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Relata a Bíblia que os fariseus, apoiando-se na reputação revolucionária que angariava Jesus Cristo, tentaram encurralá-lo com uma pergunta capciosa: seria lícito ou não pagar imposto a Roma? Caso respondesse afirmativamente ele cairia em contradição, pois pregava que o seu verdadeiro reinado não era aquele. Se replicasse negativamente poderia ser enquadrado em atividade subversiva e assim condenado como traidor do Império. Jesus Cristo então aponta para uma moeda, que continha a efígie e inscrição do Imperador, concluindo: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E assim nasceu a separação entre Estado e Igreja.
Nos tempos desta fatídica passagem bíblica as figuras de governante e deidade se embaralhavam em uma só. Cleópatra não era somente Rainha do Egito, mas a reencarnação da deusa Ísis. Xerxes não foi apenas xá Aquemênida, e sim o “Deus-Rei de toda a Pérsia”. Roma por sua vez havia estabelecido o culto imperial através da apoteose (a prática de deificar antigos imperadores) e estes eram incluídos no panteão de divindades romanas a serem veneradas através desta sanção estatal.
A natureza divina dos monarcas foi o debate central durante o período de formação da Igreja e a resposta cristã foi profundamente transformadora: não confundamos o soberano com o princípio da soberania em si, pois quem detém o poder está subordinado a algo de maior estatura, seja ao celestial ou ao próprio indivíduo. O rei então perdia sua qualidade de deus e passava a comungar com o resto dos mortais todas as dores e revezes da falibilidade humana.
A partir do século XVIII eclodiam as revoluções seculares na Europa e esta distinção se turva novamente. O pensamento iluminista foi apartando o Ocidente de impulsos religiosos enquanto buscava, corretamente, explicações científicas para os mais diversos fenômenos que nos cercam. Mas ele não livrou-nos do ímpeto essencialmente humano de venerar algo, apenas deslocando o objeto da adoração de volta para a Terra, desta vez materializando-o no Estado. A secularização positivista reconsagrou aquilo que é mundano de fato e, ao contrário do arrependido Victor Frankenstein, apaixonamo-nos pela nossa criatura.
A diferenciação entre poder teológico e poder político não é meramente estética ou superficial, mas de profundas consequências para entendermos a nossa relação com o Estado, com a lei e com a realidade. Se estas lideranças se concentram no mesmo ente, um pecado não é unicamente questão de fé a ser tratada com seu pároco, e sim crime contra a ordem constituída. As ideologias coletivistas tentam se livrar da consciência judaico-cristão por entenderem que seus princípios constituem obstáculo fundamental à criação de um “paraíso” na Terra, e sabem que competem com o cristianismo não só por votos, mas por almas.
Na China comunista Mao Tsé-Tung era cultuado mesmo após matar 60 milhões de pessoas com o seu programa “Grande Salto para a Frente”, e seu projeto não se bastava em reestruturar as relações produtivas daquele país. A “Revolução Cultural Chinesa” iniciada em 1966 buscava expurgar qualquer elemento antimaoísta da nação, fossem eles resquícios “capitalistas” ou a intrincada tradição daquele povo. Seu texto sagrado era “O Livro Vermelho” e uma grande Inquisição foi instaurada, resultando na prisão, humilhação, tortura e execução daqueles percebidos como infiéis. Espetáculos chamados “sessões de luta” eram conduzidos em praças públicas e a população era instigada a confessar seus sacrilégios contra o regime. Criticar Mao não era um direito democrático, mas uma blasfêmia.
Este fervor religioso era protegido na União Soviética pelo artigo 58 de seu Código Penal, que fundia os conceitos de pecado e crime ao tipificar a conduta de “pensamento e ação antirrevolucionária”. Sob Stálin a verdade se tornou mera conveniência, pois não se buscava mais alcançá-la por meio de uma incessante busca filosófica, e sim pelo consenso construído entre partido, mídia e academia. Na Coreia do Norte estátuas e fotos da dinastia Kim estão espalhadas pelo país e todos devem se curvar perante a cada uma delas.
O Brasil se aproxima de um novo ciclo eleitoral e devemos nos atentar para doutrinas de fé travestidas de posicionamento político legítimo. O Mausoléu de Lênin segue ereto na Praça Vermelha em Moscou e seu corpo, mumificado e exposto, recebe milhões de visitas todos os anos.