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Gismair Martins e Myriam Martins Lima

O perfil híbrido do leitor contemporâneo

| 07.08.23 - 18:16

Neste momento, o governo do estado de São Paulo se vê às voltas com polêmicas sem fim no campo da educação em virtude de ter optado por abandonar o material didático do Ministério da Educação, apresentando à rede estadual paulista a opção de materiais didáticos virtuais. Ante as críticas, o governador Tarcísio de Freitas se viu na contingência de ter de recuar estrategicamente, garantindo a impressão dos materiais para os educandos paulistas.
 
Dentre os pontos levantados pelos especialistas da área educacional no imbróglio do governo paulista, está o que diz respeito à necessidade sensorial de o estudante ter em mãos o livro físico para um melhor aproveitamento das lições. A celeuma certamente remete a problemas tangenciais que já vêm sendo discutidos anteriormente, como é o caso dos diversos níveis de leitores que as modernas tecnologias têm feito emergir nos últimos tempos.
 
No capítulo “O leitor ubíquo”, da obra “Comunicação Ubíqua: Repercussões na Cultura e na Educação”, publicação de 2013 da editora Paulus, a pesquisadora Lúcia Santaella discorre acerca da compreensão dos diferentes perfis cognitivos dos leitores, buscando compreender se o leitor prossumidor (produtor e consumidor de hipermídia), é o que transita atualmente pelas redes sociais.
 
Em contraposição a autores como Roger Chartier, Lúcia Santaella sustenta que a leitura se dá não somente em relação ao texto escrito, mas também em relação a imagens, símbolos, signos, notações, dentre outros. Não somente há essa variedade em relação ao que se é possível ler, mas também há uma variedade de tipos de leitores que acabam realizando diversas leituras simultaneamente.
 
Há, segundo a autora, três principais tipos de leitores, até então por ela observados: o leitor contemplativo, o leitor movente e o leitor imersivo. O leitor contemplativo nasce na era pré-industrial e se insere como um leitor meditativo da era em que a imagem era fixa e expositiva. O leitor movente surge após a revolução industrial, motivo pelo qual está sempre imerso em multidões; este leitor é dinâmico e está em constante movimento. Já o leitor imersivo surgiu com o advento das redes computadorizadas de informação e comunicação.
 
A autora adentra com maior especificidade às três tipologias leitoras para que seja possível uma melhor compreensão da tipologia ubíqua que será posteriormente detalhada por ela. Esta tipologia detém características pertencentes às três anteriores.
 
O leitor contemplativo, segundo Santaella, possui um perfil cognitivo pautado em uma prática de leitura silenciosa, individual e solitária. Possui ele uma relação íntima com o livro, objeto durável e manuseável, recolhendo-se em um espaço de leitura propício para tal, praticando a leitura de forma concentrada e meditativa, possibilitando processos de pensamento abstratos e conceituais.
 
Lúcia Santaella afirma que o leitor movente surge a partir de diversos estímulos sofridos pela sociedade com as transformações da modernidade. Para adaptar-se à nova realidade instável e transitória das metrópoles, esse leitor se ajusta a novos ritmos de atenção. O leitor movente, então é fugaz, atento a novidades, possui memória curta e grande agilidade. Esse leitor, ao contrário do contemplativo, não lê somente livros, mas também traços, cores, luzes… acompanhando o movimento inerente à cidade.
 
O leitor imersivo, por sua vez, ainda segundo a definição de Santaella, possui habilidades distintas das dos demais tipos de leitores. Há, devido às especificidades do texto em formato e suporte digital, quatro estratégias para a navegação: o escaneamento da tela, a navegação, a busca e a exploração em profundidade. Esse tipo de leitor salta entre um fragmento e outro seguindo roteiros multilineares que transitam não só entre textos escritos, mas também imagens, músicas, vídeos e etc.
 
É importante frisar que, segundo a perspectiva de Santaella, o surgimento de um tipo de leitor não exclui a existência do outro.

Além de coexistirem, as três tipologias se complementam. A autora retoma o surgimento e a popularização da internet como difusora das redes sociais e aponta o surgimento de novos espaços virtuais com o avanço das tecnologias relacionadas à web. As mídias sociais, assim, passam a ocupar espaço de extrema importância no cotidiano social, estabelecendo novas formas de relacionamentos.
 
Lúcia Santaella afirma que o leitor ubíquo é denominado como tal devido a sua inserção entre as interfaces físicas e virtuais. A autora evidencia, ainda, que a terminologia “ubíquo” advém da área da computação e remete à computação pervasiva e à computação móvel. A computação ubíqua promove a integração entre a mobilidade e os sistemas de presença distribuída, ou seja, refere-se a sistemas computacionais presentes em diversos ambientes em qualquer tempo ou lugar.
 
O leitor ubíquo possui as características do leitor movente de transitar entre diferentes formas, volumes, massas, interações e etc.. Do leitor imersivo, o leitor ubíquo herda a presença corporal nos ambientes sem necessidade de mudar seu ritmo ou lugar para ler e comunicar-se com outras pessoas. Diferentemente do leitor contemplativo, o leitor ubíquo não tem, devido à imensa quantidade de estímulos em que se insere, tempo para assimilar de forma contemplativa o que está sendo lido.
 
A autora frisa que a ubiquidade do leitor pressupõe sua capacidade de desempenhar multitarefas. As multitarefas estimulam o desenvolvimento da memória de curta duração. As multitarefas, como aspecto cognitivo, permitem o desenvolvimento de acuidade visual voltada à seleção de informações procuradas ao se deparar com telas.
 
Lúcia Santaella reafirma que o surgimento de um tipo de perfil cognitivo leitor não promove o desaparecimento do outro. Em complemento, afirma que o leitor ubíquo constitui uma síntese dos demais tipos. Este perfil cognitivo é híbrido e deve lidar com a hipercomplexidade cultural e cognitiva da contemporaneidade, o que pode ser considerado como um grande desafio, considerando as dificuldades encontradas em diversos âmbitos, incluindo o educacional.
 
*Myriam Martins Lima é Bacharel em Biblioteconomia pela UFG e mestranda em Comunicação pela Faculdade de Informação e Comunicação da UFG.
 
*Gismair Martins Teixeira é Doutor em Letras e Linguística pela UFG-GO; com Pós-Doutorado em Ciências da Religião pela PUC-GO; professor e pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte da Seduc-GO.

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