Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 14º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Hélenes Lopes

30 anos de Orquestra Sinfônica de Goiânia, crônica de uma tragédia anunciada

| 10.07.23 - 18:29

Quatro orquestras, múltiplas realidades. Enquanto a Orquestra Filarmônica de Goiás, top 3 dentre as orquestras brasileiras, lançava pelo selo internacional Naxos mais um CD premiado e a Orquestra Sinfônica Jovem de Goiás fazia concertos memoráveis e emocionantes na Sala São Paulo, principal palco brasileiro, e no Parque Capivari pelo 53° Festival de Música de Campos do Jordão, a Orquestra Joaquim Jayme, grupo jovem da Orquestra Sinfônica de Goiânia seguia os passos da célula mater e tocava numa praça qualquer sem estrutura em algum canto de Goiânia. Visões diferentes da importância da arte na formação do indivíduo e de aplicação prática de recursos separam a gestão dos representantes da direita goiana nas duas esferas administrativas e de seus respectivos secretários: Ronaldo Caiado e José Frederico Lyra Netto no Governo de Goiás e Rogério Cruz e Zander Fábio, na Prefeitura de Goiânia.
 
Feito o apontamento a palo seco nesse breve mas contundente prólogo, deixemos de coisa, cuidemos da vida e voltemos no tempo para contemplar outra parte da história.
 
No dia 03 de julho de 2023, uma fria noite de segunda-feira, aconteceu o Concerto em Comemoração aos 30 Anos da OSGO, realizado com muito sucesso no Teatro Basileu França. Casa completamente lotada. A fila para entrar dava volta no quarteirão. Cerca de 700 pessoas assistiram e vibraram com a 9ª Sinfonia de Beethoven e mais de duzentas ficaram de fora. Como disse o senhor Natalindo, um guardador de carros do Setor Universitário que viu seus clientes voltarem tristes sem conseguir entrar, num vídeo que viralizou nas redes sociais: "Eu, eu, eu, Basileu não cabeu." Tanto sucesso deixa orgulhosos os pais da criança, sempre ávidos a colher os louros e surfar na onda dos bons momentos. Toda essa movimentação e resposta do Público a um trabalho bem feito, mesmo em situação laboral, salarial e emocional precárias nos leva a pensar várias coisas e dentre elas, uma salta aos olhos: a função social da instituição Orquestra Sinfônica de Goiânia.
 
Para que serve uma Orquestra Sinfônica profissional com 30 anos de história? E um Coro Sinfônico profissional ativo há 24 anos, serve para quê? Músicos com vasta formação acadêmica, virtuosismo, anos e anos de prática e dedicação à Arte, à formação de plateia e de novos músicos nas mais diversas escolas municipais, estaduais, federais e particulares de música, qual valor têm?
 
Alguém que conheça o trabalho de excelência (ou pelo menos tentativa de) realizado pelos grupos pertencentes à OSGO nos cerca de mil e quinhentos concertos levados a mais de um milhão de pessoas em toda a sua existência certamente dirá que uma entidade de tão alto nível e entrega artística, totalmente financiada pelo Município de Goiânia através da SECULT, tem um valor inestimável e o que ela devolve à comunidade goianiense em forma de Arte, Cultura, Educação e Formação Humana é igualmente inestimável.
 
Impossível mensurar a experiência transcendental e a transformação que uma única ida ao teatro para assistir à Orquestra, ao Coro ou aos dois juntos em programas sinfônicos e óperas pode causar numa pessoa. Que lugares essa viagem artística pode acessar, por mais escondido e difícil seja o trajeto? Chegando lá, quais sentimentos e desejos essa viagem é capaz de provocar? Quantas vidas tiveram seus destinos mudados porque um dia uma jovem viu uma cantora lírica solando ou um pai levou seu filho para um concerto e este se apaixonou perdidamente pelo som do violoncelo? São inúmeros os casos em que pessoas comuns, das mais variadas origens sociais e sem contato prévio com a música de concerto descobriram ali sua verdadeira vocação e remodelaram seu destino.
 
Sabendo disso, por que privar a comunidade goianiense dessa metamorfose? Por que motivo é válido negar o acesso do povo ao que é seu por direito? Sim, a Orquestra Sinfônica de Goiânia, o Coro Sinfônico de Goiânia e todos os outros grupos ligados à OSGO são da população goianiense, bancada pelo dinheiro suado dos impostos municipais que voltam para o cidadão em forma de apresentações e concertos gratuitos. 
 
Não é justo com o público, com os pais, mães, jovens e crianças de nossa cidade tirar-lhes o contato com o poder transformador da Música. Não é justo com quem paga impostos ver parte de seu trabalho não retornar em fora de Arte e Cultura. Não é justo com os músicos, sejam maestros, instrumentistas ou cantores, bravos artistas que vivem a música, da música, para a música e para levar a música ao povo serem a todo tempo impossibilitados de fazer com competência sua atribuição primordial para tornarem-se exclusivamente animadores de eventos políticos ou participantes de programas infrutíferos calcados no velho subterfúgio de levar a Orquestra e o Coro aos parques e todos os cantos da cidade - que quase sempre são no epicentro econômico da capital - sem para tanto fornecer o mínimo de estrutura, divulgação ou mesmo público, em geral resumidos a duas dúzias de passantes, tocando e cantando arranjos de música sertaneja e demais repertórios que, por não serem nossa especialidade, não acrescentam em nós ou em quem ouve nenhum mérito artístico.
 
Pelo que se tem visto ao longo do tempo no Brasil, a melhor forma de acabar com uma instituição exitosa é pouco a pouco desvirtuar suas funções, dividir seu pessoal e esfacelar seu impacto na vida da sociedade até que esta comece a se questionar por que sustenta com seus tributos aquele órgão. Sob essa ótica, parece-nos um misto de contraditório e estratégico os caminhos pelos quais as lideranças políticas têm conduzido nossos trabalhos, uma vez que existe um processo de reestruturação de cargos e salários tramitando na Prefeitura desde 2021 e nesse ponto temos que reconhecer o espaço para a negociação e o esforço que o secretário de Cultura Zander Fábio e o prefeito Rogério Cruz demonstram, mesmo havendo um excesso aparentemente proposital de informações desencontradas sobre prazos e datas de aprovação (a última veio em vídeo gravado pelo chefe da Secult e o vereador Anselmo Pereira, de que seria encaminhada à Câmara antes do recesso e votada logo no início de agosto, o que pouco depois do concerto do dia 03/07 foi revisto, surgindo rumores de que não é bem assim, mas quem sabe no orçamento do ano que vem). Essas atitudes políticas de falar o que o funcionário/eleitor deseja ouvir mas sem sustentar realmente o dito alimentam de vã esperança quem necessita de pão, paz, certeza na palavra e urgência na ação, pois a insegurança alimentar para alguns é real, assim como o medo de não sobrevivermos por mais um semestre nas calamitosas condições atuais.
 
Servir de trilha sonora para eventos políticos faz parte, pois somos funcionários da Prefeitura de Goiânia, porém este não pode ser o foco do trabalho. Tocar em praças e demais espaços abertos é importante? Sim. O público ama e todas as orquestras do mundo fazem. Entretanto essa experiência só se torna válida com palco, sonorização adequada para equalizar cada instrumento ou grupo de instrumentos e vozes, caso contrário a ideia de levar a Orquestra, o Coro e a Música Erudita a todos os cantos de Goiânia se torna um arremedo sem sentido, uma experiência artística inócua para o público a que se destina.
 
É necessário lembrar e entender que em 2022, por pressões institucionais, a Prefeitura de Goiânia permitiu-se abrir mão do excepcional prédio histórico da antiga Assembleia Legislativa de Goiás, uma verdadeira galeria de Arte Goiana que estava destinada à Cultura, seria a nova sede da OSGO e abrigaria a primeira Sala de Concertos do Centro Oeste ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás e com requintes de crueldade ainda nos convocou para "abrilhantar" a chegada do Papai Noel na festa de Natal de 2022 no TCM (que nos anos anteriores contratava grupos de eventos particulares) enquanto nós, subjugados e recolhidos à nossa insignificância, ouvíamos cabisbaixos e impotentes os agradecimentos dos conselheiros ao Prefeito por ceder-lhes o espaço nosso e da sociedade goianiense por vocação, merecimento e direito, mas que a partir dali seria transformado em outra repartição pública promovendo o mais do mesmo, na ação mais humilhante a qual já fomos submetidos nesses 30 anos de descaso.
 
Levar a população aos teatros e salas de concerto (dois espaços que a Prefeitura de Goiânia não dispõe) para que possam vivenciar a total imersão na Arte e assim cultivar o amor à cultura orquestral, à musica erudita e ao canto coral, este é o dever primordial da OSGO e enquanto estivermos de pé, merece ser proporcionada a todos.
 
Por favor, cobrem das autoridades a urgência na reestruturação da OSGO. Nos ajude a sobreviver e não abram mão de ver a Orquestra e o Coro se apresentando nos teatros de Goiânia e fazendo mais de uma récita de cada repertório, para que ninguém seja barrado por falta de vaga e volte pra casa frustrado por não ter acesso ao que lhe é um direito.
 
Hélenes Lopes, Tenor, integrante há 22 anos do Coro Sinfônico de Goiânia.

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
  • 14.07.2023 07:36 Margareth

    Tristeza esse descaso dos gestores da prefeitura de Goiânia , com a cidade e seu patrimônio cultural . Salve o grande maestro Joaquim Jaime um lutador na criação da OSGO e parabéns pelo grito de alerta , vamos reverberar !

  • 11.07.2023 15:42 Mara

    Como pode nosso prefeito Rogério Cruz e o nosso secretário da cultura Zander Fábio, figuras públicas, que precisam ser visionários, não consiguirem enxergar, compreender e reconhecer a importância de uma instituição formadora como a Orquestra Sinfônica de Goiânia?!?! Tenho esperança que revejam suas estratégias políticas.

  • 11.07.2023 12:48 Cleuton Batista

    É indiscutível o valor cultural da OSGO para os Goianos. Pois a partir dela, em 1994, ressurgiu o espirito goiano para o q é de bom gosto. De 1994 em diante foram reformuladas, revalorizadas e criadas outras orquestras e espaços. musicais no estado, e os jovens foram para as escolas de música local e até mesmo no exterior. É lastimável! em 2023 eu esteja lendo as mesmas reclamações análogas a 1994.A mentalidade política goiana voltou a antes de 1994??

  • 11.07.2023 10:55 Natã

    Importante texto. Espero que essa realidade mude na Orquestra Sinfônica de Goiânia. Já passou da hora! #SOSOSGO

  • 11.07.2023 05:52 Fernando Passos Cupertino de Barros

    A OSG é patrimônio de Goiânia, dos goianienses e dos goianos! É preciso defendê-la, preservá-la e promovê-la pela importância que tem e pela qualidade de seus integrantes. Que a sociedade se mobilize e exija dos eleitos as ações necessárias e urgentes!

  • 10.07.2023 20:00 Anon

    triste realidade da atual prefeitura de goiania. descaso e vergonha definem

  • 10.07.2023 18:59 Éverton Marin

    Belo texto e triste realidade goiana

  • 10.07.2023 18:55 Othaniel Alcântara

    Parabéns pelo texto. Importante iniciativa de um brilhante músico de Goiânia no sentido de esclarecer a comunidade local acerca da atual situação da Orquestra Municipal, Coro Sinfônico...

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351