulistanos, que a assumiram – conseguiram alojamento, alimentação e roupas para ele; na sequencia eles o levaram ao médico e a indicação foi por uma cirurgia, feita logo depois. Os resultados foram positivos e João Batista voltou para casa, medicado e com a situação resolvida.
Para dona Nenzinha foi um milagre essa intercessão de Padre Pelágio por João Batista, que cresceu, casou-se e teve filhos.
*Jales Naves é jornalista e escritor, presidiu a Associação Goiana de Imprensa (AGI) em dois mandatos consecutivos (1985-1991) e ocupa as cadeiras nº 30 da Academia de Letras e Artes de Caldas Novas e de nº 34 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.